O Nefilim Primordial Brasileira

Autor(a): Ghoustter


Volume 1 – Arco 6

Capítulo 58: O Guardião dos Céus

As nuvens escureceram como obsidiana, ao passo que espalharavam a mais pura assombração pelos céus.

Raios incandescentes irrompiam de cima a baixo. Os elétrons castigaram sem dó o solo da pobre ilha e as águas do infeliz oceano que os recebiam como açoites.

Densas trombas d'água formaram-se em espiral e, em oposição aos raios, subiam em direção às nuvens.

As impetuosas rajadas de vento, em forma de tornados e tufões, também participaram e colaboraram para o caos aterrorizante que se espalhou pelo oceano de Erebus.

E, em meio a esse ambiente caótico, as nuvens negras se condensaram na forma da cabeça de uma grande águia.

Inexplicavelmente, a forma daquela criatura produziu um som agudo e estridente, que superava de longe o barulho dos trovões.

Temerosos e acuados, os até então assustadores monstros do Continente Sombrio, voaram para longe ou nadaram para o mais profundo das águas.

Todos reconheciam o quão insignificantes e pequenos eram perante a presença de Ziz, o Guardião dos Céus.

— Isso é loucura! — gritou Inveja, enquanto mantinha um braço em frente ao rosto para protegê-lo das rajadas de ar.

O que estava acontecendo era simplesmente surreal. Quando tudo parecia ter acabado, e ela teria a vitória em mãos, uma quantidade insana de energia divina emergiu do corpo de Petra.

No momento, a espadachim se encontrava dentro de um tornado de energia dourada, o qual se estendia além do alcance da visão da patrona.

Se havia algo que Inveja tinha certeza, era que ela precisava interromper o que diabos estivesse acontecendo ali. No entanto, só se aproximar já se mostrava ser algo mais do que difícil.

De repente, o fluxo de energia do tornado dourado diminuiu até que a poeira baixasse. No entanto, o mesmo não se podia dizer do caos que pairava no oceano e nas nuvens.

— Mas o que… — Encarava boquiaberta o ser logo à frente. — O que é você?

Fosse em aparência, em poder ou em presença, aquela garota havia mudado.

Os efeitos da Desintegração de Matéria em seu corpo sumiram por completo, era como se nunca tivessem existido.

A Veste Divina também sofreu algumas alterações: o metal se tornou mais suntuoso, e as marcas azuis brilhavam intensamente. Além disso, o manto em sua cintura se tornou maior a ponto de quase tocar o chão.

Os olhos que antes irradiavam um vívido e tenaz azul-celeste, agora emanavam um dourado frio, vazio e sem vida.

De todas as coisas, uma era certa: Petra Lavour não estava mais ali.

Como um flash, a garota em transe se aproximou da patrona e desferiu um soco com a mão que não segurava a espada.

A patrona na sua frente mal teve a oportunidade de perceber o que havia ocorrido diante de seus olhos. Um forte e pesado punho fechado alcançou sua barriga.

Argh! — Como se fosse uma bala, Inveja foi jogada para longe.

O corpo da lanceira passou colidindo contra árvores e rochas, cruzando toda a extensão da vasta ilha até alcançar as águas do oceano.

Dado a distância percorrida em um período tão curto de tempo, ela deveria ao menos ter um pequeno intervalo para pensar em uma forma de contra-atacar.

Ao abrir seus olhos, ela viu que não poderia estar mais enganada.

O pé da sua adversária desceu tão rápido e com tanta força que, ao colidir contra seu rosto, a empurrou com tudo para baixo.

O impacto contra o oceano foi intenso e seco, fazendo toda a água em volta da área atingida subir em direção ao céu.

Por um momento, um vazio profundo se formou no oceano do Continente Sombrio. Foi como se as águas tivessem sumido de repente.

No fundo do poço aquático, Inveja foi tragada pelo vórtice das águas que se esforçavam para fechar o buraco que não deveria existir ali.

"Que poder… é esse?", lamentava com dificuldade. O sangue que fluía do seu corpo se espalhava e manchava os arredores. "Não dá pra lidar com isso".

Ela tinha que sair dali o quanto antes. Apenas um tolo insistiria em continuar enfrentando um poder monstruoso e desconhecido.

Olhou para o anel em sua mão direita, onde o Dispositivo de Transporte estava guardado ali. Se havia uma hora para usá-lo, era agora.

"Enquanto se estiver vivo, sempre haverá uma chance de vencer."

Quando o anel brilhou, indicando que o Dispositivo de Transporte seria liberado, o corpo da patrona foi subitamente puxado para cima por uma força invisível, pela gravidade.

Argh! — Bolhas formaram-se na água por causa do ar que escapou de seus pulmões. "Merda!"

Seu corpo foi brutalmente arrancado do seio das águas e, sem qualquer chance de reação, foi até o encontro da sua algoz.

Petra a segurou com força pelo pescoço e suspendeu a patrona em pleno ar.

A-Argh! — Inveja se debateu buscando liberdade, mas foi em vão. Tudo o que lhe restava era encarar aqueles olhos desprovidos de vida. — Me… solta.

Seu pedido foi recusado em primeira instância. O ser no controle do corpo da garota não demonstrava o menor sinal de que pouparia sua vida.

— Me… solta! — Em um ato de desespero, segurou o braço de Petra com as duas mãos.

A essa distância, ela poderia facilmente desintegrar o braço da garota, mas não foi o que aconteceu.

A Desintegração de Matéria nem sequer deu indícios de que funcionaria.

"Quê?" O desespero tomou conta do seu peito, ao passo que Petra apertava seu pescoço com mais força, dificultando a passagem do ar. "Por quê? Por quê? Por quê?!"

Escapar das garras daquele monstro parecia impossível, no entanto, ainda lhe restava uma pequena chance, um último apelo.

Se Petra ficou assim após perder a consciência, então se a patrona conseguisse trazê-la de volta, o jogo viraria mais uma vez.

— Ra-Rai… zel — expressou com o pouco ar que lhe restava nos pulmões.

Essa foi a única pessoa pela qual a garota demonstrou se importar desde que as duas se encontraram na ilha.

Aparentemente, era alguém muito valioso para ela, e também era a única coisa que Inveja conseguiu pensar naquele momento de angústia.

O aperto em seu pescoço diminuiu um pouco, o suficiente para que não morresse por asfixia. Ao que parecia, sua ideia funcionou.

"Eu sabia que no fundo, você era bem ingênua, garota."

Pelo menos, essa ingenuidade foi o que a salvou.

— Eu queria saber como ele reagiria se te visse agora. — Uma fagulha de vida surgiu naqueles olhos vazios. — Se te visse parecendo um… monstro.

De repente, as pupilas de Petra comprimiram, e o aperto no pescoço de Inveja se intensificou novamente.

A patrona pensou que talvez tivesse escolhido as palavras erradas dessa vez, mas não foi bem assim.

Inusitadamente, sua adversária a arremessou sem dó em direção à ilha em que estavam lutando.

O corpo de Inveja passou rasgando o ar até que alcançasse o solo da ilha e passasse a derrapar contra o chão.

Essa tortura só teve fim quando a patrona foi cravada numa montanha.

Sua mente ficou atordoada. Tudo ao redor parecia girar. Quando foi a última vez que ela teve que lidar com um problema tão grande assim?

Aos poucos, um som desordenado e furioso se mostrou compreensível aos seus tímpanos.

Esse era o som do tornado gigantesco que se formava ao redor de Petra. Ventos impiedosos e afiados giravam freneticamente ao redor da garota.

Era como se ela quisesse se isolar, se esconder do mundo. Escapar de tudo, fugir de si mesma.

Só ao notar uma densa quantidade de energia se aproximando que a patrona entendeu o motivo daquilo.

— Essa energia agressiva… não me diga que…

Como se estivesse apenas esperando a moça falar, uma onda de choque estourou no céu, marcando a parada abrupta de Raizel.

Inveja observou a figura alta de cabelos vermelhos analisar o tornado que envolvia aquela que deveria ser a sua parceira.

Ela já teve um leve contato com os outros nefilins quando precisou ajudar Gula e Preguiça, então sabia o quão poderosos eles eram.

Mas aquele cara… ele era diferente. A sede por sangue que emanava dele tomou conta de todo o ambiente ao redor como se fosse um veneno nocivo.

Seu corpo praticamente travou. Seus instintos diziam que ela devia ficar imóvel, como um animal se fingindo de morto para enganar o predador. Predador esse que flutuava com sangue nos olhos logo acima.

— Uma centelha da Chave de Goétia foi liberada — disse, franzindo a testa, pensativo. — Um efeito colateral do acesso ao poder divino, ou…

Lentamente, virou o rosto em direção à patrona, que estava sozinha entre as árvores da ilha.

Ao encarar aqueles olhos brilhando ao longe, Inveja deu um passo trêmulo para trás.

— Foi você. — Sua voz saiu carregada de rancor, acompanhada de uma imensa lança negra que foi disparada de cima das nuvens.

A garota criou um escudo de energia, na base do instinto, para se proteger da arma que, sem misericórdia, partiu a ilha ao meio e explodiu levando consigo qualquer indício da existência daquela massa de terra.

Quase instantaneamente, a presença da moça sumiu, mas ainda era cedo demais para deduzir que ela morreu.

Alguém que enfrentou o poder de uma Chave Maior — e sobreviveu — não morreria tão fácil assim.

Tsc! — De qualquer forma, ele tinha algo muito mais importante do que a vida daquela garota para se preocupar agora.

Suprimindo tanto sua raiva quanto sua energia, o rapaz começou a se aproximar da sua parceira caminhando sobre círculos de energia.

Ele emanava calma e serenidade, afinal, como o poder de Petra estava fora de controle, Raizel não queria se mostrar como uma ameaça.

Quanto mais se aproximava,  mais fortes e violentas as rajadas de ar se tornavam. Tão finas e velozes que foram capazes de cortar seu rosto com facilidade.

Ao ver o sangue escorrer de sua face, o rapaz indagou admirado: — Acho que eu não podia esperar menos.

Quando chegou próximo o suficiente do tornado, estendeu uma mão e abriu caminho até a garota que estava no centro, encolhida e abraçando os joelhos.

Ao ver a Veste Divina, Raizel esboçou um sorriso carregado de satisfação.

— Parabéns, senhorita. — Logo a garota abriu os olhos e olhou surpresa para ele. — Você conseguiu.

Uma pequena luz surgiu em seus olhos quando o viu na sua frente, mas algo fez aquela luz sumir: seu parceiro estava com alguns cortes espalhados pelo corpo.

Por mais rápido que se fechassem, novos ferimentos surgiam logo em sequência — ferimentos que eram causados por ela.

Mordeu os lábios e voltou a esconder seu rosto. Ela não queria que ele a visse assim.

No entanto, apesar do forte vento, Raizel continuou a se aproximar. Ferindo-se, ou não, chegaria até ela. Então estendeu a mão para sua parceira e disse com uma voz suave:

— Volte pra mim, Petra. — Mais uma vez seus olhos se encheram de luz. Ela gostava mais quando ele a chamava de senhorita, mas, dessa vez, ser chamada pelo nome foi tão agradável. — Vamos pra casa.

Segurou a mão dele devagar e, quando estava para falar algo, Raizel a pegou pela cintura e a puxou gentilmente para perto dele. Abraçou-a e repouso carinhosamente o rosto dela sobre seu peito.

— Rai… — Nesse momento, tanto o tornado quanto sua Veste Divina começaram a se desfazer, e o tom de azul-celeste retornou aos seus olhos. — Eu senti tanto a sua falta.

Por ainda estar recobrando a consciência, Petra estava se deixando levar pelas emoções, sem qualquer filtro.

— Você disse que ia me esperar. — Sua voz estava fraca, quase inaudível. — Você… você mentiu pra mim.

Ao ouvir essas palavras, Raizel ficou sem reação. Normalmente, ele nunca teria dificuldades em rebater algo assim; mas, agora, lhe faltavam respostas.

— Eu te esperei por tanto tempo, mas você não voltava. — De repente sua voz começou a ficar chorosa. — Eu tive medo… Eu tive tanto medo de que você não voltasse. Eu…

— Sinto muito. — Raizel abraçou-a mais forte, como nunca fizera antes. — Eu sinto muito, mesmo.

Só isso não seria suficiente para se redimir por ter feito sua parceira se sentir assim. Ele sabia disso. Vê-la dessa forma o fazia se sentir mal, como nunca antes.

— Eu não vou te deixar pra trás… nunca mais.

Assim, os dois passaram mais algum tempo abraçados até que a garota se acalmasse e eles pudessem, após tanto tempo, dar as costas ao Continente Sombrio.


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