O Nefilim Primordial Brasileira

Autor(a): Ghoustter


Volume 1 – Arco 6

Capítulo 55: Desolação

— Rai, seu mentiroso. — Petra suspirava enquanto observava as nuvens que se misturavam ao miasma de Erebus.

Mesmo que tenha aprendido a proteger o seu corpo com aura para enfrentar o frio, ainda era possível sentir um pouco do clima afligindo sua pele.

Ela estava sentada sobre uma rocha no alto da montanha em que sua caverna foi construída. Os seus cotovelos apoiavam-se nas pernas para que as mãos segurassem sua cabeça.

Tédio enfeitava sua face e se misturava ao semblante de decepção. Pouco tempo atrás, estava tão empolgada para anunciar o sucesso da Veste Divina ao seu parceiro, mas agora…

Um belo balde de água fria foi o que recebeu ao perceber que Raizel simplesmente sumiu. Esse sentimento só piorava ao lembrar-se de que ele prometeu que estaria ali quando ela voltasse.

— Você… Você realmente… — Era como Auriel lhe disse: esse garoto escondia coisas demais.

Petra tirou as mãos do queixo e abraçou suas pernas, cabisbaixa.

Mais um suspiro.

Por qual motivo ele teria desaparecido? Era difícil acreditar que seu parceiro perderia em uma luta contra algum monstro e estaria machucado a ponto de não retornar para a caverna. Além disso, não havia nenhum traço de batalha por perto.

Ah, é mesmo!

A sensação gélida do metal de seu anel a fez se lembrar de algo importante: a ressonância permitia acessar a localização dos pactuantes.

Como os dois sempre estiveram próximos, ela nunca precisou usufruir desse recurso. Quem diria que quase esqueceu que isso existia?

Ao usar o Pacto de Ressonância, conseguiu sentir que Raizel estava muito longe, mas ainda continuava no Continente Sombrio de Erebus.

Isso lhe causava uma sensação estranha. Ela não só sabia onde o rapaz estava como também qual rota traçar até chegar lá.

— Então ele não me deixou pra trás. — Levou uma mão até o estigma em seu peito e apertou o tecido da blusa com força. — É, ele nunca faria isso.

A única coisa que lhe preocupava era o fato de que o seu parceiro havia se aprofundado no continente.

Pelo que ouviu, os inimigos daquele lugar eram ainda mais perigosos do que os que os dois enfrentaram naquela ilha. E Petra sabia muito bem o nível dessas criaturas.

Um som de galhos se quebrando no meio da floresta mórbida, e a aproximação de uma aura bestial tiraram a jovem dos seus pensamentos. Até mesmo ignorou os resquícios do frio que sentia.

— Venha, Bellatrix. — Claro que os monstros não a deixariam em paz por tanto tempo.

A garota pulou da rocha com a espada na mão e observou atentamente o que causava a quebra dos galhos e o farfalhar das folhas.

Logo o ambiente começou a aquecer. A sensação de frio, aos poucos, foi embora. O calor continuava a crescer de forma exponencial.

Um cheiro tóxico de fumaça tomou conta da atmosfera gradativamente. As árvores ao fundo queimavam e o fogo se aproximava devagar.

Petra arregalou os olhos em surpresa ao ver os monstros que vinham ao seu encontro: um grupo de cinco seres.

Assemelhavam-se a cavalos de pelagem marrom, contudo lhes faltavam algo: as cabeças.

Dos seus pescoços saíam potentes labaredas de fogo. Os seus cascos quentes deixavam queimaduras semelhantes à lava no chão, e o solo fumegava em ardência.

— Mula Sem Cabeça? — Raizel havia lhe contado uma lenda da Terra sobre esses monstros.

A história era sobre uma mulher que teve relações sexuais com um padre e foi amaldiçoada por isso.

A pobre mulher foi condenada a se transformar nessa criatura bizarra em certas noites e vagar insanamente pelas matas e campos.

Nada era capaz de pará-la. A quem cruzasse o seu caminho, restava apenas o triste fim de ser esmagado pelos seus cascos ou queimados pelas suas chamas.

Tudo o que Petra queria naquele momento era que isso fosse apenas um conto. A ideia de matar pessoas, ainda que monstrificadas, era algo que pesava em sua mente.

Sem respeitar os pensamentos da garota, os monstros relincharam e avançaram com tudo contra ela.

O que estava na dianteira lançou, sem hesitação, a sua Labareda de Fogo, forçando a garota a se jogar para o lado, escapando do calor escaldante.

A rocha atrás de si recebeu o ataque do animal. Bem, o que antes era uma rocha, agora, não passava de pura lava.

A garota também realizou a sua investida. Avançou direto contra uma das criaturas e, como ela esperava, foi atacada por mais uma Labareda de Fogo.

Era com isso que a jovem contava: se a Mula possuía um ataque poderoso, Petra detinha a Absorção de Matéria da sua espada.

A Bellatrix devorou todo o fogo. O calor caiu aos poucos e deu lugar, mais uma vez, ao frio de Erebus.

Petra desprendeu a energia da sua arma e preparou um corte ascendente, no entanto, a sua inimiga não teve medo e seguiu em frente.

O som pesado do trote foi substituído pelo relinchar do monstro quando este ergueu as patas dianteiras para esmagar a garota.

Petra obteve sucesso em cortar a Mula debaixo para cima, todavia as ferraduras de prata ardente ainda vinham com tudo em sua direção.

De última hora, ela conseguiu se defender usando um escudo de energia.

Impressionante. Mesmo que já tivesse sido partida em dois, os cascos conseguiram rachar o escudo da garota.

— Isso é mau.

Tomar um golpe desses diretamente, eis uma ideia desagradável.

Petra se preparou para avançar contra as quatro criaturas restantes, mas parou quando a cercaram em uma roda, correndo ao seu redor.

Observou bem cada um dos movimentos dos seus inimigos, inclusive aquele relinchar desafinado que já estava se tornando irritante.

Afinal, como esses bichos relinchavam, se não possuíam as cabeças? Bem, isso poderia ficar para outra hora. O que importava agora era como atacar.

O último embate foi suficiente para mostrar a jovem que atacar pela frente era problemático, tanto pelo fogo quanto pelos cascos.

Atacar por trás era tão ruim quanto. Ninguém queria tomar um coice daqueles bichos.

Tudo o que restava era atacar as suas laterais ou as suas costas, e assim, ela o fez.

Com o auxílio do Aumento de Gravidade, conseguiu parar uma das criaturas e parti-la ao meio antes que recebesse alguma baforada das outras.

A terceira Mula foi abatida, e a quarta nem teve chance de sobrevivência.

Por estar ocorrendo tudo bem, um pequeno momento de desatenção foi suficiente para que o quinto monstro tivesse a oportunidade de preparar uma Labareda de Fogo muito mais poderosa que as anteriores.

Petra se virou rápido, mas o ataque já estava preparado. Era necessário criar um escudo de energia, mas será que ele resisti…?

Do nada, uma lança vinda do céu perfurou as costas da criatura. A Mula grunhiu de dor e soltou as chamas descontroladas por todas as direções.

A garota conseguiu se proteger com o escudo. Talvez, por causa do ataque ter se dispensado, o escudo foi capaz de resistir ao calor infernal.

Petra se preparou para finalizar o monstro, mas quem realizou a tarefa foi a portadora da lança desconhecida.

Tanto sua idade quanto altura eram próximas das de Petra. Os seus cabelos eram castanhos, e os seus olhos tinham cor de mel.

A salvadora se aproximou do monstro preso no chão e o reduziu a pó com um simples toque de mão.

Tudo o que Petra conseguia pensar era que aquela habilidade lembrava um pouco a Absorção de Matéria da Bellatrix; porém, em vez de absorver, ela apenas desintegrava.

Normalmente, só usava a espada para absorver energia. A ideia de desintegrar o corpo de um ser vivo para gerar energia era algo perturbador.

Ao observar o desconforto de Petra, a lanceira desmaterializou sua arma e se pôs a caminhar em sua direção.

— O que você faz aqui? — indagou, observando-a de forma desconfiada. — Ainda que seja só uma ilha, esse lugar ainda é Erebus, sabia?

Huh? — Petra percebeu algo estranho: a energia da pessoa à sua frente se assemelhava à energia bestial. — Eu estou treinando. E voc…?

— No Continente Sombrio?! — A garota até parou a uma pequena distância. — Quem é louco o suficiente pra ter uma ideia dessas?

— Err… bem… — Talvez o parceiro dela.

— Que seja. Vamos embora daqui. — Estendeu sua mão para a espadachim. — Eu te escolto até o lado de fora dessa névoa.

Por um instante, hesitou em segurar a mão da moça. Haviam duas razões básicas para isso: a primeira foi pelo fato de que aquela mão desintegrou um ser vivo, já a segunda…

— Eu não posso ir agora. Tenho que esperar meu parceiro.

"Parceiro?" — Agora foi a vez da lanceira hesitar. Então isso significava que… — Você faz parte de um duo da Academia?

As Academias estavam agindo por aquela região? Então por que essa garota foi a única pessoa que ela encontrou durante seu trajeto de volta para a instalação?

Antes que Petra pudesse responder qualquer das suas perguntas, a interrogadora continuou:

— Pra onde o seu parceiro foi? — Que fosse qualquer lugar, exceto o centro do continente.

— Eu não sei… — Talvez, por ter acabado de conhecer essa pessoa, Petra hesitou em lhe contar a verdade.

Hein?

— Ele sumiu.

— Então virou comida de monstro.

Hm! Hm! — Negou com a cabeça e segurou o anel em seu dedo. Se a vida dele estivesse em risco, a ressonância avisaria. — O Rai jamais perderia pra um monstro.

— Olha, eu até entendo sua preocupação, mas você tem que sair daqui. Quem sabe que tipo monstro pode aparecer?

Mesmo que tentasse esconder, a preocupação daquela garota se destacou por um instante. Ela estava preocupada com a sua segurança ou…?

— Mas e você? O que faz aqui?

A garota suspirou e abaixou o rosto. Se possível, ela gostaria de não ter que matar outras pessoas desnecessariamente.

— Isso é ruim, muito ruim. — Olhou para as palmas das suas mãos, as mesmas mãos que ceifaram a vida de pessoas preciosas para ela. — Tudo estava indo bem enquanto você agia como uma menininha ingênua.

Quando a lanceira materializou sua arma mais uma vez e deu um passo para frente, Petra apertou o cabo da Bellatrix e buscou distância.

— Por que você tinha que ser esperta?

Avançou rapidamente, mas não o suficiente para que Petra fosse incapaz de se defender.

As armas colidiram. O tilintar agudo do metal rompeu o silêncio da ilha isolada.

Ao que lança e espada tencionaram uma contra a outra — naquele curto espaço que separava as garotas — a patrona falou:

— Aquela pureza que havia mostrado, por um momento, eu até senti um pouco de… inveja.

Chão, águas e tudo o que havia ao redor começou a tremer, forçando as garotas a se separarem uma da outra. Aquele efeito não era consequência dos seus golpes.

As ondas de choque da colisão entre Raizel e Orgulho haviam alcançado aquele lugar.


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