Volume 1 – Arco 6
Capítulo 53: Boas Novas
"Céus! Ela está chorando mesmo." Auriel observava a pequena garota caída no chão e aos prantos. — Aham! — Levou uma mão até a boca, enquanto limpava sua garganta. — Você já desistiu, mocinha?
Ao ouvir aquilo, Petra se esforçou para se levantar e enxugar as lágrimas. Talvez ainda houvesse um resquício de esperança.
Ela mal era capaz de enxergar Auriel direito. Os seus olhos estavam avermelhados e úmidos por causa do choro, e a sua voz ainda vacilava.
Conseguiu se erguer, mas as suas pernas continuam dormentes devido ao excesso de gravidade a que foi submetida.
— Eu… posso tentar de novo? — A sua espada veio até às suas mãos trêmulas. — Eu posso… fazer mais do que isso.
Era o que dizia, mas, nesse momento, a Bellatrix servia apenas como uma espécie de muleta para que a garota se mantivesse de pé.
— Basta. Isso já foi longe demais. — Um balançar negativo de mão e uma pontada na consciência foi tudo o que recebeu. — Mais do que isso, e você morre.
— Mas… Mas, por favor!
— Mocinha, isso já acabou. — O anjo estalou os dedos, e as feridas da garota sumiram, junto ao cansaço.
Curada, a garota ficou em silêncio. Mesmo que ainda tivesse técnicas para mostrar, ela foi derrotada antes mesmo que tivesse a oportunidade de usá-las.
Essa era a dura realidade do campo de batalha. Não importava se o indivíduo possuísse um arsenal vasto de habilidades, se ele morresse antes de usá-las, elas não serviriam de nada.
— Por sinal, mocinha, você disse que queria obter uma Veste Divina para retornar para casa, mas quando estava caída no chão, você pediu desculpas para o filho do Azriel.
— É, bem… — Quem diria que teria que falar disso para uma desconhecida? Dava até uma certa vergonha. — Eu prometi que ia proteger o Rai, que nem ele me protegeu.
O anjo arregalou os olhos, incrédula àquelas palavras. Auriel estava preparada para ouvir qualquer tipo de resposta, mas isso…
Quem desejaria proteger aquele cara? Ele já era forte por si só e, mesmo que não fosse, ninguém teria um motivo para tal.
Foi quando o anjo se deu conta de algo.
— Entendo. Então vocês têm esse tipo de relação.
— Hã?
— Faz sentido. Alguém como aquele garoto nunca forjaria uma arma divina e faria um Pacto de Ressonância com alguém que não fosse especial para ele, acho eu.
— "Especial"? — Petra estava para virar um pimentão vermelho. Ela entendeu muito bem o que Auriel quis dizer. — Co-Como assim?
— É exatamente o que você está pensando, mocinha.
A garota ficou calada e encarou o anjo. De fato, seu parceiro era até que bem carinhoso com ela, exceto nas vezes em que a chutava no meio de um monte de monstros ou coisas do tipo.
Contudo, ele já foi tão atencioso com outra garota além dela? Era difícil dizer, já que ele possuía poucas amizades.
Talvez ele fosse assim com a Sophie e a Eirin também, quem sabe? Mas, se fosse assim, o tratamento que ela recebia seria tão banal.
"Não. Não. Não." Levou as mãos ao rosto. As suas bochechas estavam quentes, mais do que deveriam. "O que é que eu tô pensando?"
— De início, eu pensei que ele só estava interessado no seu potencial como uma Chave de Goétia, mas talvez eu estivesse errada.
— "Chave de Goétia"? — Esse termo a tirou dos seus pensamentos. Nunca o ouviu antes.
Foi nesse momento que Auriel se deu conta de mais uma coisa:
— Então ele escondeu isso de você também? — Respirou fundo e então completou: — Olha, quando retornar é melhor colocar esse garoto contra a parede. Me ouviu, mocinha?
— Uhum! — Mas Petra ainda estava um pouco insegura quanto a isso. Tá aí algo que ela nunca se viu fazendo. — É, bem… o que é essa Chave de Goétia que você falou?
— Pergunte para o seu parceiro. Aproveite e dê uma bronca nele por ter escondido isso. — Recolheu a sua espada e se aproximou da garota. — Agora vamos focar em firmar o contrato da Veste Divina.
— Hã? Eu… Eu fui aprovada?!
— Bem, Sim.
— Mas eu perdi.
— Huh? — Auriel expressou tanta confusão quanto a humana, mas prosseguiu com a sua fala: — Você queria derrotar um anjo?
— Bem… — Talvez porque era o óbvio a se pensar. Ao menos, era isso o que esperava.
Mas, depois de experimentar o poder de Auriel, Petra entendia bem. Mesmo se tivesse uma segunda chance e lutasse em seu máximo, o resultado não seria muito diferente: o anjo venceria sem muito esforço.
— Mas meu desempenho foi bom, mesmo?
— Habilidade de luta, estratégia, determinação, gerenciamento de emoções e, principalmente, um bom coração. — Refletia com a ponta de um dedo em seus lábios. — Eu diria que tá aceitável.
Todos os critérios, com exceção do último, estavam ligados à batalha, uma vez que a Veste Divina seria usada para isso.
O último, por sua vez, era o mais peculiar — e também o mais importante — pois um anjo jamais concederia seu poder para um ser com tendências malignas.
— Para gostar tanto do filho do Azriel, tem que ter um coração e tanto. — O anjo estava apenas brincando, mas percebeu que a garota ficou um pouco sem jeito.
— Sabe, eu e o Rai não temos bem esse tipo de relação.
— Mas você sempre o chama por esse apelido carinhoso e o defendeu com tanta determinação. Eu pensei que…
— A gente é só um duo — respondeu balançando as mãos em frente ao corpo. — É só isso, mesmo.
— Hmmm! Entendo. — O anjo suspirou e abaixou o rosto, como se estivesse decepcionado com isso. — Ele não mudou tanto, não é?
Aquela era uma reação que a garota não esperava, após ver a forma com que Auriel falava sobre o seu parceiro desde que escutou o nome dele pela primeira vez.
Notando o silêncio da moça e entendendo a razão por trás dele, o anjo logo esclareceu a situação.
— Aquilo era só uma atuação, entende? — Colocou as mãos para trás das costas e olhou para o céu. — Alguns de nós já não têm tantos problemas em relação ao filho do traidor, mas grande parte ainda nutre uma repulsa profunda.
Saber que nem todos os anjos o odiavam, era uma notícia muito boa para Petra. Quando viu Auriel usar um tom hostil para se referir ao seu parceiro, aquilo realmente mexeu com ela.
— Pessoalmente, eu sinto um pouco de pena daquele garoto. Então… — Dirigiu um sorriso gentil para a mocinha. — Se você pudesse cuidar do filho do meu ex-companheiro, eu ficaria bem feliz.
— Uhum! — Assentiu com a cabeça. — Pode deixar comigo.
Com um sorriso no rosto, o anjo se aproximou e colocou sua mão sobre o estigma, que ficava acima do busto da garota. Estava na hora de firmar o contrato, porém, algo fora do seu planejamento ocorreu.
O estigma de Petra irradiou um brilho incomum, e a sua visão embaçou. Quando se deu conta, Auriel havia sumido, e ela estava em lugar diferente.
Encontrava-se no alto de uma montanha. Logo abaixo, várias árvores e rios se espalhavam pelo lugar, mas o que mais chamava a sua atenção era o tamanho das plantas.
Tudo era, simplesmente, enorme. Como um lugar assim poderia existir? Na verdade, quem viveria ali? Ou as árvores cresceram tanto pois não havia quem as cortasse?
Essas perguntas foram interrompidas ao ouvir o poderoso sim de um pássaro ecoar pelos ares. A garota se virou tão rápido quanto pôde para observar o animal.
Uma grande águia, cujas asas cobriam o sol, fazia o ambiente, antes claro, ficar escuro como a noite. A criatura era tão grande que as árvores abaixo pareciam insignificantes frente à sua majestade.
Suas asas começavam com uma coloração marrom e terminavam em cinza. Marrom também era a cor predominante das penas do seu corpo, e cinza era a cor do seu pescoço e cabeça.
Quando a águia avistou a pequena garota, gritou para ela. O som das suas cordas vocais abalou o ambiente ao redor de Petra e fez a sua consciência retornar para junto de Auriel.
— O que… O que foi isso? — A garota estava assustada, mas ainda podia sentir a mão do anjo sobre o seu peito.
Aquela à sua frente, por sua vez, portava um sorriso que carregava um certo tom de surpresa, mas também de contentamento.
"Quem diria?", pensou. "O Guardião dos Céus".
Petra queria indagar mais sobre o ocorrido, mas a sua mente começou a ser preenchida pelas informações da sua Veste Divina e da habilidade que ganhou de Auriel.
— Huh? Tá tudo bem me dar uma habilidade assim?
— Mocinha — disse enquanto retirava sua mão do estigma da garota — isso é só o começo. Ao compreender a essência da sua Habilidade Inata, você conseguirá fazer coisas ainda maiores.
Nada melhor do que aprender algo direto de um anjo.
— Contudo, ainda é necessário treinar bastante. Não transforme seu planeta em pó, entendeu?
Tudo o que Auriel fez foi passar as informações para a garota e mostrar como se faz, porém isso não significava que ela já dominava a técnica plenamente.
Contudo, em posse da energia divina, Petra poderia maximizar os seus estudos e o seu aprendizado. Ela aprenderia a técnica passada por Auriel com mais facilidade do que antes.
— Obrigada, Auriel. — A garota esboçou um sorriso genuíno, o que ocasionou a mesma reação no anjo.
— Já quanto ao filho de Azriel… — Empurrou a mocinha para trás de forma gentil e completou em meio a um sussurro: — Eu estarei torcendo por vocês.
Nisso, o ambiente à volta começou a ficar embaralhado e, antes que pudesse falar algo a mais, a garota já estava retornando para o plano físico.
Petra se viu sozinha onde deveria existir o Círculo de Transporte Espiritual gravado no chão. Ela se sentia muito bem e feliz.
Estava ansiosa para dar as boas novas para o seu parceiro. No entanto, quando se virou para trás, com um sorriso radiante em seu rosto, ele… não estava lá.