Volume 2 – Arco 4
Capítulo 93: Verdade Nua e Crua
Um pequeno e frágil fragmento de luz brilhava em meio à vastidão da escuridão sem fim. Com um pesadelo que se encerrava, Klaus pôde sentir, enfim, a consciência começando a retornar.
— Ahh… — Levou uma mão devagar até o rosto e contemplou o teto branco da enfermaria. — Eu perdi… mesmo.
No fim, não foi só um pesadelo. Tudo foi real. Dentre todos, foi justo ele o primeiro a cair no Campeonato Sojourner. Que forma ruim de ser marcado na história das Academias.
Sua mente latejou do nada. Se tudo o que ocorreu naquela luta foi de verdade, então…
— Eirin! — Tentou se levantar de repente, mas foi parado quando ouviu uma voz familiar.
— Ela tá bem, na medida do possível.
Só ao ajustar sua postura com uma certa dificuldade — parecia que seu corpo pesava toneladas — Klaus conseguiu ver a imagem do seu amigo, o mestre louco.
Sentado em uma cadeira em frente à cama, Raizel apontou um dedo para o lado e fez os olhos do companheiro se voltarem para a cama vizinha.
— Os médicos daqui não são ruins, no fim das contas.
Deitada, e ainda inconsciente, Eirin repousava como uma princesa que adormeceu após cair no feitiço da bruxa má.
Seu busto subia e descia lentamente, conforme os pulmões trabalhavam para mantê-la respirando.
Espalhadas pelos braços e pernas dela, assim como por baixo da roupa de paciente, faixas brancas cobriam seu corpo.
Foi aí que Klaus percebeu que também estava coberto por várias daquelas faixas curativas.
Ainda preferia a cura das runas, mas, no estado atual, ele mal conseguiria ativá-las.
— Que bom… — Suspirou aliviado. Ver a sua parceira em um estado estabilizado de saúde o fez esquecer dos próprios machucados. — Que bom, mesmo.
Ainda assim, algo veio a cutucar-lhe a mente: por que Raizel foi ver os dois na enfermaria e, principalmente, por que ficou até um deles acordar?
A próxima luta devia estar para começar, isso se já não estivesse rolando. Vai saber quanto tempo ele passou desacordado.
Nem era preciso fazer muito esforço para decifrar as emoções que permeavam sua face. Com um leve movimento de mão — como se estivesse para expor algo óbvio — Raizel falou:
— Só vim verificar a qualidade dos médicos daqui. — Deixou suas costas relaxarem sobre a cadeira e cruzou as pernas. — Se não fossem bons o suficiente para cuidar de vocês, eu mesmo os curaria.
— Não é por mal e nem querendo me desfazer da sua boa vontade, sabe? — dizia, ao passo que coçava a cabeça, com um leve ar de dúvidas. — Mas seria mais fácil você terminar de me quebrar.
A dor daquela luta até poderia ser esquecida algum dia, mas a dos treinamentos que teve na infância com o maluco do seu mestre o assombrava até os dias atuais.
— Eu pareço um ser sem coração pra você?
— Sim — respondeu sem a menor sombra de dúvida.
Diante do exposto, Raizel soltou um suspiro pesado. Talvez tenha se preocupado à toa e fosse melhor ter deixado aquele cara provar um pouco mais de uma boa surra.
— Mas você parece um pouco estranho depois que voltou do Continente Sombrio — ressaltou seu amigo, ao passo que o encarava como se tentasse buscar alguma diferença nele. — O que aquela garota fez com você?
Em vez de respondê-lo, Raizel direcionou o olhar para a moça inconsciente na outra cama. Ainda se lembrava bem de como Klaus lutou para protegê-la.
— Quem sabe? — Pôs uma mão sobre o peito e apertou um pequeno pingente em formato de sol que estava por baixo dela.
Segundo sua parceira, aquele acessório — junto ao pingente de lua que estava com ela — foram feitos pela sua falecida mãe como símbolo do desejo de proximidade entre dois astros celestes.
Petra tinha que ser mesmo uma garota tola para entregar aquilo para ele, ao menos era o que pensava na época em que saíram para treinar em Erebus.
— De qualquer forma — indagou enquanto tirava a mão do pingente e encarava Klaus com olhos não muito gentis — por que você perdeu pro merdinha do Kaiser?
Klaus engoliu em seco. Aquele cara não sabia aproveitar um bom momento emotivo com os amigos — ainda que estivessem todos quebrados.
Tudo tinha que se resumir à luta e treinamento.
"Ah, não, treinamento de novo, não!" Seu corpo dolorido tremia só de imaginar Raizel lhe passando alguma sugestão maluca como beber veneno para aumentar a resistência a toxinas.
— Você não estava disposto a matar. — Que tipo de comentário era aquele? Era proibido matar no campeonato, qualquer um sabia daquilo. — Mas eles estavam.
Mesmo de longe, era possível sentir o ódio e a sede por sangue daqueles dois, especialmente por parte de Kaiser.
Além disso, Klaus sempre se sobressaía quando se sentia irritado por maltratarem sua parceira. Se tivesse lutado daquela forma desde cedo, talvez tivesse vencido.
— Órgãos cristalizados por uma técnica demoníaca. — Raizel voltou a encarar a jovem desacordada, agora com um certo pesar nos olhos. — Ela poderia ter morrido lá.
Klaus recebeu aquelas palavras como um soco impiedoso nas suas feridas doloridas. Ele estava junto a Eirin a tanto tempo que era impossível visualizar um futuro sem ela.
— Por mais que simule em sua mente, a dor da perda é um poço de amargura que você só faz ideia da profundidade quando tiram aquilo que lhe é mais precioso.
Vendo o amigo cabisbaixo e afogado na própria frustração, Raizel não pôde deixar de sentir um pouco de pena.
Contemplar Klaus destruído daquela forma era como voltar no tempo e se encarar no reflexo do espelho. No fim, acabou por deixar o restante do sermão para depois.
— Isso é tudo por enquanto — disse enquanto se levantava para ir embora. Já havia passado tempo demais vendo aqueles dois dormindo. — A próxima luta já deve estar para começar.
Devido às camadas destruídas da barreira de proteção durante o primeiro confronto, o intervalo até a segunda luta demorou um pouco mais do que o esperado.
— Dessa vez, acho que vou assistir do começo.
— Ei, espera aí — pediu Klaus, dando-se conta de um pequeno detalhe: Raizel e Petra sumiram durante a Cerimônia de Abertura. — Você perdeu o início da nossa luta?
— Eu estava ocupado — disse, enquanto entregava um pequeno aceno, ainda de costas — fazendo algo melhor.
— Ah, seu safado… — Apenas podia vê-lo fechando a porta da enfermaria de vagar. Mas não sem antes despejar toda a insatisfação que sentia. — Quer saber? Vou assistir a sua também não!
Naquele ponto, restava às suas palavras serem entregues — de forma falha — a uma porta fechada. "Fazendo algo melhor", onde já se viu?
Indignado, repousou as costas sobre a parede na qual a cama estava apoiada. Faria companhia a Eirin até que sua princesa adormecida acordasse do sono profundo.
Isso sim era "algo melhor".
Já no corredor, caminhando sem muita pressa, Raizel refletia sobre os acontecimentos recentes do campeonato e acerca da sua própria luta.
De todos os adversários possíveis, ele acabou por cair justo contra aquele que seria o mais chato de se enfrentar — Lucius Arcadius.
Nem se preocupava tanto com a Habilidade Inata do indivíduo, o problema estava naquela maldita lança sagrada.
— Olá! — Logo à sua frente estava mais um motivo de perturbação, um que o intrigava mais do que a própria Lança de Longinus. — Gostaria de me desculpar pelos problemas causados no nosso último encontro.
— É, eu também queria bater um papo com você. — Encarou a moça enquanto ela puxava levemente as bordas da saia e inclinava-se para a frente na tentativa de realizar uma apresentação mais sofisticada do que a da outra vez. — Alícia Necron.
Negligenciando toda e qualquer orientação dos integrantes do corpo médico acerca de seu estado de saúde, Kaiser e Lilya abandonaram o local e retornaram para a sala dos duos da Academia Leviatã, cheios de bandagens.
Sentados nas poltronas centrais, Dreison e Perséfone — os Top 1 — encontravam-se com feições fechadas. Na verdade, o clima lá dentro estava longe de ser dos melhores.
— Que vergonha — expressou Dreison, ainda de costas, antes mesmo que os recém-chegados tivessem a oportunidade de falar algo. — Quase vomitei assistindo essa merda.
— O que importa é que é uma vitória! — Mesmo com o corpo dolorido e cheio de faixas curativas, Kaiser jamais aceitaria ser tratado como escória depois de tudo o que aconteceu. — Aqueles dois eram bem for…
— Entenda de uma vez, cachorro sarnento. — Em um instante, Kaiser sentiu seus movimentos travarem. Funcionando como uma espécie de camisa de força, a sombra do corpo dele envolveu seu corpo, prendendo-o firmemente. — Nós não vencemos, nós aniquilamos.
Vendo seu parceiro imobilizado e mordendo os lábios em fúria, a ponto de fazê-los sangrar, Lilya apenas se manteve calada. Ela sabia muito bem como aquela gente era.
Por outro lado, a parceira de Dreison decidiu entrar na conversa. Diferente do seu parceiro, que se mantinha de costas para os dois, ela se virou e, pondo-se de joelhos com os braços apoiados sobre as costas da poltrona, disse:
— Você deveria ser mais como a Lilya. — Então colocou um dedo em frente aos lábios, indicando como Kaiser deveria agir. — Nunca contrarie o alfa.
"Essa puta…" Sempre trabalhava para inflar ainda mais o ego daquele desgraçado. Não era à toa que Dreison só demonstrava interesse nos membros de Top 1 das outras Academias. Abaixo disso, todos eram lixo.
Quando estava para proferir uma série de xingamentos, Kaiser foi interrompido por um bocejo cansado vindo de um assento mais ao canto.
Com o pescoço quase travado pela própria sombra, virou-o devagar para contemplar os outros dois companheiros, que se abstiveram da confusão.
Levantando sua cabeça do colo de seu parceiro, Milene Lasker — a pequena garota que bocejou a pouco — esfregou os olhos negros como obsidiana.
— Que barulheira — disse, ao passo que sua visão se ajustava e percebia que um certo encrenqueiro havia retornado. — Ah, o cara que apanhou feito um cachorro.
— Escuta aqui, sua cadel… — Foi quando um pesado soco giratório torceu a pele da sua barriga já maltratada e ergueu-o levemente do ar. — Argh!
Caindo de joelhos, enquanto sua sombra finalmente o libertava, Kaiser se viu a ponto de ter uma parada respiratória aos pés daquele que o atacou — Luke Lasker, o parceiro, e também o irmão mais velho, de Milene.
— Não levante essa sua voz suja pra minha irmã, entendi?
Ao fundo a garota comemorava balançando os braços levantados e falando: "Bem feito! Bem feito!"
Já de saco cheio daquela situação, e sabendo que só apanharia durante o tempo em que estivesse enfraquecido, Kaiser se levantou indignado e abandonou aquela maldita sala logo de uma vez.
Lilya, por outro lado, caminhou em direção ao seu assento, ao passo que era interrogada por Perséfone: — Não vai consolar seu parceiro, não?
Com um balançar de cabeça para os lados, esboçou sua resposta. No momento, aquele cara era incapaz de oferecer qualquer coisa útil para ela. Se morresse, não faria falta alguma.
Continua no Capítulo 94: Um Bom Mau Exemplo
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