O Nefilim Primordial Brasileira

Autor(a): Ghoustter


Volume 2 – Arco 2

Capítulo 76: Ponto de Conciliação

Sentados lado a lado, Petra permanecia coberta pelo lençol. Como esperava dormir com Eirin, vestiu um pijama bem mais curtinho e leve que o habitual.

Não era como se seu parceiro nunca tivesse visto ela de biquíni antes, mas, depois de tudo o que aconteceu, se encontrar com ele vestida daquele jeito — dentro do espaço apertado de uma barraca — era meio… constrangedor.

Com os joelhos próximos ao peito, sentia que seu rosto estava vermelho e quente. Seu coração batia forte. Nem conseguia olhar para seu parceiro direito.

Até pouco tempo atrás, estava preocupada por ele ter sumido do nada, agora já nem sabia de que forma deveria iniciar uma conversa.

Sua distração também foi a sua ruína. Aproveitando-se de que sua parceira estava perdida em pensamentos, Raizel tencionou o dedo médio contra o polegar e disparou um ataque poderoso na testa dela — um peteleco.

Ai! — Levando uma mão até a área atingida, a moça encarou o seu agressor com um certo tom de indignação.

— Então — perguntou sorrindo, como se não tivesse feito nada — tem algo que queira perguntar?

No fim, aquele cara já tinha em mente o que ela queria saber: Por que foi embora sozinho? Por que sumiu? Por que estava evitando ela? Eram perguntas demais para fazer de uma única vez.

No entanto, havia outra pergunta que Petra sentia vontade de fazer já tinha algum tempo, uma que o rapaz parecia evitar desde o incidente da saída deles de Erebus.

— Rai — indagou enquanto enfiava o rosto entre os joelhos, quase que com medo da resposta que receberia — o que é uma Chave de Goétia?

Petra podia jurar que sentiu a respiração de Raizel parar. De todas as perguntas para as quais ele veio preparado, aquela estava além de suas expectativas.

Haha! — Deu uma leve risada, abaixando seu olhar. A sua parceira o pegou de jeito mesmo daquela vez. — Imagine a sua Veste Divina sendo capaz de extrair todo o poder do seu anjo.

Huh? — Petra sabia muito bem a diferença que uma Veste Divina fazia. Mesmo que usasse apenas uma parte do poder de Auriel, já era suficiente para colocá-la em outro nível. — O corpo e a mente de um humano… aguentam?

E a resposta era óbvia: um grande "não''. No entanto, quando se tratava daqueles nascidos com uma Chave de Goétia, a situação mudava totalmente de figura.

Ah! Eu falei de anjos. — Encarando-a com um olhar pretensioso, continuou: — Esse é apenas o poder de uma Chave Menor.

A Goétia registrava um total de 72 entidades cujos nomes eram conhecidos em qualquer um dos infinitos universos e dimensões superiores existentes dentro da Criação.

Dentre essas entidades, havia 36 divinas e 36 demoníacas, ou seja, o livro da Goétia era dividido em dois dois volumes: um presente no Reino Divino e o outro, no Reino Demoníaco.

Já as Chaves eram divididas em Maiores e Menores. As Chaves Menores estavam atreladas a anjos e demônios, e as Maiores eram as poderosas Bestas Sagradas: Leviatã, Behemoth, Absalon e…

— Ziz. — Petra levou uma mão até o peito, onde estava o seu estigma e logo se lembrou do título que ouviu daqueles olhos dourados. — O Guardião dos Céus.

A grande águia cujas asas cobriam os raios do sol e cujas pernas alcançavam os altos céus. Junto a Behemoth, fazia parte das Chaves Maiores do volume divino.

— Agora você entende? — Em meio à sua fala, apontou para o estigma no peito dela. — Esse símbolo é mais do que uma simples marca de nascença.

Apertando a blusa do seu pijama, na região do estigma, Petra não podia acreditar que carregava consigo o poder de uma Besta Sagrada e que nunca soube.

Só não era pior do que descobrir que Raizel tinha conhecimento desse poder e, mesmo assim, escondeu essa informação dela.

— Por que… — Era um tanto quanto doloroso perguntar aquilo. Era como se o seu parceiro a tivesse enganado, talvez nem mesmo confiado nela. — Por que nunca me contou?

— Eu só fiquei sabendo pouco antes de sairmos da Academia. — A garota ficou em meio a um silêncio sepulcral. Raizel guardou aquele segredo por tanto tempo? — Na época, você tinha acabado de se livrar dos problemas com o seu padrasto.

Ele queria que ela vivesse por um tempo sem a preocupação de mais pessoas atrás de seu pescoço. O poder de uma Chave de Goétia era algo que cativava os olhos de qualquer pessoa com más intenções.

E, considerando o nível de poder que Petra tinha naquela época, ela era uma presa fácil para quem descobrisse o seu segredo.

Por isso, Raizel optou por levar ela para treinar em um lugar tão desolado quanto o Continente Sombrio.

— Eu não queria te preocupar com isso até que estivesse forte o suficiente para lidar com a situação. — Era o que dizia, mas o próprio tinha pleno conhecimento de que as suas ações foram pautadas em cima de puro egoísmo.

Sua parceira, por outro lado, continuava com o rosto enfiado entre os joelhos. Petra não estava bem. Ela estava desapontada? Talvez até com raiva? Qualquer uma dessas opções era justificável.

Contudo, o que Raizel ouviu pesou mais do que o esperado. Foi como se o mundo desabasse sobre os seus ombros.

— Os meus problemas… os seus problemas… — Sua voz soava fraca, presa por sutis soluços que se esforçava para segurar. — Você sempre quer carregar tudo sozinho.

Não era que ele queria que fosse assim. Raizel nunca soube o que era dividir o fardo com alguém. Nunca houve uma pessoa com quem pudesse compartilhar o peso dos seus problemas.

— Mas, agora, eu tô mais forte, né? — Pela primeira vez, revelou seus olhos marejados e as lágrimas que estavam a ponto de escorrer pela sua delicada face. — Você pode confiar em mim… que nem eu confio em você, né?

Sem voz. Sem palavras. Sem reação.

Raizel se viu petrificado pelo poder das lágrimas de uma mulher. Não, ela era mais do que uma simples mulher. Era a sua parceira, alguém que ele nunca quis ver chorar, tão pouco ser a causa de suas lágrimas.

— Você me evitou o dia todo. — Vendo que ficaria sem resposta, Petra acabou por colocar para fora o restante das suas preocupações. — Desculpa por ter ido atrás de você.

Antes que percebesse, as mãos do seu parceiro a puxaram para baixo, deitando-a repentinamente no chão da barraca. Foi questão de um segundo para que se pusesse sobre ela, e seus rostos ficassem a ponto de se tocarem.

— Por que me pede desculpas?

Enquanto limpava as lágrimas dos olhos dela com a ponta do polegar, Raizel contemplava suas encantadoras feições de surpresa e constrangimento, o que acabou por fazer com que os olhos dele adquirissem o semblante selvagem do Fruto da Luxúria.

— Nunca foi culpa sua.

— Mas… — dizia, ao passo que virava o rosto tímido para o lado — se eu só tivesse ficado na cachoeira, nada disso…

— Os nefilins surgiram como fruto da luxúria dos anjos, lembra? — Suas palavras a fizeram olhar de novo para ele, para olhos que poderiam devorá-la a qualquer instante. — Eu tinha que ter levado isso mais em consideração.

Petra observava, sem piscar, cada uma daquelas palavras. Raizel jamais quis evitá-la, mas era necessário se afastar um pouco para colocar aqueles impulsos sob controle de novo.

O rapaz só não imaginou que precisaria de um dia quase inteiro, e ao que parecia ainda não tinha sido tão efetivo quanto ele esperava.

— Rai… — sussurrou, como se sua voz fosse uma brisa.

— Agora você entende que…

— Rai…

— Sou eu que deveria te pedir des…

Seus rostos já estavam bem próximos, então bastou que Petra usasse apenas um pouco de força para trazer a boca dele até a sua.

Contando com o Pacto de Ressonância, essa era a terceira vez em que eles se beijavam, porém foi a primeira em que Petra tomou a iniciativa.

Seus lábios se tocavam devagar, entrelaçando-se de forma gentil e fazendo-os esquecer por alguns instantes sobre qualquer preocupação que os rodeava.

Contudo, não demorou muito para que seu parceiro sentisse os efeitos do Fruto da Luxúria se intensificarem e se esforçasse para parar por ali mesmo.

"Sério, ela ouviu o que eu acabei de dizer?"

No entanto, antes que pudesse falar qualquer coisa, Petra deslizou uma mão, gentilmente, pelo queixo dele, encarando-o com ternura e receptividade.

— Ver seus olhos ficarem assim por mim, de certa forma, me deixa feliz. — Era visível que ela estava meio sem jeito e se acostumando com aquilo; mas, mesmo assim, esforçava-se com a força e a coragem que tinha à disposição. — Você pode confiar em mim?

Essa garota. Raizel entendia o que o cativou no dia em que a conheceu: pureza, simplicidade e determinação.

— Claro — falou baixinho, enquanto aproximava seus lábios mais uma vez — minha… Petra.

Pela manhã, parte do grupo já estava tomando o café da manhã. Logo arrumariam as suas coisas e desmontariam as barracas para descer a montanha.

O período por ali, apesar de meio desconfortável, foi bastante prazeroso. Contudo, ainda havia um campeonato esperando-os lá embaixo.

Seus adversários já deveriam estar estudando eles, portanto, também fariam o mesmo. Se bem que Trevor e Sophie já anteciparam isso desde o começo. Tudo o que tinham que fazer agora era estudar cada dado coletado.

Por falar nesses dois, Valentina os observava com um semblante meio confuso enquanto tomava um pouco de café quente.

"O que rolou ali?"

Por alguma razão, Trevor passou a chamar a sua parceira de "milady" e, toda vez que falava isso em público, Sophie parecia um tomate de tão vermelha.

Foi então que algo chamou a atenção da moça: sua mestra, Eirin, saiu junto com Klaus da barraca que o rapaz deveria estar compartilhando com Raizel. Além disso, ela estava vestida com a camisa que o seu parceiro usava na noite anterior.

— E aí, geeente? — cumprimentou a moça, com a voz pesada de sono, enquanto se alongava um pouco, espreguiçando-se. — Que caras são essas?

Era necessário perguntar? Os dois quebraram a regra de divisão de duplas na cara dura e ainda mandavam essa?

— Espera aí — indagou-se Valentina. Se Eirin dormiu com Klaus, então Petra dormiu com…

Deixou o seu café de lado e partiu em disparada até a barraca da sua amiga. Hesitou por um momento antes de abrir o zíper, temendo o que poderia encontrar do outro lado.

Respirou fundo e puxou o pequeno objeto de uma vez, apenas para puxá-lo de volta para cima logo em seguida.

Naquele curto período de tempo, o que ela viu a deixou sem reação: sua amiga dormindo abraçada com aquele cara.

Levantando-se e andando feito um robô, Valentina dava passos travados durante o percurso de volta. Ela que não queria acordar aqueles dois.

— E-Eles… — Ficou tão em choque que nem prestou atenção direito em como os dois se encontravam debaixo dos lençóis. — N-Não fizeram nada, n-né?


Continua no Capítulo 77: Ambição Insaciável

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