Volume 2 – Arco 2
Capítulo 71: Verdade ou Desafio
Pela primeira vez, todos os amigos estavam reunidos na residência de Raizel e Petra, dispostos em uma roda de oito pessoas enquanto uma garrafa vazia girava no centro.
Como alguns deles não tiveram muito tempo para interagir uns com os outros, pois Raizel e Petra partiram muito cedo da Academia, o grupo decidiu organizar um jogo para aprofundar a relação entre eles.
Logo, não havia nada melhor do que algo que pudesse ser jogado em conjunto e os forçasse a revelar coisas sobre si mesmos: Verdade ou Desafio.
Quando a garrafa da inquisição parou, anunciando os participantes da rodada atual, alguns suspiraram de alívio, enquanto outro ficou apreensivo.
— Verdade ou Desafio? — indagou Klaus, o inquisidor que estava no fundo da garrafa, para Sophie, que estava na ponta.
Infelizmente, só havia uma resposta para aquela pergunta. Como a garota já tinha escolhido verdade duas vezes seguidas, para escapar da humilhação de um desafio constrangedor, ela se viu obrigada a proferir:
— Desafio.
No mesmo instante, um sorriso perverso se formou no rosto do Cavalheiro das Chamas. Enfim, ele teria a oportunidade de colocar alguém em uma situação embaraçosa.
— Eu quero que você faça uma dancinha.
— Ma-Mas… — Olhando de um lado para o outro, ela se deparou com os olhares de pêsames dos seus amigos.
Não havia espaço para "mas".
As regras eram absolutas.
— Ah! — Com um bater de mãos no chão, levantou-se com o que lhe restava de forças… e coragem. — Tá bom!
Sophie se pôs no centro do círculo e, com movimentos travados e desordenados, realizou o que seria a pior dança de robozinho que alguém poderia ver em toda a sua vida.
— Bip! Bip! — Simulava o som da máquina, ao passo que suas baterias se esgotavam e os seus movimentos se tornavam cada vez mais lentos, travando no fim.
Ao término da sua apresentação, ninguém riu, ninguém sequer falou nada. Todos a encaravam com feições confusas, sem saber como reagir àquilo.
Ela foi um fiasco total.
Com a cabeça baixa, a moça caminhou em silêncio para o seu lugar e colocou a cara entre as pernas, escondendo seu rosto de todo mundo.
— Eu quero morrer.
— Tudo bem — dizia seu parceiro, fazendo um pequeno carinho em seus cabelos — já passou, já passou.
Com a humilhação da garota, o objeto sem alma e sem coração foi girado mais uma vez, fazendo a sua próxima vítima: uma pequena garota de gentis olhos azuis.
— Verdade ou Desafio? — proferiu Eirin, a inquisidora da rodada.
— Verdade! — Depois do que aconteceu com Sophie, Petra escolheu sem pensar duas vezes.
O único problema era que essa foi a sua segunda vez seguida escolhendo verdade. Tudo o que a moça podia fazer era torcer para que aquele objeto não apontasse para ela novamente.
Talvez, em sua mente, o desafio poderia ser a pior forma de passar vergonha em público, pois ela seria forçada a fazer algo contra a própria vontade.
No entanto, Petra estava para descobrir o quão constrangedora e embaraçosa a verdade poderia se tornar.
Com um sorriso claramente malicioso, Eirin estava decidida a esquentar as coisas por ali, e porque não começar por aquela que tinha a cara de ser a mais inocente por ali?
— Você já teve algum sonho "sugestivo"? — perguntou de forma assertiva. — Ah! Com alguém presente nesta sala, claro.
— Huh? — Petra ficou sem acreditar que justo ela recebeu uma pergunta daquelas.
— Permita-me ser mais clara, então. — Continuou, inclinando-se para a frente, como se fosse tocar o rosto da moça. — Um sonho… erótico.
Como Petra sempre carregou um semblante de boa moça, Eirin queria ver que tipos de pensamentos indecentes ela poderia estar escondendo.
— Er, bem… eu… — Por um instante, seus olhos quase se voltaram para a direção de Raizel, mas ela rapidamente desviou o olhar tímido e as bochechas rosadas. — Uhum!
No fim, se viu obrigada a concordar com um balançar de cabeça, sem coragem para olhar para os outros, principalmente para o seu parceiro.
Por bem ou por mal, a pergunta de Eirin aqueceu as coisas. Agora qualquer escolha se apresentava como uma possível ameaça, onde os seus segredos mais obscuros poderiam ser trazidos à luz do constrangimento.
Assim, quando o rodopiar da garrafa se iniciou mais uma vez, ninguém ousou piscar. De pouco em pouco, o objeto começou a desacelerar, apontando para Raizel, Valentina, Sophie, Trevor…
E a vítima da vez foi o rapaz logo à frente de Raizel: Klaus. Aquele que colocou Sophie contra a parede, agora estava encurralado.
— Pode ser uma verdade. — Diferente dos demais, ele jamais se deixaria abalar por causa de uma perguntinha besta.
— Oh! Tem certeza?
— Vai, manda a braba!
— Então me diga. — Com a delicadeza de um gorila, Raizel lançou a bomba no colo do seu amigo. — Você beijaria outra garota, pra salvar a Eirin?
Klaus, de imediato, esbugalhou os olhos. Uma sensação de frieza se espalhou pela sua espinha, fazendo-o tremer da cabeça aos pés.
Nem era necessário olhar para o lado, ele já podia sentir os olhos frios da sua namorada o encarando como um lobo à espreita de um passo em falso da pobre ovelhinha.
— Então, Klaus — disse a moça, como se estivesse em transe. Ela se aproximava bem devagar — você beijaria?
— Bem… é pra te salvar, né?
— Então isso quer dizer que você… beijaria? — Erguendo uma mão para o alto, criou uma lâmina de gelo e olhou para o peito do garoto. — Eu estou tão decepcionada com você, meu cavalheiro.
— Ei! Ei! — A pobre ovelhinha dava alguns passos para trás, balançando as mãos em frente ao corpo, em uma tentativa falha de acalmar o predador voraz. — É só uma brincadei…
Zoom!
Uma fina lâmina de gelo passou zunindo pela lateral da sua bochecha, cortando-a junto a alguns fios do seu precioso cabelo.
Klaus congelou no lugar em que estava, sentindo o ardor do filete de sangue que escorria pelo seu rosto.
O rapaz só voltou a se movimentar, ou melhor, começou a correr, quando a moça pegou mais uma lâmina de gelo e avançou para cima dele.
— Quem é a vagabunda, Klaus?!
— Olha só o que você fez! — gritava enquanto corria e fugia pela sua vida em meio aos vários corredores da casa do amigo. — Raizel, seu filho da puta!
— Volta aqui, Klaus!
Da sala, só era possível ouvir o som das lâminas de gelo cortando o ar e quebrando alguns vasos da casa de Raizel.
Enquanto isso, os participantes restantes começaram a fechar mais o círculo, para cobrir o espaço deixado pelos outros dois, perguntando-se se o amigo retornaria vivo.
— O mestre vai ficar bem? — ressaltou Andrew, enquanto olhava na direção do corredor pelo qual Klaus passou feito uma bala.
— Relaxa, garoto. — Raizel pegou a garrafa para girá-la mais uma vez. — Se tem alguém que sabe como lidar com a Eirin, sem dúvidas, esse alguém é o Klaus.
A forma com que falava evidenciava a confiança em seu companheiro. Só então Andrew entendeu que, ainda que aqueles dois se alfinetassem de vez em quando, eles realmente eram bons amigos.
Então a garrafa foi girada, apontando mais uma vez para a pequena Petra Lavour. Só que, dessa vez, quem estava na outra extremidade do objeto era Raizel.
— Ao que me lembro, você já esgotou suas duas verdades consecutivas, não foi, senhorita?
— Uhum!
Como o outro jogador era o seu próprio duo, Petra poderia esperar que ele a propusesse um desafio mais leve do que os outros participantes.
No entanto, ela sabia melhor do que ninguém que isso não aconteceria.
Antes mesmo de anunciar o desafio, seu parceiro se aproximou dela e, deslizando a mão pela sua bochecha, disse:
— Eu quero dar um chupão no seu pescoço.
— Huh?!
— Como é?! — Valentina quase saltou de onde estava.
Aquele cara se aproveitou da verdade que Petra teve que contar na outra rodada para propor algo assim?
Valentina queria ir até lá, puxar a amiga para si e salvá-la das garras daquele lobo selvagem, sedento por cravar suas presas sanguinárias na donzela indefesa.
Todavia, contrariando suas expectativas, Petra inclinou a cabeça para o lado e puxou as mechas de cabelo, deixando o pescoço vulnerável para Raizel fazer o que ele quisesse.
— Vai ser rápido — sussurrou de forma duvidosa, ao passo que aproximava seus lábios da pele dela — Petra.
A princípio, quando ele beijou o seu pescoço, Petra podia sentir os lábios de Raizel acariciando sua pele gentilmente, até que…
— Urgh! — Fechou os olhos e mordeu os lábios para segurar um gritinho que ameaçava sair das suas cordas vocais.
De repente, ele começou a chupar com força. A dor se intensificava a cada segundo que passava. Era como se o seu parceiro estivesse disposto a sugar cada gota da sua vida, ali na frente de todo mundo.
— Ra… Rai — falou baixinho, quase se esquecendo de que os outros os observavam.
O nefilim abriu os olhos e se deu conta de que estava passando dos limites. Algo nele se recusava a parar, então teve que se esforçar um pouco para soltar a garota.
— Acho que isso marca você como minha, não é? — sussurrou no ouvido dela, antes de sair.
— Huh?! — A moça se viu pega de surpresa, enquanto seu parceiro se afastava, deixando para trás apenas uma dor pulsante e uma marca úmida e roxa no seu pescoço.
Contudo, Petra não conseguia negar para si mesma que, no fim, aquilo foi mais agradável do que ela esperava.
Já Raizel se deu conta do quão forte e perigosos aqueles instintos poderiam ser.
Havia passado muito tempo desde a última vez em que tinha sentido aquilo, mas — assim como todo bom Nefilim Primordial — ele ainda possuía aquilo cravado no fundo da sua alma: o Fruto da Luxúria.
"Que insano", pensava, enquanto tentava segurar um sorriso perverso. "Eu não sintia isso desde a época daquela mestra tola".
— Ei, galera — soou uma voz ao fundo. — A gente pode encerrar esse jogo por aqui?
Klaus havia retornado com Eirin, ou seria melhor dizer que foi a garota que o trouxe de volta, ameaçando-o com uma lâmina de gelo bem no pescoço?
— Mestre?! — Andrew ficou petrificado ao ver a situação em que o outro se encontrava.
— Me-Mestra, vai com calma — disse Valentina, fazendo uns movimentos desengonçados com as mãos.
— Mas eu tô calma, né, Klaus? — O difícil era acreditar nisso, enquanto ela o fazia de refém.
— Totalmente calma — respondeu com olhos que diziam o contrário. "Confia".
Então, de repente, a arma na mão de Eirin simplesmente desapareceu e surgiu na mão de Trevor que a colocou sobre a mesa.
Para a sorte de Klaus, havia alguém ali com a capacidade de teletransportar as coisas através do espaço, para salvar o seu pescoço.
— Parece que esse jogo não foi tão frutífero em aprofundar as nossas relações.
As palavras do Designer Polivalente faziam total sentido. Embora o jogo tivesse como premissa fazer as pessoas se conhecerem melhor, aquilo apenas os colocou em situações complicadas.
Eles precisavam de uma ideia melhor, de algo que fizesse a interação entre todos do grupo fluir de uma forma mais natural.
— Nós podemos realizar algo um pouco mais longo e interativo — sugeriu Raizel — um acampamento, por exemplo.
O único problema nisso era que o Campeonato Soujourner estava batendo à porta. Eles precisavam estudar os seus adversários, pois era isso o que estavam fazendo com eles naquele momento.
Aquele acampamento só poderia durar alguns dias.
— Ou uma praia. — A opinião de Klaus logo ativou os instintos yandere de Eirin novamente.
O que ele queria? Ver mulheres quase nuas na praia?
Na verdade, Klaus só desejava escolher um biquíni para a sua parceira, mas deveria ter deixado isso mais claro.
Antes que a moça fizesse alguma coisa, Raizel criou uma caixa e a colocou no centro, onde todos pudessem ver.
— Façamos assim: cada um escreve a sua ideia num papel e a coloca na caixa. Nós seguiremos a ideia sorteada.
Com o consentimento de todos, os papéis foram inseridos e chacoalhados, até que a hora da verdade chegou, e o papel sorteado dizia: "acampamento nas montanhas".
— Eu espero que todos tenham uma barraca em casa. — O nefilim sorria, triunfante em sua vitória.
Já Klaus, indignado, o observava de forma suspeita. No entanto, o resultado era inquestionável.
Após todos irem embora, Raizel voltou a pegar aquele pedaço de papel para conferir a informação.
Ao ocultar a emissão de sua energia, ninguém foi capaz de perceber a trapaça dele. Os papéis estavam fora da visão de todo mundo, afinal.
Cobrindo todos os pedaços de papel com a sua energia imperceptível e remodelando aparência para aquilo que ele queria, só havia um resultado possível: o que Raizel quisesse.
Quando desfez a técnica, o nefilim pôde matar a sua curiosidade ao contemplar o resultado verdadeiro: praia.
— Acho que fica pra próxima, Klaus.
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