O Nefilim Primordial Brasileira

Autor(a): Ghoustter


Volume 2 – Arco 1

Capítulo 67: Olhos Universais

Não era possível sentir o menor traço de energia vindo daquele garoto. Era como se ele não existisse, ainda que estivesse visível. Era como se estivesse ali ao mesmo tempo em que também não estava.

"Então por quê?", indagou-se Corvus Pragis, enquanto suas pernas fraquejavam. A única coisa que conseguia sentir daquele garoto era… medo. "Eu não consigo nem ficar de pé?"

Paralisado, observava o garoto caminhando em direção ao Rei. Seus cabelos roxos levemente maiores e ondulados balançavam mesmo sem correntes de ar no ambiente.

Seus olhos roxos refletiam um brilho incomum. Era como se o próprio universo estivesse sendo refletido neles. Uma visão gloriosa e aterrorizante ao mesmo tempo.

Como alguém poderia se sentir ao ficar cara a cara com o próprio universo?

Insignificante. Era assim como Corvus se sentia naquele momento. Apenas um grão de areia em meio à vastidão do cosmos.

— Mas o que diabos é esse cara?

"Eu não queria ter que mostrar isso para a Petra." O próprio Raizel sentia repulsa daquela aparência, era semelhante à do desgraçado do seu pai. "Mas já que todo mundo aqui vai ter que morrer mesmo, acho que tudo bem usar isso uma vez ou outra".

Então encarou o casulo negro do inimigo acima, uma espessa e grotesca massa de energia extremamente condensada.

— Venha, velhote — provocou com um sorriso sádico no rosto — ou eu mesmo vou até aí.

— Ora, seu…

Irritado e sem pensar direito, o monarca simplesmente disparou todo o poder acumulado em um único disparo de energia concentrada que, de tão veloz, cortava o espaço e se equiparava à luz.

Raizel observou o ataque de olhos bem abertos e — sem se mover do lugar — recebeu a investida de frente.

— … Moleque!

Pelo impacto do ataque, o médico da peste — que apenas observava — foi arremessado para longe. As ondas de choque e as rajadas de energia maltratavam violentamente o seu corpo.

Ele queria olhar para ver o que estava acontecendo e como aquele garoto lidaria com isso, mas só de abrir os olhos já seria suficiente para arrancá-los das órbitas.

Em meio a isso, apenas um devastador zoom! contínuo poderia ser ouvido, ao passo que seus tímpanos estavam a ponto de estourarem.

Energia e mais energia se espalhava por todos os lados, deixando o Rei em um estado de puro êxtase.

Seu poder era verdadeiramente incrível. Não havia ninguém no mundo que pudesse vencê-lo. Não havia quem fosse capaz de resistir ao seu imenso poder.

Hahaha! Garoto idiota! — Ria como um louco, enquanto sentia o doce gosto da vitória em seu paladar. — Eu sou absoluto!

Ter aceitado aquele ataque foi o maior erro que aquele pirralho poderia ter cometido.

Bem, não que isso fizesse muita diferença, afinal, como alguém escaparia de algo tão veloz quanto a própria luz?

Quando a última gota de energia se extinguiu, deixando uma densa nuvem de fumaça, que se espalhou por toda a Setealém, o monarca direcionou a sua atenção para o último inseto restante.

Corvus Pragis se viu aflito. Após tanto tempo preso ali, a única chance que havia lhe aparecido para pôr fim ao seu sofrimento foi reduzida a pó, ou talvez nem isso tenha sobrado.

— Precisou de tanto tempo pra preparar isso — expressou uma voz tediosa do meio da poeira — mesmo assim, foi tão fraco.

— Im-Impossível — gaguejou, dando um passo para trás, ao passo que um sorriso se formava no rosto do médico da peste.

— Ele sobreviveu. — Enquanto via a silhueta do nefilim por trás, Corvus estava a ponto de soltar fogos de artifício. — Ahahaha! Ele sobreviveu mesmo!

— Isso era pra ser todo o poder que uma dimensão tinha a oferecer? — indagou, ao passo que passava os dedos pelo metal derretido da sua armadura.

Toda a parte superior da proteção escorria em forma de metal derretido pelo peitoral de Raizel, dando ênfase às runas que se tornaram roxas.

Diferente da proteção, o corpo do garoto estava intacto, e o líquido quente do metal não passava de água morna para ele.

— Eu vou te mostrar apenas uma única vez, então preste bastante atenção. — Surgindo, de forma instantânea, na frente do seu oponente, agiu antes que o mesmo tivesse alguma chance de reação. — É assim que se mata alguém.

Enfiou a mão no peito do homem com tudo, e, para a surpresa do soberano de Setealém, ele não sentiu a sua carne sendo perfurada nem tão pouco as suas costelas sendo quebradas.

— O quê você…?!

Por mais que tentasse, o seu corpo se recusava a obedecê-lo. Apenas sua cabeça conseguia se mover e uma sensação estranha se fazia presente em seu peito.

A mão de Raizel entrou no que parecia uma espécie de buraco escuro e sem fim, localizado onde deveria estar o seu coração.

— A sua alma está podre — disse, enquanto puxava a mão para fora, carregando um pergaminho consigo. — Você não é digno disso.

O até então arrogante Rei de Setealém esbugalhou os olhos em pânico. Aquilo deveria ter se fundido completamente à sua alma. Como aquele pirralho era capaz de sequer tocá-lo.

— Devolva! — Conforme o pergaminho era arrancado de seu peito, a sua força, o seu precioso poder, se esvaía. — Devolva a minha Lei de Mundo!

Foi em vão. Logo o seu corpo começou a apodrecer, murchando e ficando semelhante a um esqueleto coberto de carne ressecada.

— Devol… va — implorou com uma voz tão decrépita quanto seu corpo. — Por fa…

Antes mesmo de terminar sua última frase, o Rei se desfez em poeira e se espalhou de maneira disforme em meio ao nada.

Como a Lei de Mundo era a única coisa que o manteve vivo por tanto tempo, a morte era a única coisa que o aguardava após perdê-la.

— Lamentável até em seus últimos momentos, velhote.

— E-Espere! — gritou Corvus Pragis. — A minha maldição ainda continua.

— A minha parte do contrato consistia apenas em matar o Rei — disse, conforme segurava a Lei de Setealém em uma mão e, na outra, a chave da sua saída.

— Você me enganou?! — De súbito, se jogou contra o rapaz, segurando-o pelos ombros. — Hã?

Aquilo era estranho. Corvus tinha plena certeza de que estava tocando naquele garoto. Mesmo assim, não conseguia sentir o corpo dele. Era como se estivesse segurando um fantasma.

Ao ver as feições de espanto do indivíduo observando seus olhos universais, o nefilim caiu em meio a uma grande gargalhada.

Após ter forçado um contrato, aquele homem queria reclamar por ter sido enganado? Que irônico.

Ahahaha! Essa sua cara é impagável! — Logo o papel em sua mão começou a queimar em uma chama roxa. — Com isso, o nosso contrato forçado pode ser tido como encerrado.

De imediato, toda a dimensão passou a trincar, como se fosse feita de vidro, deixando apenas um espaço vazio nas suas rachaduras que, aos poucos, tomava todo o lugar.

Sem ter mais o que fazer ali, Raizel acionou o dispositivo e criou um portal para ir embora enquanto sua aparência retornava ao nor… ao habitual.

— Sabe — disse o antigo médico da peste enquanto observava o nefilim indo embora — aquela garota tem muita sorte de ter alguém que nem você.

Se ele fosse tão poderoso assim, a sua amada nunca teria sucumbido para aquela doença maldita.

— Até nunca mais, Corvus Pragis.

— Rai? — Ao abrir seus olhos, se deparou com os de Petra, marejados. — Você voltou! — Sem dar chance para o rapaz escapar, ela o abraçou como se não o visse a anos.

— Parece que eu te fiz esperar por muito tempo. — Consolou sua parceira passando a mão nos cabelos sedosos dela. — Sinto muito.

Hm! Hm! — Surpreendentemente, a garota negou com um balançar de cabeça. — A gente chegou quase junto. Mas eu fiquei preocupada quando cheguei e você não estava aqui.

Se passou tanto tempo, desde a última vez que Raizel foi para Setealém, que ele quase se esqueceu de que o tempo se passava de forma diferente por lá.

Após atualizar sua parceira sobre esse detalhe e sobre tudo o que aconteceu depois de que ela foi mandada embora — ocultando a parte do poder que usou para matar o Rei — repousou a face dela sobre seu peito.

— Sabe, pra mim se passou muito tempo lá dentro. Ao menos… — falou, aproximando a sua boca do ouvido dela — o suficiente para que eu sentisse a sua falta.

H-Huh? — Petra podia sentir as próprias bochechas esquentando. Por sorte, seu rosto estava encoberto pelo abraço do rapaz, então conseguiu esconder isso dele.

Após soltar ela dos seus braços, Raizel lhe ofereceu a mão como um cavalheiro e completou com um sorriso.

— Já está na hora de voltarmos para casa, sem imprevistos desta vez, senhorita.

Uhum! — Ela não via a hora de se reencontrar com os seus amigos, principalmente com a Valentina..

Em meio aos cacos dimensionais, Corvus Pragis flutuava no vazio. Assim como toda a Setealém, o seu corpo estava trincado como um pedaço de vidro frágil.

Aos poucos, a sua roupa de médico da peste se desfazia em forma de um brilho tenaz, o qual se espalhou e sumiu em meio ao nada, revelando apenas um homem comum com roupas comuns.

"Acabou", pensava, enquanto suas forças e mente se esvaíam pouco a pouco. "Finalmente, acabou".

Hehe! — Foi quando uma doce voz feminina o fez abrir os olhos, uma voz que ele não ouvia há muito tempo. — Você se esforçou tanto, Albert, meu querido.

Impossível. Estaria ele delirando nos seus momentos finais? Como ela poderia estar ali, naquele fim de mundo?

— Me… Meredith — sussurrou, conforme a moça tocava-lhe a face. De alguma forma, ele conseguia senti-la perfeitamente bem. Aquilo era tão agradável e trazia memórias tão calorosas. — Eu… Eu sinto muito.

As suas palavras deixaram a jovem mulher com feições confusas. No entanto, ele continuou:

— Se eu fosse mais capaz, eu teria te salvado — lamentou-se, quase chorando. — Se eu não tivesse sido tão tolo… eu teria ao menos segurado a sua mão… quando você…

— Querido — disse, abraçando-o gentilmente — nós estaremos sempre juntos daqui pra frente.

— Sim — concordou, enquanto tudo se tornava um completo breu. — Eu sei que nós estaremos.

E, enfim, a sua consciência se apagou para todo o sempre.


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