O Nefilim Primordial Brasileira

Autor(a): Ghoustter


Volume 2 – Arco 4

Capítulo 100: Arqueiro sem Visão

A passos largos, Sirin corria apressada pelos corredores, desviando da melhor forma que podia das pessoas que havia no caminho — parecia ter esquecido que estava em um hospital.

Por pouco, não esbarrou em uma senhorinha que estava acabando de sair pela porta de um dos quartos de pacientes.

Fuzilada pelos olhos agressivos do enfermeiro que acompanhava a senhora, Sirin se desculpou às pressas enquanto continuava o percurso sem interrupções.

Ah, que mocinha cheia de energia — sussurrou a senhorinha.

O enfermeiro, que estava a ponto de gritar para a garota se comportar direito naquele tipo de lugar, suspirou devido à fala da mulher. Além disso, a moça já tinha sumido.

Que rápida.

— Eu só espero que ela não cause problemas.

Se bem que arrumar confusão era a especialidade de Sirin Strauss. Todavia, ela estava distraída demais para pensar em algo do tipo.

— Che… Cheguei. — Ofegante, se viu parada na frente de uma porta igual a da mulher que ela quase esbarrou há pouco.

Quando segurou a maçaneta, sentiu uma certa hesitação tomar conta de si. Se o que lhe contaram fosse verdade, ela não sabia como lidar com o que estava do outro.

Acumulando toda a coragem que tinha, abriu a porta de uma única vez, antes que a hesitação a tomasse de volta.

— Quem é? — indagou a voz de Nathan, o qual estava deitado sobre uma cama branca, com as costas apoiadas na parede. — Você voltou, enfermeira?

Por alguma razão, o coração de Sirin apertou como se tivesse sido espremido por vários cordões. Ela queria falar algo, mas sua voz se recusava a sair.

Ver o amigo naquele estado, com um conjunto de faixas brancas cobrindo-lhe o rosto, só acabava com qualquer traço de esperança que a garota ainda tinha.

— Se você ficar calado, eu não tenho como saber quem é — disse, ao passo que virava o rosto em direção ao indivíduo silencioso.

— So-Sou eu, Nathan… a Sirin. — Talvez tenha sido apenas impressão dela, mas a garota jurava que viu os lábios do amigo tremerem. — Eu soube do que aconteceu… e vim correndo pra…

— O que quer de mim aqui? — Mordendo os lábios em frustração, ele apertou o lençol da cama com as duas mãos e respondeu com uma agressividade incomum. — Eu não sou mais um arqueiro. Eu já não sirvo mais pra ser o seu suporte.

Do ponto de vista do próprio Nathan, era ele quem precisava de um suporte. A promessa que fez à garota de proteger as costas dela e ajudá-la a alcançar o topo foi por água abaixo na manhã do dia anterior.

A mãe dele foi uma das pesquisadoras renomadas convidadas para atuar no desenvolvimento de um composto químico capaz de lidar com as criaturas do Continente Sombrio de Erebus.

Como aqueles monstros tinham seus corpos reconstruídos pela névoa do continente todas as vezes em que eram mortos, era necessário usar algo que impedisse a reconstrução corporal deles.

Todavia, o composto químico — ainda em fase de desenvolvimento — apresentava características instáveis. Era muito difícil usá-lo sem riscos para as pessoas.

E foi em uma das visitas que o rapaz fez ao laboratório da mãe que a desgraça aconteceu. Após reagir de forma descontrolada durante um dos testes, o composto químico explodiu, colocando em risco a vida de todos os que ali estavam presentes.

Em prol de ajudar os outros, principalmente a mãe, Nathan usou sua Visão de Arqueiro ao máximo para encontrar e resgatar todo mundo. Contudo, aquilo não saiu barato.

Enquanto saía do lugar, carregando mais uma das vítimas, outro dos recipientes explodiu, liberando a fumaça tóxica em seu rosto.

Com os olhos ardendo e sentindo a pele do rosto derreter, Nathan fez o possível para sair dali, porém, sem enxergar e desesperado, acabou por esbarrar nos obstáculos e tropeçar, até que viesse a cair inconsciente.

Acordando no hospital, recebeu a notícia de que os procedimentos de cura não estavam funcionando em seu rosto e que seus olhos, derretidos, tinham que ser extraídos.

Além disso, todos os que ele não conseguiu resgatar do laboratório acabaram morrendo derretidos ou em virtude da inalação da fumaça tóxica — entre essas pessoas, estava a mãe dele.

— Eu já não sirvo mais pra nada. — Sem o menor indício de esperança, o jovem tenjin viu seu sonho ruir em um único instante. — Será que eu realmente fiz o certo?

Por alguma razão, Sirin sentiu um certo medo de ter que fazer aquela pergunta ao seu amigo, entretanto, ela a fez: — Como assim?

— Foi um erro eu ter me arriscado por causa daquelas pessoas? — Falando daquela forma, o garoto não se parecia com o Nathan que ela conhecia. — Talvez eu só devesse ter deixado eles pra morrerem.

— Não fala assim! — esbravejou sem nem ao menos pensar. Era simplesmente difícil ver o amigo que tanto admirava agindo daquela forma estranha. — O que… O que aconteceu com você?

— "O que aconteceu"?! — Elevando seu tom de voz como nunca havia feito antes, Nathan jogou para fora, da forma mais nua e crua, toda frustração que o corroía. — Caso não tenha percebido, eu perdi a porra dos meus, Sirin!

Dando um passo para trás, a moça recuou com as mãos fechadas sobre seu peito. Com os lábios trêmulos, sentiu vontade de chorar.

De todas as pessoas no mundo, ela nunca imaginou que seria tratada daquela forma rude por alguém tão calmo e sereno quanto Nathan.

— Foi você — sussurrou de forma quase inaudível. — Foi você quem me mostrou que valia a pena se esforçar por algo, que a conquista era algo incrível.

E ela fez o possível para aprimorar suas habilidades apenas para que, algum dia, os dois pudessem lutar lado a lado. Porém, naquele, o sonho parecia tão distante.

— E de que vale um arqueiro sem os olhos? — Cerrando os dentes, estava para jogar um pouco mais de frustração para fora, quando… — Me dig…

— Sinto muito. — Com uma voz vacilante, que fez Nathan hesitar, a moça abriu a porta e se pôs a sair enquanto uma lágrima escorria pela bochecha. — Eu nunca quis te irritar. Eu só queria ver como estava… o meu suporte.

O som da porta se fechando anunciava que ele se encontrava sozinho mais uma vez no silêncio daquele quarto. No entanto, dessa vez, uma sensação de angústia o perturbava.

Talvez ele tenha sido grosseiro demais com a pessoa errada. Na verdade, se tivesse alguém em quem devesse despejar toda aquela frustração, não seria nele mesmo?

— Eu deveria pedir desculpas a ela?

Foi quando, por um instante, uma chama de esperança queimou em seu coração: a porta se abriu mais uma vez. Sem hesitação, o rapaz logo falou:

— Sirin?

Ah, sinto muito, meu rapaz — respondeu uma voz mais madura, uma que ele não conhecia. — Se refere àquela mocinha que saiu agora a pouco? Ela parecia meio abatida.

Ao ouvir aquilo, Nathan abaixou a cabeça e respirou fundo. Ele fez besteira. Pelo visto, Sirin passaria um bom tempo sem querer vê-lo de novo.

"Por que eu tinha que ter vacilado, sério?!" Ainda assim, havia outra coisa o perturbando. — Quem é você, senhora? — Dado o som da voz daquela pessoa, ela certamente era uma mulher.

— Eu sou Marine Alirene. — Aquele garoto até poderia ter esquecido dela, mas Marine jamais o esqueceria. — Eu sou uma das pessoas que você salvou ontem.

Uma das colegas de trabalho da mãe dele? Por que ela estava ali? Nathan tinha certeza de nunca ter escutado o nome daquela mulher antes. Dificilmente seria alguém muito próximo da mãe dele.

— Eu vim para agradecer àquele que salvou as nossas vidas — continuou, com um tom humilde e solene. — Infelizmente, o hospital não permitiria a entrada de todos nós ao mesmo tempo, então eu vim em nome de todos.

Paralisado e boquiaberto, o rapaz ouviu cada palavra de agradecimento em meio ao mais puro silêncio.

Marine explicou como a atitude dele não só salvou a vida dos membros do laboratório mas também impediu várias crianças de se tornarem órfãos.

Muitas famílias derramaram lágrimas de alívio e gratidão, em vez de luto e sofrimento, tudo por causa dele.

"Mas a que custo?" pensava o rapaz. Ele os salvou, mas perdeu a visão, além de alguém tão importante quanto a própria mãe.

Nunca mais ouviria o som da voz dela, sentiria seu abraço ou receberia algum conselho vindo de uma das pessoas mais importantes para ele.

Então, por quê? Por que aquela sensação de felicidade tomava conta de seu peito. Ele deveria estar revoltado e triste, mesmo assim, aquelas palavras…

— Senhora Marine — falou de uma forma que a mulher teve dificuldades de ouvir — poderia me fazer um favor?

— Claro. O que deseja, meu jovem?

— Aquela garota que a senhora viu saindo daqui. — Voltando a erguer a cabeça, virou um rosto menos abatido na direção da visitante. — Caso ela ainda esteja pelo hospital, será que a senhora poderia pedir pra que viesse me ver?

Talvez fosse apenas uma fagulha de falsa esperança, mas — com uma mão em seu ouvido — Nathan encontrou um pouco de determinação para seguir em frente.

Mesmo que tivesse perdido os olhos, ele ainda possuía os ouvidos e as mãos. Era só uma possibilidade, mas — de qualquer forma — ele queria tentar.

"Arqueiro sem Visão." Esboçou um sorriso leve e quase imperceptível. "Até que não soa tão ruim".


Continua no Capítulo 101: Ao Bater do Martelo

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