Volume 2 – Arco 2
Capítulo 74: Paraíso das Águas
Após a caçada do dia anterior, um pequeno detalhe chamou a atenção de Klaus: de onde vinha a água que o bando de Bodes Malteses bebiam?
Esse pensamento fez o garoto acordar cedo e vasculhar a área em busca de um possível paraíso.
Agora, ele caminhava entre as árvores, seguindo um pequeno rastro de água e servindo de guia para os seus amigos.
Ainda faltava um pouco para chegar, mas ele já podia sentir o gostinho do seu desejo sendo realizado.
— Pra onde você tá levando a gente tão cedo, afinal? — Sophie ainda bocejava e esfregava os olhos carregados de sono.
— Você não tá escutando, não?
Prestando um pouco mais de atenção no ambiente à sua volta, a garota percebeu um som pesado de água caindo, como se alguém estivesse descarregando uma tonelada de caminhões-pipa.
— Isso é…?
— Exatamente! — Com orgulho no rosto, o garoto jogou os últimos galhos para o lado, revelando a vista de uma grande e majestosa cachoeira, um verdadeiro paraíso. — Sejam bem-vindos!
Como choveu há poucos dias, as águas da cachoeira estavam bem fortes, proporcionando um clima agradável para se dar um mergulho.
Sem perder tempo, Klaus tomou a dianteira, tirou sua camisa enquanto corria e se jogou nas águas.
— Vamos! — Acenava para os outros, convidando-os. — A água tá uma delícia.
Só havia um pequeno problema: dentre as garotas, Eirin e Petra não tinham nenhum biquíni guardado nos seus anéis de ressonância. Mas, em parte, Klaus estava preparado para algo assim.
Quando escolheu a opção de praia no sorteio, ele já tinha escolhido um biquíni para a sua parceira, logo julgou que seria um desperdício deixá-lo em casa.
— Aqui. — Saindo da água e aproximando-se da moça, ofereceu-lhe o conjunto que havia escolhido. Mesmo perdendo no sorteio, quem diria que ainda alcançaria o seu objetivo? — Feito sob medida.
— Obrigada, meu salvador. — Agradeceu com um sorrisinho e puxou Sophie pelo braço para trás de umas rochas mais ao longe. — Cê vem se trocar comigo, né?
— Você já tá puxando.
Ao ver que as garotas se distanciavam, Trevor sussurrou para Klaus, de modo que só eles escutassem:
— Como assim "feito sob medida"? — Deu uma breve olhada na direção das garotas, para ter certeza de que elas não o ouviam. — Desde quando você tem as medidas do corpo dela?
— Aham! — Limpando sua garganta, Klaus expressou com orgulho: — Isso se chama amor, cara.
Por outro lado, o problema de Petra ainda persistia. Ela nunca foi uma pessoa com o hábito de sair com frequência, então não tinha esse tipo de roupa preparada para a ocasião.
Nas vezes em que fazia algum treino aquático em Erebus, era Raizel quem se encarregava de criar alguma vestimenta para ela.
— Você tem algum tipo de preferência? — perguntou o rapaz, já se preparando para criar algo.
Foi quando um certo pensamento se passou pela cabeça de Valentina: Se tudo o que aquele cara criava era feito a partir da energia dele, dar uma roupa íntima para a sua amiga não seria como se ele estivesse tocando no corpo nu dela?
"Não. Não. Não." Balançou a cabeça de forma negativa várias vezes, então pegou Petra pelo braço, a salvando das presas daquele lobo devorador. — Eu te empresto um biquíni, Petra.
— Huh?
— A gente ainda tem quase as mesmas medidas, né? — De fato, elas costumavam compartilhar algumas roupas desde pequenas. — Vem. Eu te ajudo a se trocar.
Sem dar qualquer brecha para a garota contrapor, Valentina a levou quase que à força para junto de Eirin e Sophie. No entanto, ela não pôde evitar a vontade de olhar para trás e mostrar a língua para aquele canalha do Raizel.
"Oh! Então era isso." O motivo da hostilidade que aquela garota transmitia para ele. — Ciúmes, heim?
Animado para fazer suas estripulias, Klaus escalou até o topo da cachoeira e — enquanto os outros o observavam lá embaixo — com uma pirueta, ele deu um mortal para trás, realizando uma sequência de giros no ar e provocando um belo "tibum" na água.
Todos, com exceção de Raizel e Trevor, que estavam sentados sobre umas pedras ao longe, aplaudiram o rapaz pela sua acrobacia perfeita — não se podia esperar menos de alguém da Classe Lanceiro.
— Vamos fazer um salto em dupla, mademoiselle — Klaus convidou sua parceira com uma piscadinha suspeita.
— Uhum! — Entendendo a mensagem, a moça concordou com um balançar de cabeça. — Sim, sim.
Enquanto os dois saíam, Raizel e Trevor continuavam nas pedras, desfrutando do aconchego de uma sombra e do vento frio da manhã enquanto bebiam e assavam um pouco de carne.
Diferente de Trevor, que estava mais focado no churrasco, os olhos de Raizel se perdiam em direção à outra coisa: Petra era puxada por Valentina, que queria fazer um salto junto com ela.
— Uma Chave Maior, não é? — Reparando no seu amigo distraído pela moça de biquíni branco, Trevor observou a marca entre os seios de Petra: o seu estigma. Foi quando, simplesmente do nada, uma dor afligiu sua orelha. — Ai! Ai! Ai!
— Pra onde você pensa que tá olhando? — Raizel soltou a orelha do amigo, que ficou vermelha igual a um sinal de trânsito.
Trevor se perguntava se, por ser a primeira vez em que viu a marca no peito da garota, ele teria sido indelicado no jeito de olhar.
Não. O rapaz tinha certeza de que seu olhar não carregava nenhum tipo de malícia.
Além disso, reagir daquela forma por uma coisa tão simples era algo que alguém como Klaus faria, jamais alguém como Raizel.
— Você parece meio diferente depois que voltou de Erebus. Digo, em relação àquela garota.
— É o que você acha? — disse enquanto provava um pouco da carne fumegante.
— Sim, parece até que você tá gostando dela. — E, para sua surpresa, o rapaz não negou ou se contrapôs, apenas soltou um sorriso discreto. — Ei, espera aí! Você tá mesmo…?
Ele só podia ter entendido errado. Raizel, mais do que qualquer outra pessoa, defendia a ideia de que os Nefilins Primordiais eram existências vazias em si mesmas.
Seres que, diferente dos seus pais, não foram criados para cumprir papel nenhum. Desejar ou deixar de desejar algo resultaria na mesma coisa para eles.
Era como ter uma fome insaciável. No início, o indivíduo buscaria todos os tipos de alimentos na esperança de encontrar algo que saciasse sua fome.
No entanto, após inúmeras tentativas falhas, até mesmo o prato mais saboroso perderia seu valor.
Se a fome nunca desapareceria, qual seria, então, a diferença entre comer e não comer? Todavia, lá estava ele, o último dos Nefilins Primordiais, desejando algo.
— Haha! Ver ela tão gentil e pura me dá uma vontade de colocá-la em um potinho e protegê-la com todas as minhas forças — disse enquanto a via sorrindo e brincando de jogar água com Valentina. — Mas, às vezes, também me dá uma vontade insana de pervetê-la, eu mesmo.
Tum! Tum!
— Huh?! — Admitir aquilo fez seu coração pulsar mais forte. "Merda!" Levou uma mão ao rosto, escondendo um semblante perturbado — como se sentisse dor.
Foi como da vez em que chupou o pescoço de Petra no dia do jogo de Verdade ou Desafio. Não, dessa vez foi ainda pior.
"Maldita natureza de nefilim", pensava enquanto se lembrava do pecado ao qual os anjos sucumbiriam, trazendo a mais temível raça de híbridos à existência: o pecado da luxúria.
— Pra onde aqueles dois foram? — indagou Trevor enquanto olhava para os lados em busca de Klaus e Eirin. — Eu pensei que eles iam fazer um salto em dupla.
— Provavelmente, estão se divertindo por aí. — No fim, Raizel conseguiu estabilizar seus instintos, mas estava difícil olhar para Petra a partir dali. — Diferente deles, parece que você não avançou nada com a Sophie.
Trevor sempre foi, entre os seus companheiros, aquele em quem Raizel mais confiava. Em parte pelas suas habilidades mas também pelo seu senso de responsabilidade. No entanto, havia um problema nele…
— É tão difícil sair da sua zona de conforto? — disse, preparando-se para se retirar dali. No fim, ele não tinha a intenção de se envolver no relacionamento dos seus amigos, os dois já eram bem crescidos para isso. — A questão é por quanto tempo ela ainda vai te esperar, Trevor.
Sem dizer nada, Trevor apenas viu Raizel se distanciar entre as árvores. Quem diria que, de todas as pessoas que foram para o acampamento, seria justo aquele cara a lhe dar um conselho sobre romance?
— O mundo não dá voltas, ele capota. — Olhando para a moça que boiava no raso, ele refletiu um pouco sobre si mesmo. "Se hoje fosse o último dia em que pudesse ficar com ela, o que eu faria?"
Mostraria os seus sentimentos logo de uma vez ou veria o mundo se despedaçar ao lado dela como o seu duo até o fim?
— Entendo — disse enquanto via as brasas crepitando na fogueira. — Sempre houve um amanhã, não foi?
Mesmo que lhe faltasse coragem no dia atual, ele poderia esperar pelo dia seguinte. Se falhasse de novo, ainda teria outra chance, e assim continuaria enquanto houvesse dias.
Trevor nunca sentiu como se as suas chances fossem acabar, afinal um nefilim nunca morreria de velhice. Ele nunca viu essa necessidade, e a necessidade era o que forçava as pessoas a se moverem.
Sem que se desse conta, o rapaz estava de pé ao lado de sua parceira, o que fez a moça quase afundar ao abrir os olhos e se deparar com uma estátua humana bem na sua frente.
— Trevor?!
— Então… — disse, ao passo que oferecia uma mão, convidando-a — vamos saltar em dupla também, milady?
Em uma área mais distante, Raizel estava com as mãos sobre uma grande parede de rochas enquanto sentia que seu peito estava a ponto de explodir.
— Haha! Que patético. — E pensar que ele se ausentaria da cachoeira porque não conseguia olhar para Petra sem que aqueles instintos tentassem dominá-lo. — Realmente, patético.
Da última vez o gatilho para o Fruto da Luxúria foi o chupão no pescoço dela, mas dessa vez era só por causa de um biquíni?
De qualquer forma, se afastar por um tempo seria suficiente para se acalmar e controlar os seus instintos.
Ele já havia conseguido fazer isso uma vez há milênios atrás, agora não seria diferente. Ao menos, era o que ele esperava.
— Rai?
De imediato, o rapaz se virou em direção à voz da sua parceira, sentindo uma sensação ardente ao vê-la. — Petra…
A moça o encarava mais atrás com as mãos baixas e juntas em frente ao corpo, ainda um pouco tímida por vestir apenas um biquíni na frente de tanta gente.
Mas, após conviver com Raizel durante muito tempo, ela sentiu que havia algo estranho na forma que seu parceiro saiu.
— Você tá bem? — perguntou enquanto se aproximava dele e reparava que o rapaz estava suando, mesmo que o ambiente estivesse frio. — Você precisa de al…?
Do nada, seu parceiro a puxou pela cintura, fazendo-a soltar um gritinho agudo enquanto a jogava contra a parede de rochas em que estava apoiado.
Após o choque, ela reparou que seu parceiro a observava com os lábios entreabertos e com os olhos selvagens de um predador — um lobo voraz pronto para avançar contra a ovelhinha indefesa.
— Ra…
No entanto, antes que pudesse falar algo a mais, seus lábios logo foram silenciados pelos de Raizel enquanto ele a abraçava, pressionando-a com força contra a parede.
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