O Nefilim Primordial Brasileira

Autor(a): Ghoustter


Volume 2 – Arco 1

Capítulo 63: O Rei da Catástrofe

Há tanto tempo quanto estrelas no céu e grãos de areia na terra, a dimensão de Setealém se mostrava como um lugar ainda mais calmo e pacífico do que qualquer outro.

Os pássaros cantavam em paz pelas florestas verdejantes, os peixes nadavam pela suavidade dos rios e as aves ornamentavam o azul do vasto céu.

Os humanos não entravam mais em guerras, e a energia extraída dos raios solares e do vento era pura e sustentável.

A medicina havia se desenvolvido de modo a tratar e precaver quase todos os tipos de doenças existentes.

A miséria era mínima, e a fome foi praticamente extinta. As terras eram férteis e de água não sentiam falta.

Aquele lugar seria considerado uma utopia por muitos, e tudo isso graças à intervenção de uma única pessoa: um líder global.

Após muitos esforços e — ironicamente — após muitas guerras, um homem conseguiu unificar o domínio de todas as nações na palma da sua mão.

Esse indivíduo, cujo nome seria esquecido ao longo do tempo — e que passaria a ser chamado apenas de "o Rei de Setealém" — a princípio foi exaltado e aclamado por muitos como um conquistador benevolente.

Sua fama e carisma se espalharam como folhas ao vento e, por onde quer que ele fosse, todos o respeitavam. Mesmo aqueles que tiveram suas terras devastadas durante a Grande Guerra, no fim, reconheceram a benevolência do Rei.

No entanto, não demorou muito para que esse indivíduo tivesse um pensamento audacioso: "e se realmente existirem outros mundos?"

Eles estariam vivendo em paz ou passando pelo sofrimento e pelo caos que o seu próprio passara até então?

Se algo assim realmente existisse, ele — o Rei — tinha a obrigação de espalhar a paz por todos os mundos além dos limites das dimensões.

Tomado por esse objetivo audacioso, o Rei montou, secretamente, uma grande equipe com os maiores intelectuais e pesquisadores sobrenaturais da época a fim de estudar todos os métodos e formas possíveis de contatar outros mundos.

Com bastante esforço, foi possível chegar a algo que nenhum outro humano jamais sonharia em alcançar: a Lei do Mundo.

Contudo, tal poder nas mãos de um humano não poderia resultar em nada além da completa aniquilação de Setealém.

— Aniquilação? — indagou Petra ao seu companheiro, que a acompanhava saltando de prédio em prédio.

— A Lei do Mundo dita como a realidade de um lugar deve funcionar. Sejam planetas, universos ou dimensões, o que estiver escrito na Lei se torna absoluto.

Em posse de tal poder era possível criar uma nova raça, apagar uma antiga ou até mesmo modificar as características de uma existente, como foi o caso dos Hominum Tenebris.

Nem mesmo o tempo estava ileso da sua influência. Pela vontade do Rei, dias se tornavam horas, e horas se tornavam dias. Até os acontecimentos do passado poderiam ser alterados.

— Mas, se é assim, ele poderia só fazer esse lugar voltar ao normal, né? — indagou-se reflexiva. — Eu pensei que ele queria ser um governante benevolente.

— Dizem que o poder muda as pessoas ou mostra quem elas realmente são.

Após a fusão da sua alma com a Lei do Mundo, qualquer traço do antigo ser benevolente se perdeu na imensidão do vazio. Quem governava aquele lugar não era outro senão a personificação do próprio mal.

Nesee momento, os olhos de ambos alcançaram o seu objetivo ao longe: um grande castelo negro em ruínas.

Logo os dois pararam a uma certa distância, o suficiente para se ocultar dos olhos dos guardas que protegiam e rodavam o castelo arruinado.

A gigantesca construção se estendia até o alto das nuvens de sangue. Se não fosse pelo seu estado decrépito, aquela construção seria uma bela e imponente obra de arte.

— Parece que vai cair a qualquer momento — observou a garota, surpresa.

— Eu diria que isso é impossível — ressaltou Raizel, colocando as mãos nos bolsos e encarando o panorama de forma impassível. — Se o Rei definiu que ele deveria continuar de pé, assim será, independente do quão velhas e podres aquelas paredes se tornem.

— Nós vamos aceitar o desafio de alguém assim? — indagou, apreensiva. — Digo, a gente pode vencer alguém que controla uma dimensão inteira?

Oh! Então duvida das nossas capacidades? — Com um tom provocativo, deu uma alfinetada na sua companheira.

Er… bem… Eu nunca enfrentei algo assim antes. — Ela jamais duvidaria das capacidades do seu parceiro, nem mesmo pensaria duas vezes antes de entregar sua vida nas mãos dele. — Mas, e se ele transformar a gente num hamster?

Huh? — Aos poucos um sorriso, seguido de uma gargalhada, formou-se em seu rosto. — Ahahaha!

— Q-Que foi? — interrogou o garoto, que se mantinha em meio a uma crise de risos, a qual parecia que não teria fim. — Rai…

Por alguma razão, sua mente foi tomada por um sentimento estranho. Será que a sua pergunta foi tão ingênua assim para o fazer rir sem parar.

Mas se o Rei conseguia transformar a raça humana em criaturas como os Hominum Tenebris, então porque não poderia fazer o mesmo com eles?

Ahaha! Um hamster, sério? — Gradativamente seu riso se desfez, ao passo que via os olhos envergonhados da garota. — Ah… Sinto muito, senhorita, acho que não expliquei a situação direito.

O feedback da garota veio em forma de uma pergunta carregada por uma voz fofa e dengosa, ao passo que desviava o olhar para o lado.

— Então explique — disse, quase fazendo beicinho.

— Como os poderes do Rei advém da Lei de Setealém, eles não funcionam sobre nós, que somos de fora.

Huh? — Levando uma mão ao queixo, deu-se conta do seu equívoco. — Por isso ele odeia visitantes?

— De qualquer forma, enfrentar esse cara é a forma mais segura e também a mais complicada de sair daqui — disse para a garota, que se mostrava atenta a cada palavra. — Afinal, ele guarda um portal para a Terra.

Por um momento, Petra arregalou os olhos. Se aquele indivíduo possuísse algo que conectasse Setealém à Terra, uma invasão poderia ocorrer a qualquer momento.

O planeta que ela visitou a pouco tempo com Raizel poderia ser reduzido ao mesmo cenário tenebroso que via agora.

"Ah, sim!" Pela surpresa, a garota quase deixou um pequeno e importante detalhe passar em branco. — Ele não tem poder fora daqui, né?

— Sim. Por mais forte que o Rei seja dentro de Setealém, ele é apenas uma pessoa comum na Terra.

A garota suspirou aliviada.

Agora tudo o que os dois tinham que fazer era arrumar uma forma de usar o portal que estava guardado dentro daquela construção horripilante.

— Vejamos. — Petra ativou as runas da sua face para observar melhor a estrutura da base inimiga.

Foi necessário se esforçar um pouco para ignorar o odor amargo e pútrido do lugar, mas era um preço a se pagar.

Com a visão aprimorada, era possível notar as dezenas de Hominun Tenebris que guardavam a entrada do castelo.

Mais alguns conjuntos de soldados rondavam pela área, acompanhados das bestas sanguinárias que os dois enfrentaram antes de ir até ali: os Canis Infernum.

"Parece que o espaço aéreo é a melhor opção" refletiu, olhando para o alto.

Apenas algumas criaturas aladas feitas de pedra, que possuíam faces demoníacas, repousavam sobre as paredes, observando tudo de cima.

"Gárgulas." Como as criaturas eram da mesma cor que as paredes, a moça só conseguiu notá-las ao ativar o restante das runas. "Ainda bem que a gente não se aproximou de forma imprudente".

Realmente, Petra sempre poderia contar com a cautela do seu parceiro. Ela entendia o porquê de ele ter parado a uma distância segura da base inimiga.

— A gente pode se esgueirar entre as nuvens escuras, nocautear algumas das gárgulas silenciosamente e se infiltrar no castelo sem chamar muita atenção.

Oh! Parece um bom plano.

— Você ach…? — Por estar distraída analisando o campo de batalha e formulando um plano, Petra não se deu conta do momento em que Raizel materializou um arco e preparou uma poderosa flecha. — Ra-Rai?!

— Aguilhão dos Céus — disse, ao disparar a flecha de energia com tudo.

O projétil avançou brilhando e rasgando o ar à frente em uma velocidade insana. Tão rápido foi o disparo que os monstros mal tiveram tempo de perceberem o ataque, tão pouco de se defenderem.

A explosão da flecha destruiu a entrada do castelo por completo, levantando uma enorme nuvem de poeira e fazendo o chão tremer.

As ondas de choque foram fortes o suficiente para serem sentidas mesmo à longa distância. No entanto, a base do inimigo se mantinha de pé.

— É bem resistente mesmo — observou o rapaz, enquanto se preparava para avançar. — Vamos!

Sem pensar duas vezes, disparou na direção da poeira que envolvia os guardas, visando aproveitar que eles ainda estavam perdidos devido ao acontecimento.

A-Ah, sim. — Com um pequeno atraso, por causa da atitude inusitada do seu parceiro, Petra pulou logo em seguida.

Passar por entre aquelas baratas tontas não era desafiador para os dois. Todavia, algo inusitado aconteceu.

De repente, os destroços, que estavam jogados no chão, retornaram para as paredes do castelo, reconstruindo-o pedaço por pedaço.

E, em um instante, a construção estava de volta ao seu estado anterior — intocada.

Os guardas foram os primeiros a compreender a situação, então se puseram desajeitadamente de joelhos e de cabeça baixa.

— Vejo que a ralé não será capaz de vos entreter. — Junto a passos estridentes, a voz do ser que saía de dentro da escuridão do castelo soou firme.

— Sabe — ressaltou Raizel — um rei costuma esperar sentado no seu trono.


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