O Nefilim Primordial Brasileira

Autor(a): Ghoustter


Volume 2 – Arco 4

Capítulo 89: Sacrifício Sangrento

Enquanto sangue escorria pelos punhos cerrados de Kaiser, o qual pingava e manchava o chão da arena de treinamento com o odor pungente de brutalidade, as pessoas ao redor observavam em meio ao mais puro espanto.

Diferente das demais Academias de Batalha, na Leviatã era bem comum que os membros se desafiassem para embates que iam muito além de definir um lado vencedor: era um verdadeiro massacre.

Parte dessa concepção era consequência  da flexibilidade de seu diretor — Nabuco Donosor — o qual encarava tal atitude como comum ao campo de batalha.

Juntando isso ao fato de que essa Academia era a que possuía a maior concentração de majins, que — por natureza — tinham uma índole questionável, o resultado não poderia ser outro senão cenas como aquela.

— Perdeu de uma forma tão patética, mesmo usando o Sacrifício Sangrento? — Kaiser dirigia um olhar de desprezo para o adversário caído, inconsciente. — Tsc! Merdinha.

Antes de sair, primeiro observou os espectadores — ninguém ali daria uma boa luta. Todavia, enquanto andava em direção à saída, um certo olhar lhe chamou a atenção.

Ao contrário dos outros, que o viam como um símbolo de medo ou até mesmo de admiração, aquela garota o encarava da forma mais imparcial possível: era como se a sua demonstração de poder, pouco tempo atrás, não tivesse sido nada para ela.

"Que seja", pensou enquanto limpava o sangue em sua mão na camisa do uniforme. "Deve ser só mais uma otária que acabou de chegar na Academia".

E, de fato, ele não estava tão enganado. Lilya Garnier acabara de ingressar pelas Batalhas de Admissão que ocorreram poucos dias atrás.

O que Kaiser não esperava era que encontraria aquela moça estranha mais uma vez.

Ele observava as vidas insignificantes dos outros, de cima de um dos terraços da Academia, quando a voz de Lilya soou atrás dele.

— Você é o valentão daquele dia, não é? — Sua voz era apática, como um cervo que não se importava com sua vida enquanto se encontrava prestes a ser tragada por um leão faminto. — Você tá sem duo agora, certo?

— E o que você tem a ver com isso?

A última parceira que ele teve não conseguiu durar por muito tempo. Imprestável, ela acabou morrendo nas mãos de um boss qualquer em um momento de descuido.

— Faça um Pacto de Ressonância comigo. — Qual era o problema daquela idiota? Isso estava longe de ser a melhor forma de iniciar um duo. — Que tal? É bom, né?

— Só vaza daqui e para de encher o meu saco, vadia — dizia enquanto fazia um movimento de espantar cachorro com a mão. — O que eu ganharia me relacionando com uma estranha que nem você?

— Relacionamento…? — Por um momento, ela pareceu pensativa. Aquele olhar desprovido de emoções havia se perdido no mar da escuridão do vazio. — É, talvez dê pra chamar assim, embora não importe muito.

Algo que Kaiser só viria a descobrir mais para a frente era que aquela garota estranha não tinha o menor apreço por relações sociais, principalmente as que envolviam afeto e intimidade.

Para Lilya Garnier, tudo se resumia a o que ou o quanto uma pessoa era capaz de oferecer a outra. Em sua mente, não existia um tipo de relação entre os seres humanos além da relação de troca.

— Você pode fazer o que quiser comigo, desde que use essa sua força como bem entender.

O poder dele, isso era tudo o que importava. Lilya nunca quis abrir mão do seu tempo de vida, então, caso alguém tão forte quanto aquele valentão usasse o Sacrifício Sangrento em seu lugar, ela teria uma poderosa arma em mãos.

— Agora parece uma oferta boa pra você? — No pouco tempo em que passou pesquisando sobre ele, uma coisa ficou clara: Kaiser era muito carnal.

Hum? "Qualquer coisa", heim?

Levou uma mão ao queixo enquanto a observava dos pés à cabeça: curvas acentuadas, um rostinho bonito e um harmonioso par de seios. Seus olhos brilharam de sadismo.

Haha! — Era impossível conter o sorriso, que se formava de orelha a orelha. — Não vá se arrepender disso depois, coisinha.

Ah, claro! — Esboçando alguma emoção pela primeira vez em seu rosto, Lilya retirou uma espécie de pergaminho de sua pulseira e ofereceu para Kaiser. — Só depois de fecharmos um contrato. Antes disso, você não põe um dedo em mim, valentão.

— Sacrifício… Sangrento…

Frente às densas rajadas de ar, que acompanhavam a explosão de energia vermelha enegrecida, Klaus se via forçado a proteger o rosto com um de seus braços enquanto via toda aquela massa de poder subindo como um tornado apocalíptico.

"Esse cara pirou?!" Era loucura usar aquela técnica para vencer uma simples luta de campeonato.

O Sacrifício Sangrento drenava boa parte do sangue do usuário e o fundia à essência da energia demoníaca, daí surgia aquela mistura medonha de vermelho com preto.

O problema estava no fato de que, ao sacrificar uma grande quantidade de sangue para forçar os limites do seu corpo, o tempo de vida do usuário era reduzido.

Além disso, um majin só poderia usar aquele recurso uma vez por dia. Ninguém tinha uma quantidade de sangue grande o suficiente para fazer isso repetidas vezes.

Porém, o ganho de energia era proporcional ao sacrifício, concedendo ao usuário poder necessário para bater de frente com as poderosas Vestes Divinas.

— Então venha. — Pronto para o que estava por vir, Klaus firmou a base dos seus pés e…

Boom!

Antes que efetivasse o movimento, seu adversário disparou do meio do tornado medonho e o atingiu em cheio no peito com a lança. Seus pés deslizaram para trás, empurrando-o até uma certa distância.

Por sorte, a proteção da armadura impediu por muito pouco que ele fosse empalado ali mesmo. Ainda assim, o ar foi expelido de seus pulmões, dificultando a respiração.

Inclinou-se para a frente e abriu a boca em busca do tão precioso oxigênio. Todavia, tudo o que encontrou foi apenas mais um ataque que vinha com tudo em sua direção.

"Mer…da…" Arremessado pela maior brutalidade possível, as Chamas do Inferno castigaram sua carne e ossos contra a primeira camada da barreira de proteção.

Um estridente "treck!" se perdeu em meio ao flamejar do fogo negro, trincando de pouco em pouco a barreira transparente atrás de Klaus.

Isso até que as chamas douradas voltassem a brilhar, salvando o nefilim de sucumbir ao sofrimento provocado em sua mente.

Como forma de proteção, Klaus criou uma sutil proteção de fogo ao redor enquanto buscava obter tempo suficiente para respirar um pouco e analisar a situação atual.

Todavia, o intervalo de tempo para pensar foi curto demais. Kaiser avançou igual uma fera louca e se jogou dentro do fogo divino do seu oponente.

Com um passo para trás, Klaus só conseguia pensar no que deu nesse cara. As pontas de suas lanças se encontraram numa disputa enfurecida, a qual espalhou um calor infernal e celestial por todos os lados.

Buscando encarar o adversário nos olhos, o nefilim indagou enquanto se mantinha firme na disputa: — Você não tá indo longe demais pra uma simples luta, não?!

— Cala a boca! — praguejou enquanto sentia sua vida sendo drenada pelo Sacrifício Sangrento. — Você usa essa Vestezinha Divina sem ter que abrir mão de nada! Acha que sabe de alguma… coisa?!

Inflexível e enfurecido, sua mente ameaçava se perder na insanidade. Todavia, ainda era muito cedo para isso.

Eventualmente, o uso excessivo daquele poder traria o risco de tragar sua mente — assim como aconteceu com a ramificação dos nefilins: os gigantes.

Nada disso importava mais. Se fosse necessário se transformar em uma fera enlouquecida para destroçar cada osso daquele nefilim, então o monstro romperia as correntes.

— Morra!!! — Pela grande concentração de poder no interior da arena, a quebra da primeira camada da barreira de proteção foi inevitável, tendo seus fragmentos pulverizados antes mesmo de tocarem o chão.

O impacto foi tamanho que até mesmo quem estava protegido na Academia pôde sentir o solo tremer debaixo de seus pés. Eirin e Lilya também não escaparam dos efeitos, visto que eram as que estavam mais próximas.

"Que calor!" Mesmo o frio de Eirin havia se tornado incapaz de conter a quantidade excessiva de suor que escorria pelas suas testas e pescoços. "Acaba com isso logo, Klaus!"

Por mais que tentasse encurralar Lilya usando apenas as runas, a majin estava levando a luta bem até então, devolvendo qualquer ataque de gelo lançado contra si com aquela Barreira de Cristal.

Eirin sabia que enrolar a luta por muito tempo seria ruim. Era bom acabar com aquilo e ir ajudar seu parceiro logo de uma vez.

— Veste Divina… — A sua adversária ainda poderia recorrer ao Sacrifício Sangrento, assim como seu parceiro fez, mas era preciso partir para o tudo ou nada. — Anjo do Gelo: Haniel!

Logo sua vestimenta se alterou, adquirindo a aparência de uma armadura leve com um manto de tonalidade rosa na cintura.

Todavia, o que Eirin não esperava era que a outra sequer faria a menor menção de utilizar o seu recurso final.

— Esperando alguma coisa, princesinha? — Criou um pequeno espelho em sua mão e refletiu a luz mais uma vez contra os olhos de Eirin, fazendo-a fechá-los instintivamente. — Essa é a hora em que aquele cara cumpre a parte dele no contrato.

Antes que pudesse abrir os olhos de volta, a moça sentiu o forte impacto de um pilar de cristal atingir sua barriga, empurrando-a direto para o chão. No entanto, a situação só viria a piorar ao ouvir a voz de Klaus chamando:

— Eirin!

Quando se levantou, e a sua visão enfim se ajustou ao ambiente, já era tarde demais. A besta enfurecida, em forma de majin, avançou contra ela.

A moça tentou se defender, mas o cristal preso em seu corpo conseguiu travar seus movimentos por tempo suficiente para que a lança do inimigo perfurasse sua Veste Divina bem no ombro.

Argh! — Logo uma sensação de tormento afligiu sua mente. Mesmo que fosse humana, ela estava usando poder divino naquele momento.

Todavia, o pior de tudo foi sentir que a sua energia começou a diminuir, ao passo que estranhos símbolos negros percorriam a arma do majin e se espalhavam pelo seu corpo.

Hehehe! — Kaiser lançava o olhar mais arrogante e repulsivo do mundo. — Que pena, gracinha!


Continua no Capítulo 90: Pedra no Sapato

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