O Nefilim Primordial Brasileira

Autor(a): Ghoustter


Volume 2 – Arco 3

Capítulo 80: Açoite

Para Ekron Percatuum não havia nada mais desprezível e sem valor do que a existência de seres que falhavam miseravelmente em cumprir a única função para a qual foram criados.

Dado os resultados negativos nos confrontos contra as Academias, muitos ao redor daquela mesa haviam descido em seu conceito. Contudo, um deles não estava nenhum pouco feliz com o comentário do seu mestre.

— "Uma vergonha", você diz? — Com os punhos cerrados por uma força que fazia as unhas perfurarem as palmas das mãos, o Patrono do Orgulho se levantou bufando pelas narinas. — Fala isso aquele que se escondeu por esse tempo to…?!

De imediato, um dos anéis nos dedos de Ekron irradiou um brilho fantasmagórico, fazendo o grande Patrono tombar no chão e agonizar de dor enquanto se esforçava para manter a face erguida. Seu ego jamais o permitiria se curvar de uma forma tão humilhante.

"Ele nunca aprende", pensou Inveja enquanto desviava o olhar para outra direção.

No fim, Ekron Percatuum nunca confiaria de verdade em seus subordinados. Uma das primeiras coisas que ordenou a Arklev, durante a criação dos Patronos do Pecado, foi que ligasse a vida deles a um mecanismo que o permitisse imobilizá-los: os seus anéis.

— Você, Romulus, esteve a um passo de obter o Graal. — Com feições de desdém, encarou o indivíduo, ao passo que as dores dele aumentavam. — Então, por que o Cálice Sagrado não está na minha mesa agora?!

Ao ouvir aquelas palavras, Ganância tremeu dos pés à cabeça, afinal ele também falhou no mesmo ponto. Mas o que poderia dizer? Diferente de Romulus, ele nem foi um real desafio para Raizel.

De todos os nefilins, aquele cara era definitivamente o mais problemático. Encará-lo com menos do que dois ou três Patronos era uma derrota quase certa.

— Você também me envergonhou.

Ganância fechou os olhos e engoliu em seco já esperando a mesma dor do seu companheiro. No entanto ela não veio. O mestre nem mesmo falava com ele.

A verdadeira vítima daquelas palavras era uma moça, a qual se manteve em silêncio desde o início da reunião.

Calada estava, calada ficou.

— Como ousa perder para uma oponente tão fraca e inexperiente — disse, a um passo de ativar o anel dela — Yuna?

Diferente do seu companheiro, que ainda se recuperava dos danos causados pela sua arrogância, a garota fez uma leve reverência — ou algo parecido, visto que estava sentada — e demonstrou submissão.

— Reconheço meu erro e aceitarei qualquer punição, mestre.

Há um átomo de estalar os dedos, Ekron parou. Era sempre bom saber que as pessoas reconheciam o quão insignificantes eram perante ele.

— Se me permite falar. — Prosseguiu a moça, recebendo a permissão em forma de uma pequena piscadela. — Julgo que seja relevante considerar com mais cautela o poder daquela garota.

— Petra Lavour… — Ekron levou uma mão ao queixo, pensativo. — O que tem de especial nela?

Pelas informações que a Perpetuum possuía, a moça era bem fraca quando saiu da Academia. O que causaria tal mudança em um período de tempo tão pequeno?

— Eu não percebi direito no momento, por causa do choque, mas — falou, enquanto passava a encarar o mestre — a energia divina que ela usou no fim da luta era diferente da anterior.

Por um momento, todos ao redor da mesa ficaram em silêncio. Alguém com a capacidade de usar a energia divina de duas entidades diferentes não era algo que se via todos os dias.

Isso poderia se tornar um grande problema, uma vez que o limite das habilidades daquela garota estaria muito acima do que eles esperavam. Qualquer um estaria preocupado, exceto um certo indivíduo.

— Deveras intrigante. — Parado ao lado de Ekron, o cientista, que mais parecia uma estátua de tão imóvel que estava, se sentiu empolgado com a possibilidade de explorar algo tão singular. — Eu adoraria estudar o corpo dessa tal garota.

Ao observar o cientista louco quase salivando de tanto êxtase, o mestre da Perpetuum suspirou pesadamente. Mesmo após tanto tempo, aquele cara nunca mudou.

— Que seja. — Era inútil tentar desviar o foco daquele indivíduo quando ele se deparava com um material de estudo único. — Nós podemos pegá-la no dia da invasão.

Aquelas palavras soavam como música para os seus ouvidos. Arklev já começava a imaginar todas as possibilidades que poderiam surgir da sua nova pesquisa.

Em posse de um corpo capaz de usar o poder de duas entidades distintas, talvez até conseguisse quebrar um tabu: combinar energia divina e demoníaca em um único ser.

Infelizmente, ele teria que esperar até o início dos testes para saber se o corpo do espécime poderia suportar energias opostas ou apenas energia divina.

Vendo que aquela discussão já havia se prolongado demais, Ekron entrou no tópico principal da reunião: a invasão que ocorreria no último dia do Campeonato Sojourner.

— Por que esperar tanto? — Mesmo após o que tinha lhe acontecido, Orgulho ainda mantinha seu tom de voz audacioso. — Eu quero a minha revanche contra aquele nefilim logo!

— Abaixa essa bola aí, na moral — falou o Patrono da Ganância. — Quer receber outra punição?

— Quê? — Encarou-o, com um ranger de dentes.

— É claro que o mestre tem um bom motivo pra ter escolhido esse dia. — Com um balançar de mão, ele jogou a atenção do enfurecido para outra pessoa.

De fato Ekron possuía um motivo plausível. Para encerrar o evento com chave de ouro, o último dia seria aquele no qual ocorreria a luta dos Top 1 Rank S de cada Academia.

Por consequência, seria o momento em que os membros mais fortes dos seus inimigos estariam enfraquecidos.

E, por sorte, nesse período o Cálice Sagrado já estaria sob os cuidados da Academia Leviatã. Apesar da oposição de Nosferatu — o diretor da Academia Ziz — não havia o que se fazer contra o voto de outros três diretores.

Todavia, como o Santo Graal era um artefato entregue como símbolo da proximidade existente entre anjos e tenjins, o povo do continente humano não poderia mantê-lo em sua posse por muito tempo.

No pior dos casos, haveria uma intriga tão grande entre os dois continentes que resultaria em conflitos políticos ou até mesmo militares.

Não que Ekron achasse isso algo ruim. O caos apenas lhe beneficiaria. Quanto mais seus inimigos se sabotassem, mais fácil seria para ele.

— Sinto ter que lhe informar, meu nobre Romulus — ressaltou o Dr. Arklev, como se sentisse um certo prazer em frustrar os planos do Patrono. — A sua revanche jamais acontecerá.

— Seja claro, velho.

— Recentemente o senhor Baal entrou em contato conosco. Ele está interessado em lidar com o Primordial pessoalmente. Em outras palavras… — respondia, enquanto passava a expressar um sorriso sádico — aquele garoto está com os dias contados.

Nesse momento, até mesmo o grandioso Patrono do Orgulho sentiu um gosto amargo descer pela sua garganta.

Era de conhecimento mútuo que Baal não costumava interferir de forma direta nos assuntos da Perpetuum. No entanto, por onde aquele ser passava nada sobrava.

— Já que se empolgou tanto com a conversa — falou Ekron, chamando a atenção do seu companheiro de longa data — faça as honras, Arklev.

A-Ah, sim! — Empolgou-se a ponto das palavras quase travarem na sua garganta. — Contemplem, meus Patronos!

Ao passo que o relógio em seu pulso brilhava, alguns dispositivos — semelhantes a diversos tipos de acessórios — se materializaram sobre a mesa.

— Bugigaangas — murmurou Preguiça, bem baixinho, enquanto sua cabeça pendia para baixo, derrotada pelo cansaço.

No entanto, aquilo era mais do que simples acessórios. Os dispositivos criados por Arklev eram capazes de alterar aparência, voz, cheiro e emissão de energia espiritual.

— Eu os chamo de Emuladores Corporais. — E, com os braços abertos em direção aos céus, proclamou: — Uma camuflagem absoluta!

— Dá pra comer? — indagou Gula enquanto lambia seus lábios.

— Claro que não, seu ignorante! — Pegou um dos dispositivos da mesa e ficou apontando para ele sem parar, de modo que até uma anta pudesse entender. — Isso é para vocês se infiltrarem na Academia durante os dias do campeonato.

Isso explicava o design semelhante a acessórios comuns. Ninguém suspeitaria de um relógio ou de uma pulseira. Assim, os Patronos se tornariam capazes de se habituar com o território antes do grande dia.

Normalmente não seria necessário tanta precaução, uma vez que até algum tempo atrás a Academia nem sequer tinha noção da existência da Perpetuum, mas, agora, muitos deles foram vistos e tiveram seus rostos marcados.

Diferente dos demais, Elesis — a Patrona da Ira — pegou o seu emulador e o encarou com o mínimo de empolgação possível. Ninguém da Academia se encontrou com ela. Usar aquilo era simplesmente desnecessário.

Ahh… — Suspirou e expurgou o mínimo de satisfação junto do ar em seus pulmões.

Por outro lado, o cientista estava orgulhoso da sua criação. Se ela recusasse usar aquele treco só causaria mais estresse. A vida já era estressante por si só. Decidiu usar.

— Com isso, podemos dar essa reunião por encerrada — anunciou Ekron, ainda com o queixo apoiado no punho fechado. — Retirem-se.

Em pouco tempo, todos se puseram a ir embora. Com exceção de Luxúria e Inveja, os demais saíram cada um para o seu lado.

Já Elesis, foi intimada por Arklev quando estava prestes a se retirar da sala de reuniões.

— Nós dois ainda temos algo para testar, não é, minha cara Patrona da Ira? — Expôs, com um sorriso de orelha a orelha.

Ahh… — Suspirou mais uma vez. — Que seja. — Se pôs a acompanhar o Louco rumo à sala de testes, deixando Ekron sozinho para trás. — Vamos terminar logo.

Por sorte, o Campeonato Sojourner ocorreria na Academia de Batalha Leviatã. Dentre todas, a que eles poderiam se mover com mais facilidade.


Continua no Capítulo 81: Módulo, Direção e Sentido

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