O Nefilim Primordial Brasileira

Autor(a): Ghoustter


Volume 2 – Arco 1

Capítulo 64: Duelo Real

Do fundo do corredor escuro, sons estridentes de botas metálicas ecoavam pesadamente. Aos poucos, a visão da imponente figura masculina se tornava cada vez mais clara.

Passando facilmente dos dois metros de altura e de aparência anciã, o Rei prosseguia enquanto os longos cabelos cinza caíam sobre suas costas e ombros, como se fossem uma espécie de véu.

Por sua vez, uma resistente armadura de placas, manchada por um tom de prata escurecido pela corrosão do tempo, protegia seu corpo, tornando-o quase intocável.

Sem dizer muitas palavras, pegou a robusta lança, que flutuava em suas costas, e a cravou no chão à frente, fazendo o ambiente tremer.

— O que tem a dizer aqueles que profanam os domínios do grande Rei de Setealém?

Igualmente, de forma simples e direta, Raizel estendeu uma mão para o indivíduo, como se quisesse pegar algo, e disse:

— Passa o portal pra cá, velhote.

Um grande alvoroço se espalhou entre as gárgulas que decoravam as paredes do castelo. Aquela resposta era de longe um grande desrespeito ao seu soberano.

— Rai… — A garota ao lado do nefilim chamou a atenção, preocupada.

— Sendo educados ou não, o resultado será o mesmo. — Então virou-se para a figura imponente logo à frente, a única que realmente importava. — Vamos, deixa de enrolação.

Os olhos vazios do grande Rei de Setealém esbugalharam-se tomados por uma fúria genuína, o que também foi notado nas gárgulas.

Sem pensar duas vezes, as criaturas de pedra voaram ferozmente contra os invasores que ousaram afrontar o grandioso soberano.

Petra logo entrou em posição defensiva, pronta para o confronto, mas seu parceiro continuou imóvel. Ele já imaginava o que viria a seguir.

Sem qualquer explicação, as criaturas que voavam naturalmente pelos céus despencaram, provocando um baque seco de pedras colidindo contra o chão.

De repente, uma luz intensa começou a sair das rachaduras presentes em seus corpos, virando chamas ardentes e fazendo as gárgulas se contorcerem de dor.

— Eu já disse para a ralé ficar de fora disso — proferiu com a voz pesada, ao passo que os monstros viravam pó. — Ir contra as palavras do Rei é cortejar a morte.

— Por que você fez isso? — indagou a moça com um certo pesar. Ainda que fossem seus inimigos, a injustiça lhe incomodava. — Eles eram seus subordinados. Por que fez isso com eles?

Seu parceiro a observou de canto de olho, soltando um sutil sorriso em seguida. "Ah, essa garota".

No entanto, quem não ficou nem um pouco feliz com a situação foi o próprio Rei que, com um movimento de mãos e um olhar pesado, rebateu o argumento da intrusa.

— Poderia, por ventura, um amontoado de pedras compreender a magnitude dos pensamentos de um monarca?

Foi quando, de repente, todo o ambiente começou a tremer implacavelmente, fazendo o grande castelo afundar na terra devagar.

Em contrapartida, volumosas paredes se ergueram do chão, criando arquibancadas, escadarias e um trono medonho de caveiras em uma sala isolada no alto.

O monarca soberbo sentou-se no trono, cravando a lança robusta ao seu lado. Do alto, encarou os dois, que ficaram no centro do seu recém-criado coliseu.

Oh! Você vai continuar bancando o bonzão aí de cima? — disse Raizel, com um sorriso provocativo no rosto. — Quanto mais alto, maior a queda.

— Um verdadeiro monarca jamais cairá.

— É o que veremos.

Os dois se encararam olho no olho, e um clima pesado pairou no ar. Mais um empurrãozinho e eles se matariam a qualquer instante.

— Entretenham-me — falou, estalando os dedos em um tlec!

As nuvens acima começaram a girar em espiral, gerando  um denso vórtice que sugava tudo ao redor e descia até o centro da arena.

Raizel e Petra mantiveram os pés firmes no chão, para que não fossem vítimas do movimento do seu adversário.

— Esse cara — falou Raizel, levando um braço para a frente do rosto, a fim de proteger os olhos da poeira — gosta de um show, heim?

— Rai, eu tô com um mau pressentimento.

E esse sentimento só se intensificou ainda mais quando um som familiar foi ouvido vindo do meio do vórtice.

Aquele grunhido medonho só poderia ser de alguém que eles encontraram ainda nos primeiros momentos da sua estadia ali.

— É outro daqueles? — Petra questionou-se ao ver a massa de carne cheia de olhos escarlates que saía do vórtice, observando-a com ódio. — Não, é o mesmo de antes.

— Aquele desgraçado reescreveu o passado.

Huh? — Ficou confusa por um instante.

— Pode-se dizer que aquele bicho nunca morreu.

— Infelizmente — falou o Rei — creio que ele perderia mais uma vez para vocês, então…

Pela vontade do seu soberano, All in One sofreu uma metamorfose repentina. Toda a massa de carne passou a se concentrar em um volume menor, tomando uma forma humanoide.

Estava ainda mais grotesco. Um ser semelhante a uma pessoa de pura carne com olhos espalhados por braços, pernas e peito.

— Eu estarei lhe dando uma segunda chance — disse o Rei da Catástrofe, friamente — não ouse me desapontar.

De repente, a criatura gritou para o alto enquanto foi envolvida por um forte brilho, tornando-se mais densa e cheia de músculos ao final do processo.

Agora mais forte do que antes, o representante do lado inimigo estava pronto para o combate.

— Que seja — falou Raizel, dando um salto para trás e ficando em cima de uma pilastra ao longe.

— Rai? — indagou a moça. Em resposta, seu parceiro apenas sorriu. Aquela luta seria apenas dela.

— Caso nós percamos, nós morremos — ressaltou o garoto — mas se vencermos, nós queremos o portal de saída daqui.

— Estou de acordo com os termos. — O monarca então puxou, de uma fenda no espaço, um portal que se assemelhava a um grande portão e o colocou ao seu lado. — Que vença o melhor.

— É, que vença o melhor. — O rapaz repetiu enquanto cruzava os braços e observava a garota na arena.

Carregando o peso da confiança do seu parceiro, Petra encarou a aberração logo à frente e se preparou para a batalha.

Como nenhuma restrição foi estabelecida, aquela luta era um vale tudo, então não tinha porque esperar algum sinal para começar.

Com o auxílio de um Círculo de Propulsão, disparou como uma bala contra o seu oponente, alvejando o pescoço.

Todavia, para sua surpresa, a criatura se contorceu, jogando o corpo robusto para trás e fazendo-a errar o primeiro corte.

A moça parou próximo a uma das paredes da arquibancada e mal teve tempo de respirar.

Ao olhar para trás, viu o monstro que avançava com tudo para esmagar seu crânio com um soco potente.

Jogando-se para o lado, Petra escapou do punho que reduziu a parede a migalhas e aproveitou para desferir um corte ascendente, cortando o braço de All in One.

"É agora!" Usou uma sequência veloz de dois Círculos de Propulsão para se esgueirar até as costas do seu oponente. "O pescoço!"

Como desejado, sua lâmina provou da carne e do sangue da aberração, passando sem qualquer dificuldade pelo pescoço do monstro.

Vendo a cabeça do inimigo cair, a garota ficou de pé, atrás do corpo que logo despencou inerte no chão.

Huh? — Corria uma sensação desconfortável pelo seu peito. Aquilo foi fácil demais, considerando que a criatura recebeu mais poderes do Rei.

Além disso, ninguém anunciou a sua vitória. Só aí, ela se lembrou de que All in One não possuía ossos.

Logo, Petra deu um salto para trás, para desviar de um ataque do corpo que se levantou de repente.

Mesmo reagindo rápido, não conseguiu sair ilesa da investida da criatura. No meio do trajeto, o braço de carne se esticou e se afinou como uma lâmina, a qual cortou a barriga da moça.

— Foi por pouco — refletiu enquanto as runas curavam seu ferimento.

Daquela posição, viu o monstro conectando a cabeça decepada de volta ao corpo. Matá-lo por meios convencionais não era uma opção.

"Concentre-se, Petra. Concentre-se", dizia para si mesma.

"Então, senhorita, como você vai lidar com essa situação?", pensou Raizel, que a observava de longe, sem fazer a menor menção de ajudar.

O Rei, por sua vez, contemplava a luta em silêncio, vendo seu subordinado avançar mais uma vez contra a jovem.

Vários e vários tentáculos afiados passaram perto de ferir a garota, mas ela continuava a desviar com ímpeto.

No entanto, se continuasse nesse ritmo, seria apenas questão de tempo até seu inimigo conseguir alcançá-la uma segunda vez.

"Só mais um pouco", pensava enquanto desviava. "Só mais um pouco".

Ela precisava de uma chance para destruí-lo todo de uma vez, sem deixar pedaços.

Para isso, permitiu que a criatura se aproximar-se dela e a encurralar-se com seus tentáculos cortantes.

Uma vez que ficou sem saída, criou um pequeno escudo de energia para se defender dos golpes que vieram velozmente de diversas direções.

A cada acerto, seu escudo começava a trincar. Nesse ritmo, não ganharia mais do que alguns poucos segundos, o que deixou o seu inimigo animado.

De qualquer forma, ela conseguiu o que queria: o monstro se pôs à sua frente, encarando-a com seus múltiplos olhos, confiante de que estava no controle da situação.

— Veste Divina. — Nesse momento, o corpo de All in One se viu forçado a curvar-se diante da força gravitacional. — Anjo da Gravidade, Auriel.

Antes que o seu inimigo pensasse em alguma forma de contra-atacar, Petra lançou o seu ataque decisivo— ela tinha que ser rápida.

— Devorador Cósmico. — Pelo comando da jovem, uma pequena esfera negra foi disparada contra o corpo de All in One.

De cima da pilastra, até mesmo Raizel esbugalhou os olhos ao contemplar aquela esfera negra, tão grande quanto uma ervilha, arrastando o corpo da criatura para longe junto a tudo o que tinha pela frente.

Desde o centro do coliseu até onde os olhos eram incapazes de observar, um vasto rastro de destruição se estendia.

Ou fosse mais adequado dizer que nada restava. Toda a matéria existente foi desintegrada pelo buraco negro.

Ufa! — suspirou aliviada. — Consegui.

Contudo, seu descanso durou pouco.

Do nada, uma sensação desconfortável fez sua espinha gelar e, ao virar-se para trás, viu a lâmina pesada da arma do Rei aproximando-se do seu rosto.


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