Volume 2 – Arco 3
Capítulo 78: Baal
Criar um portal? Tal ideia não poderia ser entendida como nada além de um devaneio advindo da loucura de uma mente deturpada.
Fazer algo assim significava transformar em artificial aquilo que deveria ser natural. O que aqueles dois tinham em mente iria facilmente contra qualquer a Lei do Mundo.
Sem muita dificuldade, poderiam muito bem chamar a atenção de seres superiores, como anjos e demônios, ainda mais em um mundo onde a interferência deles era considerável.
Nem foi necessário mais do que alguns poucos segundos para que a mente de Ekron formulasse uma resposta lúcida.
— Eu recuso. — Cruzando os braços com firmeza, encarou o cientista louco com um olhar penetrante. — O que eu ganharia com um mundo destruído?
— Muitas coisas, senhor Percatuum! — Com os braços abertos em direção ao teto, o Dr. Arklev deu um rápido giro e se apressou em ir até a gaveta de um dos armários do seu laboratório. — Tipo… isso daqui!
Orgulhoso, puxou um frasco transparente, o qual continha uma substância cristalina em estado líquido: uma espécie de soro.
Quando Ekron estava para indagar sobre o que seria aquela substância, o cientista o interrompeu, expondo o seu estado crítico.
— Lembre-se que a doença logo vai se manifestar em seu corpo outra vez, senhor Percatuum.
O homem engoliu aquelas palavras em seco. No fim, o indivíduo de preto não o curou por completo, pois queria usar isso contra ele. Aquela gente estava longe de ter qualquer tipo de boa intenção.
— Esse soro é capaz de preservar o seu corpo, impedindo a proliferação da doença. — Pressionando a veia do seu próprio pulso, Arklev simulou a aplicação do soro em si mesmo, o que já havia feito algumas vezes. — O único problema é que você vai ter que tomá-lo de forma regular.
Ainda assim, aquilo era uma proposta tentadora. Nem mesmo os mais renomados médicos de Yharnam eram capazes de lhe proporcionar o mínimo de esperança. Todavia, ainda existia um detalhe a ser considerado.
— Mesmo que eu consiga prolongar a minha vida com isso… — Abaixando a cabeça e com os olhos fechados, soltou um suspiro pesado, que carregava toda a sua frustração. — Esses portais podem muito bem devastar o mundo. Eu vou morrer de qualquer forma.
— Como os humanos são seres tão simplistas. — Balançando a cabeça, como forma de negação às ideias do visitante, o homem de preto falou: — Ao ter tantos portais surgindo por aí, como você acha que as pessoas reagiriam?
Seria tudo o mais completo caos. Muitos morreriam e o medo se alastraria pelos corações dos sobreviventes. Seria como viver com o risco constante de terremotos, erupções e tsunamis ocorrerem a qualquer momento.
Porém, quando se tratava de portais, isso era ainda pior. A quantidade de emoções negativas resultantes dessas catástrofes não poderia ser descrita como nada além de surreal.
— Em posse dessa quantidade de emoções negativas, até mesmo um mero humano se tornaria capaz de…
Os olhos do presunçoso Ekron arregalaram-se ao ouvir o restante daquelas palavras. Não, ele só poderia ter ouvido errado.
— Isso resolve o problema de onde você vai viver após o fim do mundo, além de curar a sua doença de forma definitiva.
— Im-Impossível… — Só então a ficha caiu bem diante de seus olhos. Só havia um tipo de ser capaz de propor algo tão surreal quanto aquilo. Mas o que alguém como ele fazia ali? — Você… um dos…
Com um movimento certeiro de mão, o indivíduo cortou suas palavras, como uma tesoura sobrepujando o papel.
— Pode me chamar de Baal. — Ekron sentiu como se o som de sua voz tivesse voltado garganta a baixo. — Serve por enquanto.
Por um momento, seus joelhos vacilaram, e ele quase caiu ali mesmo. Nesse momento Ekron se deu conta do quão grande era a sua ignorância, e, se essa era a vontade daquele ser, ele simplesmente não tinha para onde correr.
"Se eu recusar, talvez algo pior do que a morte esteja me aguardando." Se era assim, então tudo bem. Levando um punho fechado em direção ao peito, fez o seu pronunciamento: — Então, o que vocês querem de mim, afinal?
Contraindo os lábios, de modo a dar ênfase aos caninos pontiagudos, Baal sorriu. Tudo estava ocorrendo de forma perfeita.
Aquele homem realmente possuía uma ambição forte o suficiente para lhe proporcionar o palco perfeito para um banquete insaciável.
Aproveitando-se de que as negociações foram firmadas, o cientista se envolveu mais uma vez na conversa. Havia muita coisa para ser organizada naquele lugar, mas com a ajuda de Ekron Percatuum todos os seus problemas seriam resolvidos sem muitos esforços.
Todavia, o que lhe interessava mais do que fundos e maquinários era algo único e muito difícil de se obter no mundo da luz.
— Consiga-me cobaias humanas. — Esfregava as mãos de tanta empolgação. Poderia até salivar, caso se deixasse levar um pouco mais pelos seus pensamentos hediondos. — Pode conseguir isso com a sua influência, não é?
— Humph! — Sua postura altiva e queixo erguido já respondiam por si só. — Isso é o de menos para mim.
Excelente. Com isso, ele poderia enfim colocar o Projeto 555 em andamento: a criação dos Patronos do Pecado.
Ele sabia que o seu objetivo era algo palpável. Havia muitas pessoas que eram híbridas de diversas espécies — os semi-humanos — concebidos de forma natural, mas apenas com o poder das criaturas oriundas daquele mundo.
O que Arklev almejava estava além disso. Ele queria criar humanos com o poder das temíveis criaturas do Continente Sombrio.
Era preciso ir além dos limites convencionais. Pelo bem da evolução científica ele se tornaria o homem que romperia o tabu da vida imposto pela própria Lei do Mundo.
— Haha! — Jogando seu jaleco para o lado, deitou-se de qualquer jeito sobre a cadeira mais próxima. — Agora tudo o que nos falta é o Cálice Sagrado.
— O quê?! — De modo imediato, Ekron encarou o homem, transmitindo a mais pura incredulidade. — O Santo Graal?
Um dos artefatos sagrados entregues pelos poderosos anjos aos tenjins, do continente de Vagrant. Qualquer um se sentiria honrado apenas em poder vê-lo. Quem diria, então, tomá-lo para si?
Como símbolo de cooperação entre as quatro raças, o cálice foi enviado para o continente de Erebus, na época em que o local ainda era uma zona de interação entre as quatro raças.
No entanto, após a catástrofe do gigantesco portal que surgiu naquele lugar, ninguém nunca mais ouviu falar sobre o artefato sagrado.
Até mesmo a sua localização se tornou desconhecida. Talvez algum monstro até o tenha destruído. De qualquer forma, não havia quem quisesse se aprofundar no interior do Continente Sombrio para confirmar essa hipótese.
— O Graal ainda existe. — Isso era algo que Baal poderia garantir, caso contrário nem se esforçaria para fazer as engrenagens do destino se moverem. — Sem esse artefato, como você pretende coletar a energia proveniente das emoções negativas dos humanos?
Ekron franziu a testa e virou o rosto para o lado. Como ele poderia ignorar esse detalhe? Considerando o que eles pretendiam obter com aquela loucura, mesmo a energia negativa da população de um planeta inteiro não seria suficiente.
Porém, quando o Santo Graal entrava na equação, a história mudava completamente de figura. Era necessário encontrá-lo a qualquer custo e sacrifício.
— Então, senhor Percatuum. — Aproximando-se do convidado, Baal estendeu-lhe uma das mãos. — Aqui, firmamos um acordo?
Sem pensar duas vezes, afinal a sua vida — ou melhor, o seu futuro — dependia daquilo, Ekron aceitou o aperto de mãos, com um largo sorriso no rosto e encarando o outro nos olhos.
— Assim seja.
A partir daquele momento, a sua promessa era mais do que um simples consentimento — era um pacto — e, como tal, não havia mais volta.
Caminhando sozinha pelos corredores subterrâneos da Perpetuum, Inveja parou em frente à porta de um quarto que ela tinha que visitar vez ou outra, mas que não gostava nem um pouco.
O motivo era bem simples: a pessoa que estava do outro lado era a mais pura definição de irresponsabilidade.
Suspirou e colocou a mão devagar no dispositivo que ficava na parede, logo ao lado da porta. Como era esperado, a sua entrada foi permitida sem qualquer oposição.
"Essa garota não toma jeito mesmo."
Nenhum Patrono do Pecado permitia a entrada de outro em seus aposentos daquela forma, exceto Lilith Nocturne — a Patrona do Pecado da Luxúria. Se bem que essa exceção só era aberta para Inveja.
A moça entrou no quarto, já habituada com a bagunça que havia por ali: roupas jogadas de qualquer jeito sobre uma cadeira, inclusive algumas peças íntimas, além de brinquedos eróticos descartados pelo chão.
Fechando os olhos e virando o rosto para o lado oposto ao daquelas coisas, Inveja se dirigiu até a cama em formato de coração vermelho. Embaixo das cobertas, escondida da cabeça aos pés, estava aquela garota, ainda dormindo.
— Levanta já daí — disse, inclinando-se na direção da dorminhoca — ou a gente vai se atrasar, Lilith.
E ela até levantou, porém de uma forma um tanto quanto diferente da que Inveja estava esperando.
Aproveitando-se da agilidade da sua Classe de Batalha, jogou o lençol para o lado e puxou sua parceira para a cama, ficando por baixo dela.
— Cê tá tão tensa, Yuna. — Ainda com a voz sonolenta, falava com um teor aveludado, o qual envolvia os ouvidos da outra. — Fica aqui comigo e descansa um pouco, tá?
Pegou uma das mãos da sua amiga — ao menos assim ela a considerava, embora Yuna insistisse em negar isso — e colocou-a sobre o seu próprio peito, afundando os dedos dela em seus seios.
— Prometo que vou ser gentil com você — dizia, ao passo que usava a outra mão para acariciar a face de Yuna enquanto a encarava com os olhos melosos — tá?
— Sai dessa. — Recompôs-se e se desvencilhou da moça, sentando-se na lateral da cama. — Acha que a gente tem tempo pra esse tipo de coisa?
Faltava apenas cerca de meia hora até o início da reunião que trataria acerca da invasão à Academia, em busca do Santo Graal.
Em contrapartida, Lilith ainda estava ali, mal vestindo uma blusa direito.
Continua no Capítulo 79: Fogo Amigo
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