O Nefilim Primordial Brasileira

Autor(a): Ghoustter


Volume 2 – Arco 4

Capítulo 90: Pedra no Sapato

Enquanto sua energia diminuía, Eirin reconheceu os inconfundíveis símbolos arcaicos — as Gravuras de Atlas — espalhando-se pelo seu ombro.

Como grilhões capazes de subjugar um poderoso titã e forçá-lo a segurar o peso do mundo, aqueles símbolos atuavam como um isolante que impedia a energia da alma de fluir pelo corpo do indivíduo.

Já era a segunda vez em que os via em um período de tempo relativamente curto. Até parecia que aquelas gravuras eram algo comum, quando deveriam ser algo que quase ninguém possuía.

Desde que foi vítima desses símbolos malditos, na época em que foi sequestrada pelo Estripador Seletivo da cidade de Sargus, Eirin sempre teve a pior imagem possível deles.

As Gravuras de Atlas estavam se mostrando uma verdadeira pedra em seu sapato. A cada pisada, um tormento maior do que o outro.

"Isso é rui…" Todavia, antes que completasse seu pensamento, Kaiser tencionou a lança para cima, arrancando carne, ossos e sangue do ombro.

Pior do que  a dor física foi o tormento que inundou sua mente e a fez praguejar e cambalear para trás, deixando-a vulnerável às garras sedentas de seu algoz.

— Você é minha! — Como uma verdadeira besta ensandecida, Kaiser espumava pela boca enquanto se deleitava pela presa fácil.

Assustada e com um grau incomensurável de repulsa, a moça criou um escudo de gelo às pressas, tão bom quanto poderia, ou seja, uma verdadeira negação em forma de uma massa gélida.

A sua mente não estava funcionando bem por causa da energia demoníaca em seu corpo, e as Gravuras de Atlas só pioravam a situação.

Como um simples e insignificante cubo de gelo, o escudo de Eirin foi estraçalhado e derretido pelas Chamas do Inferno, as quais estavam para devorá-la sem piedade.

Urgh! — Cobriu o rosto com os braços e fechou os olhos, aguardando pelo pior.

Uma aconchegante e calorosa sensação inesperadamente tomou conta do seu corpo, acompanhada pelo ecoar de duas armas se chocando.

Ao abrir os olhos novamente, deparou-se com seu parceiro, o qual havia se jogado na sua frente para conter a investida do majin louco. — K-Klaus!

Dado o desespero, foi inevitável que o rapaz acabasse por se queimar naquela colisão brutal de chamas. Todavia, ele estava irado — soltando fumaça pelas narinas. Fosse em meio ao tormento ou qualquer outra coisa, queria espancar Kaiser ali mesmo.

— Seu maldito! — Aumentou a potência do seu ataque e, naquele momento, foi capaz de superar o seu rival, deixando apenas um rastro de destruição por onde o indivíduo foi arrastado.

O solo havia derretido, estava como magma puro. Vapor e fumaça subia enquanto aquecia e desidratava até o menor indício de umidade do ambiente.

Por ter machucado sua parceira de uma forma tão covarde, por tocar naquilo que lhe era mais precioso, por macular o que lhe era sagrado… — Queime!

Firmando seus pés no chão com força suficiente para fazê-lo rachar e intensificando o aperto em sua lança de forma que as veias se destacaram em seu braço, arremessou a arma ardendo em furor.

Só alguns instantes seriam necessários para que seu adversário conhecesse o quão grande era a diferença que existia entre eles.

No entanto, algo inesperado aconteceu: sem aviso prévio ou o mínimo de cortesia, uma Barreira de Cristal surgiu em frente ao majin.

— Aquela garota… — Observou, com os olhos esbugalhados, a sua lança ser absorvida pelo material cristalino, deixando apenas pequenas ondulações na superfície da proteção.

A arma não tardou para que fosse expelida pela Barreira de Cristal em uma velocidade ainda maior que a original, forçando Klaus a ter que desviar da sua própria lança.

Sua ação teria sido um sucesso completo, se não fosse por um simples detalhe: atrás de si havia uma certa pessoa se recuperando de danos recentes.

Argh! — Com as mãos em um buraco, onde deveria estar situada sua barriga, Eirin vomitava uma quantidade inimaginável de sangue quente.

— Eirin?! — Vapor subia do ferimento, que foi cauterizado quase que instantaneamente. Com as vértebras da coluna destruídas, suas pernas perderam as forças e o seu corpo foi ao chão.

Ele sabia que, embora o ferimento tenha sido grave, a sua parceira conseguiria se curar daquilo em alguns instantes, uma vez que — diferente dos outros danos — aquele não foi causado por energia demoníaca.

Ainda assim, ainda assim…

— Demônios nojentos. — Cerrou os dentes e apertou os punhos com força. Um manto de chamas espalhou-se pelo seu corpo, tão intenso quanto a insanidade, a qual clamava por um único instinto: carnificina. 

Em um piscar de olhos, criou uma barreira circular de fogo ao redor de Eirin, para a protegê-la durante o processo de cura, e avançou com as mãos nuas contra Kaiser.

Se a parceira dele era capaz de refletir ataques de armas, então tudo bem. Que os dois fossem espancados até perderem todo e qualquer sinal de consciência.

Klaus não aceitaria mais que aqueles dois fossem eliminados por se renderem. Agora, faria-os sofrer a cada soco e chute.

Pela primeira vez, achou que era uma lástima não ser permitido matar no campeonato.

Esse desejo passou a bater forte em seu peito — tão forte quanto o punho que Kaiser mal teve tempo de ver, assim como o segundo, o terceiro, o quarto…

Klaus Socava e socava, deixando o inimigo desatordoado até que, eventualmente, Kaiser se tornou incapaz de manter a lança em mãos.

Então, aproveitando-se da vantagem que obteve, Klaus girou seu corpo e desferiu um potente chute na parte traseira do joelho do oponente.

Desequilibrado, dado o impacto, o majin sentiu suas pernas cederem ao efeito da gravidade, ao passo que o pé flamejante do seu adversário descia com tudo rumo ao seu rosto.

"Merda!" Apenas poeira e pedaços de pedras subiram ardendo, enquanto ele era pisado e tostado como uma barata. — Argh! — O sangue evaporava em sua boca.

"Agora, o movimento final." O nefilim aumentou ao máximo a potência do Fogo dos Céus. Após aquilo, a mente do infeliz Kaiser sucumbiria de vez, e ele se tornaria incapaz de continuar a luta.

A vitória seria absoluta.

Todavia, deu-se conta de que estava esquecendo de algo: Lilya não fez nenhum outro movimento para dar suporte ao seu parceiro. Então, o que ela estava fazendo?

Uma explosão de gelo ascendeu aos céus. A luta da sua companheira ainda continuava. O frio mais uma vez se fez presente no campo de batalha. Eirin estava se recuperando relativamente bem.

Por outro lado, um toque na perna de Klaus o fez gelar de repente. Mesmo que suas mãos queimassem por segurar a perna do nefilim imbuída pelo Fogo dos Céus, Kaiser fez a única coisa que podia.

— Você não desiste mesmo, heim? — As chamas de Klaus começaram a diminuir. — Demônio Imundo! — Deu um salto para trás, tão rápido quanto pôde.

Algumas daquelas malditas marcas negras se espalharam pela sua perna. Ainda que o processo não tenha sido finalizado, seu poder enfraqueceu um pouco.

Cof! Cof! — Cuspindo sangue e alguns dentes, o majin se levantou cambaleante. Todavia, o ódio e a insanidade ainda permaneciam em seus olhos. — Destruir… você…

Estendeu uma mão para receber sua arma mais uma vez. A carne praticamente derretida de suas palmas pregaram-se ao metal da lança ao segurá-la.

No entanto, antes que a besta ensandecida pudesse prosseguir em seu intento, imensas estacas de gelo e de cristal brotaram do chão, modificando por completo o ambiente ao redor.

Eirin e Lilya surgiram em meio a um embate que levou algumas daquelas estacas a fragmentarem-se enquanto as duas colidiam suas espadas.

Não demorou muito para que Klaus reparasse que algo estava errado ali: o buraco na barriga de sua parceira havia se fechado, mas os movimentos dela estavam lentos demais para alguém que estava usando uma Veste Divina.

Ignorando o seu próprio adversário, partiu em apoio a quem lhe era mais importante. Ao perceber isso, Kaiser logo foi atrás. Deixar Lilya num confronto de dois contra um seria uma derrota certa.

Com a respiração pesada, Eirin continuava a brandir sua espada, quando sentiu o pesar em seu ombro que acabara de se regenerar.

Pouco a pouco as Gravuras de Atlas se espalhavam cada vez mais pelo seu corpo, roubando-lhe cada vez mais forças, impedindo-a de pressionar a sua adversária.

Na verdade, quem foi pressionada foi a própria Eirin. Aproveitando-se do momento de fraqueza dela, a majin aumentou a velocidade de forma súbita para a surpreender.

Huh?! — Não conseguiria reagir a tempo. Seus músculos estavam dormentes, cansados, lentos. Foi quando seu parceiro passou, puxando-a pela cintura. — Meu cavalheiro.

Sua visão levemente embaçada, podia ver a preocupação estampada na face dele. Se Klaus havia chegado no ponto de abandonar a própria luta para vir ao seu encontro, então ele havia percebido.

— Intrometido — ressaltou Lilya, como se não tivesse interferido na luta dele contra Kaiser antes. — Veio salvar a princesinha em apuros?

Por mais chato que fosse admitir, aquilo era verdade. Melhor do que qualquer outra pessoa ali, ele sabia bem pelo que a sua parceira estava passando.

Assim como Eirin, ele sentia que a sua energia continuava a diminuir. Porém, no caso dela, havia ferimentos mais profundos e perigosos, os quais exigiam uma quantidade considerável de poder para serem curados de forma eficiente.

— Vai ficar acuado agora, otário?! — As palavras de Kaiser apenas faziam-no querer pulverizar todo mundo ali.

Foi quando Klaus sentiu o calor da pele macia de Eirin sob seus dedos. Normalmente acharia aquela sensação envolvente, mas não naquela hora.

Abismado, viu parte da Veste Divina de Eirin desfazendo-se em um brilho sutil.

Sua mão, que estava na cintura dela, tocava a pele exposta da barriga — onde deveria estar o tecido que a sua própria lança queimou.

— Meu cavalheiro… — sussurrou, já sabendo do rumo que aquela luta tomaria, caso nada fosse feito. — Eu vou te entregar tudo… nesse meu último… ataque.


Continua no Capítulo 91: Tudo ou Nada

Siga-nos no famigerado Discord.



Comentários