O Nefilim Primordial Brasileira

Autor(a): Ghoustter


Volume 2 – Arco 4

Capítulo 102: Alento

Envolvidos dos pés à cabeça por várias faixas curativas, Eslly e Tília compartilhavam camas vizinhas na enfermaria do Campeonato Sojourner.

O fim da segunda luta veio trazendo consigo a vitória para os dois, além de ossos e órgãos debilitados para um e ânsia de vômito incessante para o outro.

Ainda sentindo alguns efeitos leves do veneno de sua adversária, Tília segurava a barriga com as duas mãos. Aquela agonia parecia que nunca iria acabar.

Foi quando que, tirando os dois da paz e do sossego de suas camas, a porta do quarto foi aberta com tanta força que o ocorrido poderia muito bem ser confundido com uma invasão inimiga.

De imediato, ambos ergueram a guarda e ficaram atentos para o que quer que passasse por aquela porta. Todavia, o que veio foi um forte e estrondoso…

— Apenas duas palavras — disse o visitante inesperado, enquanto erguia os braços abertos para o alto — Para… béns!

Congelados e com olhos esbugalhados, Eslly e Tília observaram a cena sem saber como reagir. Realmente, só poderia ser coisa daquele cara, Baltazar Dragomir — o híbrido draconiano.

— Silêncio, idiota! — Com o auxílio de um salto, uma moça, a qual surgiu das costas de Baltazar, deu um tapa na nuca dele, fazendo-o grunhir de dor. — Quer que os enfermeiros chutem a gente pra fora?!

Ai! Ai! Seus tapas doem até em mim, sabia? — Passou a mão na área atingida e encarou a sua parceira, Kareli Meliard. — Por que você sempre me bate?

— Porque você só me faz passar vergonha. — Sem dar espaço para que o rapaz buscasse alguma forma de se defender, cruzou os braços e fez beicinho ao virar o rosto para o lado. — De qualquer forma, como os dois estão?

Retornando ao objetivo original da visita, encarou o estado no qual os companheiros se encontravam. E, ao que parecia, eles não iriam sair daquele lugar nem tão cedo.

— Meus ouvidos ainda estão com um zunido irritante. — No fim, Eslly ainda poderia considerar aquilo como lucro, tendo em vista o quão devastadoras eram as ondas sonoras geradas por Nathan. — Ao menos os meus olhos estão bem.

Por sua vez, abraçada a um travesseiro, Tília demonstrava estar um tanto quanto chateada por ter sido eliminada por causa de um arranhão.

— Ainda tem um pouco de veneno — disse, com um tom de voz baixo. — Eu tô bem.

Haha! Esses são os meus garotos! — A calda dracônica de Baltazar balançava de tanta empolgação. Havia muitas pessoas fortes contra as quais ele poderia testar as suas próprias habilidades. — Esperem só pra ver. Logo eu trarei mais uma vitória para o nosso la… do?

Fuzilado pelos olhos repreensivos de sua parceira, o Top 1 Rank S da Academia de Batalha Absalon engoliu em seco. Caso continuasse a gritar daquela forma, o resultado seria bem óbvio.

Vendo tal cena, Tília chegou a soltar uma risadinha. Era cômico contemplar um brutamontes — o qual possuía o sangue de uma besta tão insana quanto um dragão — tremer na base por causa de uma garota que mal chegava na altura do peito dele.

tá bem mesmo? — Ainda abraçada ao travesseiro, Tília olhou com pesar para o parceiro. Se ela não tivesse sido atingida naquele momento, Eslly nunca teria se desestabilizado no decorrer da luta. Era difícil evitar o sentimento de culpa. — As suas mãos…

— Sim, eu estou. — Após enfrentar alguém como Nathan, que mesmo após perder os olhos continuou a seguir em frente, Eslly sentia que havia encontrado a peça que faltava para superar o seu trauma. — O meu caminho como arqueiro… não acaba aqui.

Enquanto passava a mão pelas faixas em seu rosto, Nathan ouviu a porta do quarto sendo aberta. A voz do visitante era suave e carregava uma preocupação genuína. Dentre os seus companheiros, sem dúvidas pertencia àquela garota.

— Como vocês estão? — indagou a moça, ao passo que olhava de um para o outro. Diferente de Nathan, Sirin se encontrava coberta da cabeça aos pés, encolhida quase que em posição fetal.

— Obrigado pela preocupação. — Percebendo que sua parceira continuaria em silêncio, como foi desde o momento em que ele chegou, o rapaz se viu no dever de receber a amiga. — Nós estamos bem, na medida do possível, Alícia.

Um suspiro de alívio e um sorriso simples foi a forma da moça expressar como tinha relaxado ao constatar o bom estado dos companheiros.

Se havia alguém entre os integrantes da Academia de Batalha Behemoth que se importava com os companheiros mais do que Alícia, essa pessoa ainda não tinha sido descoberta.

— Só veio você? — indagou Sirin, ainda debaixo dos lençóis, o que chamou a atenção do parceiro dela. A garota passou tanto tempo em silêncio que ele até poderia ter esquecido como era a voz da garota. — Os perdedores só merecem a visita de uma única pessoa?

Apesar do tom seco da amiga, Alícia não se sentiu ofendida, na verdade, uma certa melancolia percorreu seu peito por causa da situação de Sirin.

"Ela deve tá bem mal." Era óbvio que a moça se sentia mais do que frustrada pelo seu desempenho durante a luta. Apesar de bem efetivo, tudo o que ela conseguiu fazer foi acertar apenas um ataque. — Sirin, a gente sabe o que você consegue fazer. Você só teve um pareamento muito ruim…

— Eu sei! — Por causa do grito da companheira, que jogou os lençóis para o lado, Alícia deu um passo de susto para trás. — É isso o que me irrita — disse enquanto pegava um travesseiro e começava a socá-lo repetidas vezes. — Que azar! Que azar! Que azar!

Após surrar o pobre travesseiro até que não sobrasse nada além de restos de enchimento e trapos sobre a cama; com a respiração pesada, a moça começou a se acalmar.

Ufa! Extravasar ajuda mesmo. — Então, tendo um pouco mais de paz no coração, Sirin encarou os outros dois, dos quais nenhum teve coragem de interrompê-la durante o massacre do travesseiro. — Então, o que vocês vão fazer?

Parando um pouco para pensar, Alícia deu a resposta mais sincera: — A gente ainda tá pensando.

— Ainda tem que pensar? — Somente Sirin para cutucar a ferida deles daquela forma. No final das contas, ela era a mais relaxada do grupo da Behemoth. — Majins e nefilins, você acha que dá pra vencer eles sem usar o Vislumbre da Glória?

Por mais que tentasse negar, sem o seu maior trunfo, os membros da Academia de Batalha Behemoth já estariam com o destino traçado dali para a frente.

Caso algum majin fosse louco o suficiente para sacrificar parte do seu tempo de vida usando o Sacrifício Sangrento — como Kaiser fez — Alícia e Esteban, que seriam seus adversários na próxima rodada, não teriam a menor chance de vitória.

Claro, Kaiser só fez aquilo devido à forte rixa que tinha em relação a Klaus, não foi pelo simples fato de vencer a partida do campeonato.

Talvez, para os lutadores, as desavenças pessoais estivessem se tornando algo muito maior do que o propósito da própria competição.

E, quando se tratava de enfrentar nefilins — o que seria o caso de Lucius e Luminas — a situação ficava ainda pior. Diferente dos majins, aqueles híbridos angelicais não tinham que abrir mão de nada para usar as poderosas Vestes Divinas.

Vendo que Alícia permaneceu pensativa por todo aquele tempo, Sirin repousou as costas sobre a parede e deixou o corpo relaxar.

— É, parece que nois tá tudo fudido — disse, ao passo que começava a encarar o teto com tédio. — O que foi que a gente veio fazer aqui mesmo, heim?

Após escutar aquela dura verdade de sua amiga, e sem ter como se justificar, Alícia seguiu pelos corredores da Academia Leviatã, rumo aos aposentos que a coordenação do evento reservou para ela e Esteban.

Já do lado de fora, pôde ver como o fluxo de pessoas diminuiu nas ruas — mesmo que continuassem mais movimentadas do que o habitual.

Ao menos, movimentadas o suficiente para que duas crianças não prestassem atenção direito no ambiente ao redor.

Quando uma delas — uma garotinha — correu para pegar o balão de ar que havia escapado de sua mão, acabou por entrar na mira de uma carruagem que vinha em alta velocidade.

Vendo o perigo no qual a irmãzinha havia se envolvido, o garoto — um pouco mais velho do que ela — correu em disparada para a ajudar, nem que tivesse que receber o impacto no lugar da mais nova.

Com os olhos fechados, a abraçou e aguardou pelo pior. A carruagem já estava perto demais. Independente do quanto o condutor do veículo se esforçasse para evitar o acidente, não conseguiria.

Foi quando a carruagem simplesmente passou direto, sem ter colidido contra nenhum obstáculo. Foi como se aqueles dois tivessem sido apenas uma miragem.

Surpreso, o condutor parou os cavalos e olhou para trás, para gritar algumas reclamações para as crianças que, naquele momento, estavam acompanhadas por uma moça de longos cabelos roxos.

— Preste um pouco mais de atenção na sua irmãzinha, tá? — disse Alícia, com um sorriso simpático e acolhedor. — É seu dever como irmão mais velho.

— Pode deixar, moça. — Guiando a menor pela mão, o garotinho foi em direção a duas pessoas que pareciam bem preocupadas, certamente os pais deles. — E obrigado, moça! — Acenou quando já estava mais distante.

Apesar de irritados, os pais dos dois os receberam com um abraço caloroso. Ao ver a cena, Alícia sentiu uma certa nostalgia em seu peito. Quando foi a última vez em que ela recebeu aquele tipo de afeto?

— Eles parecem uma boa família.

Sem que percebesse, um belo sorriso começou a se formar em seu rosto.


Continua no Capítulo 103: Na Calada da Noite

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