O Nefilim Primordial Brasileira

Autor(a): Ghoustter


Volume 2 – Arco 3

Capítulo 77: Ambição Insaciável

Trum! Trum!

Acompanhado pelo assobio persistente do vento, que passava pelas frestas das janelas da luxuosa habitação, os trovões se vangloriavam em meio às densas nuvens escurecidas, as quais despejavam incessantes águas diluvianas, alagando tudo do lado de fora do quarto.

Deitado em sua aconchegante e grande cama, Ekron Percatuum ouvia os sons estrondosos e violentos da tempestade.

Sem a capacidade de se levantar, restava-lhe contentar-se com o panorama que a sua visão parcialmente desfocada podia lhe proporcionar.

Proteogênese, a doença que afligia seu já debilitado corpo roubava-lhe pouco a pouco cada um dos sentidos e, por consequência, a capacidade de locomoção.

Numa manhã qualquer, sua visão ficou levemente embaçada, mas nada que um pouco de descanso não pudesse resolver. Talvez só estivesse trabalhando demais, o que também explicaria a falta de força nos braços e pernas.

O que no início não parecia ser nada demais o levou para um hospital dentro de poucos dias. Lá recebeu o diagnóstico que mudaria o rumo da sua vida.

Dizia-se que doenças não possuíam consciência, mas aquela, sem sombra de dúvidas, era sádica e, acima de tudo, incurável.

Apesar da sua grandiosa fortuna, capaz de comprar incontáveis cidades sem nenhum esforço, ele se viu incapaz de obter uma mísera cura para a sua saúde.

"Tudo pode ser comprado por meio do dinheiro." Orgulhava-se de dizer, afinal tudo tinha o seu preço. Agora ele provava na pele a antítese da sua arrogância.

— Malditos médicos incompetentes! — Existiam com um único propósito: tratar doenças e, ainda assim, falhavam de forma miserável diante de algo tão insignificante quanto um minúsculo vírus.

Seus dedos amassaram as cobertas com fúria quando, de repente, a janela do quarto se abriu de forma violenta e o clarão de um forte relâmpago clareou o ambiente. Junto a isso, duas figuras misteriosas surgiram bem diante da sua cama.

Assustado, como se contemplasse um fantasma, seu corpo deu um pequeno espasmo para trás, até entender que aquelas figuras eram pessoas de verdade.

— Q-Quem são vocês?! — Por mais enfática que fosse a sua pergunta, ele recebeu apenas um silêncio inquietante e um olhar vazio como resposta. — Como entraram aqui?!

Ainda sem respostas, virou o rosto em direção à porta e estava prestes a gritar pelo auxílio dos guardas que faziam a ronda do quarto.

Então o primeiro indivíduo, um que vestia um sobretudo preto, o interrompeu e anunciou o que viria a causar-lhe ainda mais indignação com a capacidade das outras pessoas.

— Inútil. — Sua voz soava inexpressiva, como se estivesse expondo o óbvio. — Eu ordenei que todos dormissem.

— Manipulação de Sono? — Ainda era cedo demais para isso. — Ridículo!

— Manda quem pode — disse, no momento em que a luz de mais um relâmpago iluminou seu sorriso maquiavélico — obedece quem tem juízo.

Com os olhos esbugalhados, Ekron encarava, incrédulo, as figuras borradas. Maldita hora para se ter essa doença infernal. Ele nem mesmo era capaz de contemplar os seus algozes.

Mas o que essa gente queria? Seu dinheiro? Seus bens? Talvez até mesmo a sua própria vida? Ridículo! Ridículo! Havia tantos guardas. Como foram imobilizados tão facilmente?!

Mais um bando de incompetentes, incapazes de cumprir a única função para a qual foram contratados.

— Eu não tenho interesse em nada disso — falou o indivíduo, como se lesse os pensamentos de Ekron. — Ao menos, não da forma que você imagina.

Levantando sua mão, estalou os dedos, provocando um "tlec!" que reverberou por todo o quarto. A sútil onda de som se fez sentir pelo corpo do enfermo que, sem qualquer tipo de explicação, passou a recobrar sua estabilidade sensorial.

— O quê?

De imediato olhou para as suas mãos, elas o obedeciam sem pestanejar. Agora ele as via claramente e ouvia os sons como se estivesse do lado deles.

Um milagre. Não havia outra forma de explicar aquilo senão como uma benção vinda dos céus. Mas algo assim poderia acontecer no continente de Yharnam cujo povo — os majins — cultuava os demônios?

— Assim será bem melhor — disse aquele que o curou, enquanto cruzava os braços. — Agora vamos.

Tão rápido quanto um piscar de olhos, Ekron se viu em um lugar diferente do seu quarto: um corredor mal iluminado, úmido e abandonado.

O constante som de uma goteira contava cada segundo desde o momento em que pisou ali, como se o seu tempo fosse limitado.

Ainda atordoado pela cura repentina e, agora, pelo teletransporte, o homem olhava para todos os lados, buscando associar a sequência de acontecimentos em sua mente.

Ao lado do homem que o curou estava o segundo indivíduo, o qual vestia um jaleco branco e se mantinha em meio a um silêncio tão sepulcral que Ekron quase esqueceu que ele os acompanhava desde o princípio.

— O que querem ao me trazer aqui?! — Levando uma mão fechada ao próprio peito, deu um passo para a frente, em direção ao homem de preto. — Exijo que me levem de volta para a minha mansão!

Ainda que tenham o curado de alguma, jamais acreditaria que fizeram isso por simples compaixão. Terem levado ele para aquele lugar era a prova disso: aqueles indivíduos queriam algo em troca.

— E depois? — O de preto não se deixou abalar por aquelas palavras. Ninguém podia lhe dar ordens, com exceção de um certo ser. — Pretende voltar para aquela cama e morrer como um vegetal dentro de quatro meses?

— O quê…?

— Você ainda acha que eu o curei? — indagou, ao passo que seus olhos encaravam o passado, o presente e o futuro daquela criatura débil. — Tudo o que eu fiz foi reverter o estado do seu corpo até um ponto em que a doença não havia se manifestado.

Ele ainda estava doente, com aquele vírus maldito esperando pelo dia em que poderia se manifestar mais uma vez, roubando-lhe cada um dos seus sentidos, deixando apenas a sua consciência em meio ao vazio existencial.

— Eu o trouxe aqui para lhe propor um negócio. — Dando as costas para ele, se pôs a caminhar pelo corredor, acompanhado do seu parceiro silencioso. — No fim, tudo depende do quão grande é a sua ambição.

Vendo-se em uma encruzilhada, Ekron passou a seguir aqueles dois, tomado pelo mais puro som do silêncio, isso até que alguns gritos puderam ser ouvidos no fim do corredor.

Agourentos e pungentes, os sons reverberavam pelo ar para logo em seguida atormentarem os seus tímpanos. Era como ser guiado para os portões do inferno, onde não havia nada além de sofrimento e dor.

Sem hesitação, o homem de jaleco branco abriu a porta logo à frente, e, ao adentrar a sala, Ekron teve suas pupilas arregaladas ao máximo.

Algumas pessoas agonizavam presas dentro de uma espécie de cápsula com tubos presos em suas barrigas. Desprovidas de vestes, os tubos sugavam uma espécie de líquido escuro de seus corpos.

Dado as feições de dor, que ansiavam pela tranquilidade da morte, o homem nem poderia imaginar o quão aterrorizante seria ter algo assim conectado a si próprio.

— O que vocês pensam que estão fazendo?!

Reclamava, não pelo bem daquelas pessoas, elas pouco lhe importavam, mas sim pelo seu próprio bem. Ele se encontrava em menor número, e o homem de preto aparentava ter poder suficiente para transformá-lo em uma vítima também.

Com um movimento de mão, o anfitrião ignorou sua pergunta e deu espaço para o até então silencioso homem de jaleco branco explicar a situação.

— Permita-me me apresentar. — Com uma pequena reverência e sorriso sádico, nomeou-se: — Eu sou o Dr. Arklev Arganmund.

— Como…? — Aquele nome… O cientista conhecido por ser exilado do continente de Vagrant após ter seus experimentos insanos envolvendo cobaias humanas descobertos.

Esse tipo de prática era reprovável em qualquer um dos quatro continentes, no entanto, no continente de Vagrant — cujo povo seguia os ensinamentos angelicais com afinco — aquilo era simplesmente… abominável.

— Arklev, o Louco. — Qualquer lembraria a alcunha que o infeliz cientista recebeu.

Oh! Parece que meu nome dispensa apresentações. — Falava como se tivesse orgulho disso e apontou para as pessoas dentro das cápsulas. — Essa é a nossa fonte de Manipulação Espacial.

Arklev nunca viu aqueles indivíduos como seres humanos. Era desnecessário sequer chamá-los disso. Tudo o que importava era a Habilidade Inata deles.

Então, dirigiu-se até uma prateleira e pegou uma espécie de pirâmide metálica para demonstrar a sua mais nova criação ao visitante.

— As cápsulas forçam eles a usarem o seu poder espacial, e o tubo drena esse poder, concentrando tudo aqui dentro.

Colocou a pirâmide sobre a mesa e deslizou seus dedos pelas laterais dela. A sua tão adorável criação, algo capaz de fazer o que mentes limitadas jamais pensariam: roubar uma Habilidade Inata.

Claro, o indivíduo agonizaria durante todo o processo, enquanto os frios braços da morte o envolviam bem devagar. Quanto maior era o poder do usuário, mais tempo a tortura durava.

Arklev ainda se lembrava de como os seus colegas pesquisadores o olharam com desprezo e nojo ao verem pela primeira vez o sofrimento das suas cobaias. De qualquer forma, a opinião deles não importava. Apenas a pesquisa tinha valor.

— Então, senhor Ekron Percatuum… — O cientista mal conseguia conter a empolgação de anunciar os resultados da sua pesquisa, ainda que para apenas uma única pessoa. — Já imaginou como seria ter o poder de criar um… portal?


Continua no Capítulo 78: Baal

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