O Nefilim Primordial Brasileira

Autor(a): Ghoustter


Volume 2 – Arco 4

Capítulo 95: Contra a Parede

Após sua saudação, apenas silêncio.

Diferente do que Alícia esperava, Raizel continuou a uma certa distância, sem fazer a menor menção de se aproximar. Ele a encarava com olhos profundos, como se desejasse ver através de sua alma.

Sentindo os dedos das mãos tremerem e a respiração cada vez mais pesada, a garota ficou surpresa como bastou encará-lo nos olhos para que perdesse toda a coragem que tinha.

Era como se encontrar na mira de um sniper perspicaz, o qual estava à espreita entre as árvores, esperando pelo momento oportuno para apertar o gatilho.

Engolindo em seco, Alícia reuniu o que lhe restava de força e apertou os punhos com intensidade. Antes que fosse abatida, ela fez alguma coisa.

— Você também estava dando apoio aos seus amigos, não era? — De alguma forma, após aquelas palavras, os olhos de Raizel se expandiram de surpresa. — Os meus amigos vão lutar agora, então…

— Deixa de besteira, e vamos ao que importa, garota. — Ainda incomodado com o fato de aquela pessoa ter acertado o que ele estava fazendo, foi incisivo em sua fala: — Não lembro de já termos nos conhecido em algum momento, e a minha memória está longe de ser ruim.

Em meio à tentativa de responder a inquirição imposta a si, Alícia sentiu as palavras sendo travadas em sua garganta. Mesmo assim, tentou organizar as palavras da melhor forma possível.

— Não… Não nos conhecemos… antes.

O que deixou o rapaz à sua frente nem um pouco satisfeito. Se esse era o caso, por que Alícia transmitia uma sensação de energia espiritual tão familiar? Por que decidiu se aproximar dele, mesmo sendo uma tenjin? Por que usava aquele… sobrenome?

— É meio complicado falar sobre certas coisas em um corredor. — Ao olhar para os lados e buscar se certificar de que ninguém os estava vendo naquele momento, Alícia perdeu o rapaz de vista por um instante. — É uma história compli…

Soltou um gritinho abafado no instante em que sentiu seu corpo ser jogado contra a parede e percebeu que Raizel havia ficado logo à sua frente.

Urgh?! — Cada um dos braços dele estava ao lado dela, impedindo-a de escapar. Alícia sentiu o coração a mil ao notar que foi, literalmente, posta contra a parede.

Ao perceber que sua abordagem anterior não renderia bons frutos, Raizel criou um momento de tensão, com intuito de evitar que a garota tivesse tempo e espaço suficiente para mascarar suas respostas.

Então, antes que o efeito passasse, encarou-a no fundo dos olhos e foi direto até a próxima questão, a que o perturbava desde o momento em que a encontrou pela primeira vez.

— Karen Necron. — Pega de surpresa pelo nome daquela pessoa, Alícia desviou o olhar para o lado e selou seus lábios. — O que você sabe sobre ela?

Em vez de fazer uma pergunta, o que poderia ser burlado com facilidade pelo silêncio, Raizel decidiu usar uma isca.

E aquela garota mordeu igual um peixinho. A reação de Alícia diante daquele nome apenas evidenciava que ela já o conhecia e tinha noção do que significava para Raizel.

— Me… diga…! — Segurando-se para não gritar, continuava a pressioná-la. Depois daquilo, nunca a deixaria ir antes de receber uma resposta decente.

— Caos constante — sussurrou com pesar e com o rosto para baixo. Rever aquelas memórias ainda doía muito nela. — Gritos de desespero e muito, muito… sangue.

Para qualquer pessoa, aquelas palavras poderiam soar confusas e um tanto rasas — algo incapaz de satisfazer o seu interrogador. Todavia, para um certo alguém, elas eram tudo, e muito mais.

Enquanto saltava de casa em casa, ou o que tinha sobrado das construções Raizel tinha uma vista completa do panorama de caos que havia se alastrado pelo Reino de Arcádia.

Pessoas corriam para todos os lados em busca de abrigo, já outras se escondiam como podiam das criaturas sanguinárias, as quais dominaram tanto a terra quanto os céus.

Para a sorte de alguns, e o azar de outros, parte das aberrações estava ocupada devorando os restos mortais daqueles que foram incapazes de escapar de suas garras.

Já Raizel, não teve o privilégio de passar despercebido. Ao ser notado por um grupo de criaturas aladas, um bloqueio aéreo se formou logo à sua frente.

Com asas feitas de uma fina camada de pele e garras afiadas, capazes de cortar aço, as bestas sanguinárias se atiraram para um banquete farto.

Ou melhor, para as suas mortes.

— Lixo imundo.

Em um instante Raizel fez chover uma quantidade inumerável de espadas e lanças, a qual abriu passagem, sem o menor indício de piedade, através dos gritos de agouro das criaturas empaladas.

Ao ver aquilo, algumas pessoas sentiram um grande alívio: poderiam sobreviver um pouco mais.

Contudo, Raizel não deu a menor atenção para nenhum deles. De todas as vidas ali presentes, só uma era importante.

— Aquela mestra tola… — Cerrou os dentes enquanto as runas do seu rosto apareciam, e ele vasculhava por todas as direções. — Que merda, Karen.

— Ei, você tá bem? — Como se encarasse o vazio, Raizel havia se perdido parcialmente em seus pensamentos.

Os acontecimentos que envolviam a sua invocação para o mundo de Karen Necron datavam de uma época em que nem mesmo Trevor e Klaus existiam.

Por mais longa que fosse a vida de um tenjin, não havia forma daquela tal de Alícia ter vivido tempo suficiente para que tivesse acesso a tais informações.

— Ei, eu tô falando com você. — Com uns tapinhas de leve na bochecha dele, o trouxe de volta à realidade, o que deixou Raizel surpreso por ter baixado tanto a guarda perto daquela garota.

Ainda assim, o que mais o surpreendeu foi as feições de preocupação direcionadas a ele por Alícia.

Só então pôde perceber como os olhos roxos dela, semelhantes a duas ametistas genuínas, eram parecidos aos daquela pessoa.

— Você… — Com um olhar fixo e sua voz tomando um tom mais pesado, continuou: — Quem diabos é você?

Foi então que o repreensor vento de uma lança passou pelo pescoço de Raizel e, com um semblante mais fechado, ele virou o rosto na direção do recém-chegado.

Parado e segurando sua arma com a ponta próxima à carne do nefilim, um rapaz alto — que emanava a aura divina de um tenjin — esboçava um semblante sério.

— Sai de perto dela agora — ordenou o tal indivíduo.

Oh! — Aquele cara mal apareceu, e Raizel já estava de saco cheio dele. — Mais um querendo bancar o herói hoje?

Diante da provocação, o tenjin deu um passo à frente, mas parou de imediato quando sentiu uma fisgada aguda no pescoço.

Uma pequena e fina lâmina, afiada o suficiente para fazer um pequeno filete de sangue escorrer pela pele dele, havia surgido do nada.

— Sua Habilidade Inata é mesmo bizarra, Top 1 da Academia Ziz.

Segundo os registros das Academias de Batalha, Raizel possuía a Manipulação de Energia como Habilidade Inata, no entanto, nunca foi visto outro alguém, além dele, com a capacidade de transformar energia em matéria.

As únicas armas que os usuários de Habilidades Inatas conseguiam criar com energia eram as provenientes da sua Classe de Batalha, ainda assim, era um recurso limitado quanto a tipo e quantidade.

No máximo, aquele nefilim deveria ser capaz de criar objetos de energia pura, mas a fria lâmina de metal próxima ao pescoço do parceiro de Alícia dizia o contrário.

— Esteban — disse Alícia, ora olhando para ele, ora de olho em Raizel — tá tudo bem.

Por mais enfática que sua parceira tentasse parecer, acreditar nas palavras dela enquanto ainda estivesse enquadrada contra a parede, por causa daquele louco, era simplesmente impossível.

— Se tá tudo bem mesmo, então solte a Alícia.

— Me nego. — Colocando os dedos na lateral do pescoço da garota, usou o polegar para inclinar a cabeça dela para trás. — Eu ainda tenho assuntos inacabados com essa mocinha aqui.

Com o coração acelerado e a respiração ofegante, Alícia se viu entregue às mãos de Raizel. Mas o pior era o clima tenso que se formou entre ele e o seu parceiro.

Ainda com a lança mirando o ponto vital do nefilim, Esteban deu um passo para trás e inclinou-se para o lado, saindo do caminho da pequena lâmina que seu adversário havia criado.

Em resposta, Raizel materializou uma espada, que interceptou o ataque de Esteban, e mais algumas nas costas dele — prontas para o perfurar.

Vendo que as coisas acabariam mal, caso aqueles dois teimosos continuassem a desenvolver uma luta ali, a moça gritou:

— Parem com isso agora! — E, para a surpresa de todos os presentes, tanto as espadas de Raizel quanto a lança de Esteban se desfizeram em um brilho sutil.

"Essa habilidade…", pensou Raizel, ao passo que notava a presença de uma quarta pessoa ao longe. Só poderia ser coisa daquela arma maldita. — Longinus.

— Aqui não é um local apropriado para receber uma luta entre Top Rankings.

Com a habitual aura dourada tomando posse de seu corpo e uma lança em mãos, porém muito mais chamativa e imponente do que a Esteban usava, o Top 1 Rank S da Academia de Batalha Behemoth se aproximava.

— Mas, Lucius, veja o que ele está fazendo com a Alícia!

— Não sei o que está acontecendo aqui — disse, em meio a uma tentativa de manter um comportamento mais digno de sua posição do que o da outra vez — mas você poderia soltá-la?

Após pensar por um breve instante, Raizel suspirou profundamente e reconheceu que, no fim, aquele cara metido a herói estava certo.

A enfermaria, onde Klaus e Eirin estavam se recuperando, não ficava longe dali. Lutar, naquele momento, destruiria muito mais do que apenas um corredor.

Usar o Espaço Dimensional para mudar o cenário da luta enquanto a Lança de Longinus estivesse em campo também não era uma ideia muito atrativa.

— Que seja. — Soltou a garota em um só movimento e se pôs a caminhar em direção à sala dos duos da Academia Ziz. — Depois nós resolvemos isso, garota.

Contudo, não saiu sem antes dar uma última olhada na arma divina empunhada por Lucius.

Como um leão prateado, adornado com uma reluzente juba dourada, a Lança de Longinus irradiava um brilho divino tão intenso quanto a aura do seu portador.

Compará-la ao grandioso rei da selva não era exagero, visto que símbolos desse animal se encontravam espalhados pela haste dela, com a cabeça de um leão na parte de trás do cabo.

— Eu faço minhas as suas palavras — enfatizou Lucius, ao passo que Raizel já se mostrava distante. — "Depois nós resolvemos isso", na arena de combate, nefilim.

Era certo que eles iriam dilacerar um ao outro naquele campeonato. Até que o momento chegasse, Lucius estava decidido a esperar de forma paciente e, então, purificaria o mal.

Ufa! — Depois de ser submetida à tanta pressão, Alícia permitiu que suas costas deslizassem pela parede, até que se sentasse no chão. — Tudo está bem quando termina bem.

— Mas foi por pouco — ressaltou seu parceiro. — Aquele cara é insano.

— Mas também, você tinha que chegar apontando uma arma pra ele?

Vê-la falando daquela forma fazia Esteban parecer o culpado da história. No entanto, havia um detalhe importante, que só ela parecia não ter notado.

— O nosso Pacto de Ressonância me fez sentir que você corria perigo naquela hora. — Com os braços cruzados, Esteban observou o corredor pelo qual o nefilim louco havia se retirado. — Aquele cara podia ter te matado.


Continua no Capítulo 96: Os Melhores Olhos

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