Volume 2 – Arco 4
Capítulo 91: Tudo ou Nada
Suas mãos, trêmulas pelo cansaço, moveram-se devagar e fecharam-se com o que lhes restava de força, espalhando uma densa e forte nevasca por toda a arena de combate.
Então, foi a vez dos seus adversários ficarem trêmulos, mas, agora, de frio. Mesmo com as Chamas do Inferno os protegendo, o gelo de Eirin ainda os alcançava.
"Mas que frio é esse?!" indagava-se Lilya, enquanto seus dentes batiam uns nos outros, e ela — na tentativa de reter calor — envolvia-se em um auto abraço.
Logo à sua frente, havia se tornado impossível enxergar algo além de pura neve, a qual rodopiava contra seus olhos, forçando Lilya e Kaiser a protegerem a visão com os braços.
Estavam altamente vulneráveis a um ataque surpresa naquele cenário caótico. De onde os seus adversários viriam? Talvez das costas?
— Heim? — Só ao perceber que os movimentos do seu corpo estavam começando a endurecer, Lilya se deu conta da real intenção por trás daquela nevasca. — Aquece isso logo de uma vez, Kaiser!
— E você acha que eu tô fazendo o quê?! — A parceira daquele nefilim estava imbuindo uma quantidade insana de energia divina naquela técnica. — Se não fosse por mim, você já teria congelado até a morte!
— Que porre! — Lilya criou uma grande quantidade de estacas de cristal, pronta para as disparar às cegas. Essa era a única opção disponível no momento. — Nesse ritmo a gente vai perder sem que eles precisem fazer mais nada!
Todavia, no instante em que disparou os seus projéteis, todo o frio presente no ambiente concentrou-se, de uma só vez, em apenas um único ponto: ao redor deles.
Contrariando tudo o que os espectadores consideravam como lógico, o frio provocado por Eirin congelou não só as estacas de Lilya como também o movimento delas.
— Mas o que…? — Como se roubasse suas palavras, a nevasca se condensou, prendendo-os dentro de um enorme vórtice de temperatura negativa.
Fosse nas salas dos duos ou nas residências do público de todo o continente, ninguém era capaz de manter o queixo fixo.
Dos telões, que transmitiam a luta, era possível observar finas ondulações que circundavam o clima da arena: o movimento das correntes de ar haviam sido fossilizados pelo gelo.
— Isso… só pode ser brincadeira… — sussurrou o narrador do evento, boquiaberto. Todavia, ele tinha uma função a cumprir, então, retomando sua postura, proclamou ao público: — Esse é o poder de um Top Ranking!
Ninguém foi aprisionado por suas palavras, os olhos de todos estavam presos na lança que queimava intensamente nas mãos de Klaus.
— Pra acabar — proferiu enquanto lançava o ataque capaz de emular a temperatura de uma estrela. — Chama da Glória!
E depois do frio veio um calor capaz de varrer qualquer obstáculo que houvesse pelo caminho, forte o bastante para explodir e levar mais três camadas da barreira de proteção de uma só vez.
Apenas fogo ardente e ar frio restavam no lugar em que seus adversários foram sentenciados. Enquanto os traços de destruição baixavam, o silêncio reinou.
Pouco a pouco, a silhueta do duo da Academia Leviatã foi sendo revelada: caídos, como se estivessem mortos, demoraram para conseguir movimentar o primeiro dedo.
Vomitando sangue, Kaiser foi o primeiro a se movimentar, ou quase isso. Junto à carne cremada, manchas roxas espalhavam-se pelo seu corpo.
"Aquela desgraça…"
Pior do que o dano exterior causado por Klaus, foi o interior provocado pela técnica de Eirin — o causador das manchas roxas.
"... Congelou meu sangue!"
Como também alguns dos seus órgãos internos, os quais logo sucumbiriam à falta de sangue, levando-os à morte certa.
Contudo, para a sorte deles, Eirin caiu de joelhos. Depois de tudo o que ocorreu e após lançar aquele ataque, seu corpo finalmente alcançou o limite de estresse suportável.
A Veste Divina dela se desfez. Continuar além daquele ponto havia se tornado praticamente impossível. Agora, estava tudo nas mãos do seu parceiro.
Só que, vendo-a naquele estado, Klaus não pôde evitar a preocupação em seu peito. No fim, ela importava mais do que qualquer vitória.
— Eirin… — Quando estava para caminhar até ela, suas pernas travaram no chão. — O que é dessa vez?!
Estruturas de cristal brotaram debaixo, envolvendo totalmente as suas pernas. Enquanto se preparava para se soltar, chicotes — feitos do mesmo material — prenderam seus pulsos.
— Agora! — exclamou Lilya para o seu companheiro, fazendo sangue ser expelido da sua boca. — Vai, porra!
Sem pensar direito, Kaiser se deixou ser levado pelo instinto em sua mente e avançou com as pernas quase travadas. Se Klaus estivesse livre, aquela investida jamais o alcançaria. Mas a situação era diferente.
Antes que terminasse de se soltar, ele teve um de seus braços — o dominante — decepado pela arma do seu rival. Para piorar o seu estado, mais das Gravuras de Atlas se espalharam desde o ferimento.
— Ahahaha! — Kaiser já estava com a lança pronta para cortar o outro braço do adversário. Mal via a hora disso. Todavia, ele também estava bastante debilitado e seus movimentos eram miseráveis.
Por pouco, Klaus conseguiu se soltar e receber o ataque apenas de raspão no ombro esquerdo. Porém, ele acabou pegando distância da sua parceira.
Aproveitando-se da distração pela qual os rapazes foram envolvidos, Lilya se esgueirou — quase se arrastando — até Eirin e estava para desferir um ataque fatal.
— Pare!
O sangue de Klaus gelou.
Esqueceu-se dos próprios ferimentos.
No entanto, ao perceber que estava enfraquecido por causa das malditas Gravuras de Atlas e que estava muito mais lento, ele soube que não chegaria a tempo.
— Pare! — suplicou uma última vez.
Sentado em um banco de praça, um jovem Klaus observava o movimento das pessoas que por ali passavam. Suspirou entediado. Já havia um bom tempo que estava ali esperando.
Quem o visse, tão novo, jamais diria que aquele garoto contrariava as estatísticas de que só era possível se tornar um membro das Academias de Batalha após atingir a maioridade.
Mas, assim como os outros nefilins, ele era um ponto fora da curva. Nunca seguiu o sistema de ensino padrão e também não possuía um parceiro de duo na época, atuando sozinho — outra excessão.
Chegando por trás, duas mãos pequenas fecharam o campo de visão de Klaus, lançando-o em um mar vazio de pura escuridão. O tato gentil e suave só poderia ser proveniente das mãos de uma certa pessoa.
— Adivinha quem é — sussurrou a garota com um certo tom de empolgação.
Klaus sorriu.
Nem era preciso pensar muito. Colocou as mãos sobre as dela e deslizou-as pelo rosto enquanto falava: — Mademoiselle Eirin.
— Hehe! — Deu uma voltinha e sentou-se ao lado dele. Apesar do espaço vago, a pequena Eirin fez questão de ficar próxima a Klaus. — Te fiz esperar por muito tempo, cavalheiro?
— Cheguei há pouco. — Deixou suas costas repousarem sobre o encosto do banco e sentiu a doce brisa em sua face. — Além disso, você é quase sempre pontual.
— Hmmm? — Refletiu levando a ponta de um dedo aos lábios. — Diz isso, mas tenho certeza de que é alguém muito ocupado.
Depois da noite em que os pais de Eirin foram mortos durante o sequestro que mudou o rumo da vida dela, por alguma razão, aquela garota pediu para manter contato com ele — o seu salvador.
Provavelmente, ela sentia alguma espécie de gratidão, mas Klaus sabia que — no fim — aquilo só aconteceu porque ele não foi rápido o suficiente, porque lhe faltou eficácia.
De início, apenas aceitou o pedido da pequena moça por senso de culpa. Nunca conseguiu se perdoar direito por ter permitido que ela se tornasse órfã tão cedo.
Nos primeiros dias foi até difícil encarar Eirin nos olhos. Todavia, conforme o tempo passava, o jovem nefilim cada vez mais se habituava a desfrutar da companhia daquela doce garota.
Então, sem que percebessem, os dois passaram a marcar alguns encontros e passeios de forma mais recorrente.
Como era um membro da Academia — e também aquele que a salvou — os tios da garota, os quais ficaram responsáveis pela guarda dela, aceitaram aquelas saídas com uma resistência não tão grande.
— Sabe, cavalheiro, hoje eu te convidei porque queria te mostrar algo. — Tirando um envelope de sua pulseira, entregou para ele com um sorriso no rosto. — Eu fiz meu Teste de Aptidão.
O exame que identificava se o indivíduo possuía alguma Habilidade Inata e qual o seu grau. Pelas feições de felicidade da moça, provavelmente obteve um resultado bem satisfatório.
Klaus abriu bem os olhos e encarou as palavras do documento como se seus globos oculares fossem saltar do rosto.
— Manipulação de Gelo?
— Hehe! — Era algo praticamente oposto à Habilidade Inata dele. Ainda assim, Eirin estava bem feliz. Com isso, seria possível ingressar na Academia. — Você ainda tá sem duo, né?
— Bem, sim. — Já era possível imaginar a intenção por trás daquela pergunta, no entanto, ele ainda indagou: — Por quê?
— Eu quero ser sua. — Dando-se conta de que atropelou algumas palavras, Eirin ficou vermelha e começou a balançar as mãos enquanto tentava se corrigir. — Duo. Eu quero ser sua parceira de duo!
Por um momento, Klaus até se sentiu um pouco desapontado com aquela correção, todavia a vontade de rir foi maior.
Com as mãos na barriga, entregou-se às gargalhadas, o que deixou a moça um pouco sem jeito.
— Precisa rir tanto assim, cavalheiro? — Virou o rostinho emburrado para o lado. — Humph!
— Sin-Sinto muito, ma-mademoiselle. — Pegando um pouco de ar, tentou retornar à sua postura habitual, a de alguém elegante e educado. — Se me permite perguntar, por que tem interesse em montar um duo comigo?
— Os últimos dias têm sido bem difíceis, sabe?
Ouvir aquelas palavras foi algo que o fez cair em um silêncio repentino. Mais uma vez o sentimento de culpa voltou a bater em seu peito.
Por ser um nefilim artificial, Klaus nunca soube o que de fato era ter uma família. O mais próximo disso que ele teve foi Raizel e Trevor.
Ainda que ele e Trevor tenham sido criados a partir do material genético de Raizel, o mesmo nunca os considerou como família; apenas como discípulos e amigos.
— Ao seu lado, eu me sinto segura. — Eirin juntou as mãos próximo ao joelhos e proferiu com um misto de pesar e alívio: — Sinto que você sempre vai estar aqui pra me salvar, como fez naquele dia.
Barrado por Kaiser no caminho, restava-lhe nada além de contemplar o peito da sua parceira ser perfurado pela lâmina da espada de Lilya.
Ao passo que a carne de Eirin se transformava em cristal, Klaus sentia que a confiança depositada em si desfazia-se como finos flocos de neve.
Continua no Capítulo 92: Até a Última Gota
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