Volume 1 – Arco 6
Capítulo 51: O Peso da Gravidade
Enquanto Raizel enfrentava o Archlich, um indivíduo mascarado observava a luta de forma discreta ao longe.
Dado a semelhança entre a sua energia e a de um monstro, era difícil identificar que havia um humano nas redondezas.
Mesmo com a sua visão de arqueiro, o homem não conseguia enxergar mais do que alguns poucos vislumbres da luta, devido à densidade do miasma de Erebus.
Todavia, isso mudou quando a luta se encerrou, e aquele que enfrentava o monstro desceu para dentro da terra. Nesse momento, foi possível se aproximar e tomar a sua pior ideia.
Aquele cara que derrotou um Classe Apocalypsis parecia perigoso, ele tinha que desaparecer antes que resolvesse se aprofundar ainda mais no continente.
— Será que foi suficiente? — Observava o cogumelo de poeira e fuligem que, que se erguia em direção ao céu.
Era difícil imaginar que alguém sobreviveria aquilo, principalmente estando no subsolo, onde as ondas de impacto seriam ampliadas ao reverberarem nas paredes da caverna.
— Que maneira peculiar de dar as boas-vindas, heim? — Soou a voz do que saía da poeira.
O coração do indivíduo pulou um passo ao ver claramente quem foi a pessoa que ele atacou. Pelas informações que a Perpetuum recebeu, esse cara deveria estar treinando fora da Academia.
Isso significava que essa história era só uma fachada para enviar esse cara em segredo para Erebus? Mas por quê?
"A Academia só descobriu a nossa existência depois dele ter saído, não?"
As dúvidas do indivíduo foram interrompidas quando a poeira se dissipou por completo e revelou o que Raizel trazia embaixo do seu braço.
— Essa caixa… — disse enquanto estendia a mão em direção ao nefilim — entregue para mim.
Dado apenas a aparência da caixa era difícil ter certeza, mas se a Academia estava envolvida nisso, havia uma pequena chance daquela ser a caixa que contém o artefato que eles tanto procuravam. De qualquer forma, só existia um jeito de confirmar.
— Ah, claro. — Sem pestanejar, Raizel ergueu a caixa de madeira em direção ao desconhecido. No entanto, ela foi sugada para dentro do seu anel de ressonância e desapareceu. — Olha só! Ela sumiu.
— Tsc! — Aquele desgraçado ousava zombar dele?! — Seu filho da puta!
— Humph! — Jogou os trapos do seu sobretudo fora, dando total destaque para a camiseta que vestia por baixo, a qual não estava em um estado muito melhor.
O rapaz observou melhor a energia do seu inimigo. O que diabos era ele? Um humano? Um monstro? Um monstro com aparência humana?
— Quer saber? Eu tava pensando só em te matar e levar a caixa, mas talvez eu só te deixe perto da morte — falou enquanto estendia uma mão para a frente e a fechava com força. — Então você poderá dizer para aqueles seus amiguinhos de merda que quem te espancou fui eu, o poderoso Patrono da Ganância!
Parecia apenas um simples disparo de energia, uma vez que Auriel nem sequer esboçou o mínimo de esforço no seu ataque. Ao menos, era o que Petra pensava até que o ataque explodiu ao fundo.
A garota teve que se inclinar e pôr força nos joelhos apenas para não ser arremessada para longe pelas ondas de choque e de calor, que abalaram o ambiente à volta.
Petra olhou de leve para trás para ver a devastação — um enorme buraco. — Aquilo só poderia ser brincadeira. Nesse ritmo ela morreria no instante em que a sua adversária quisesse.
— Distraída. — A espada do anjo desceu em direção ao ombro da moça em um movimento limpo e simples, sendo, por pouco, bloqueado pela arma dela. — Que bela espada.
A jovem respondeu com certa dificuldade, ao passo que seus pés afundavam na cratera que se formava devido à pressão da arma de Auriel: — Foi o Rai… quem fez.
Petra tentou utilizar a Absorção de Matéria da sua arma para absorver a espada do anjo, mas o resultado obtido foi diferente do esperado. As duas armas brilharam e se repeliram, jogando as duas para longe uma da outra.
A garota sabia que precisava se recompor rápido. Aquela luta tinha começado muito mal para o seu lado. A sua adversária logo percebeu a sua intenção, mas deixou-a alcançar o seu objetivo sem problemas.
— É difícil de acreditar que o filho de Azriel tenha feito isso. — O anjo cerrou os seus olhos e observou a Bellatrix com mais atenção e cuidado. — Uma arma divina. Ele te armou bem.
De início, a humana ficou confusa, e o anjo percebeu isso. Mas a jovem decidiu focar em ativar as runas e corrigir a postura o quanto antes. Considerando a velocidade e a força da sua oponente, qualquer deslize poderia ser fatal.
— Provavelmente, esse era o único aço divino que ele possuía. — Então Auriel deu um passo para a frente e apareceu diante de Petra. — Quem diria que ele usaria em benefício de outra pessoa?
Na colisão das armas divinas, Petra foi pressionada para trás, mas conseguiu manter a sua base e defender o próximo ataque. Dessa vez, ela deslizou a lâmina da sua adversária e direcionou o dano para o lado.
O chão rachou, e alguns pedaços de cristais azuis voaram entre as lutadoras.
— Oh! Nada mau!
Assim, o anjo continuou lhe atacando, mas com o auxílio das runas, Petra estava com mais facilidade de perceber os movimentos e de desviar deles. Tudo isso enquanto buscava uma chance de atacar.
Auriel ficou admirada com a mocinha. Bastou alguns golpes para ela notar que a melhor forma de enfrentá-la era ficar na defensiva, ao menos, por enquanto. Só se defender não traria a vitória, apenas adiaria a derrota.
Aquela menina sabia medir a diferença de força existente entre ela e os seus adversários. Afinal, desde o início do seu treinamento, Petra sempre teve que enfrentar monstros mais poderosos do que ela.
Teste de combate: aprovada.
— Então o que mais o filho de Azriel escondeu de você?! — Em meio à enxurrada de estocadas, o teste psicológico se iniciou.
A garota passou a sofrer para desviar dos ataques que se tornavam cada vez mais velozes e intensos — só era possível notar alguns vultos. Ademais, ela só conseguia se defender na base de instintos e reflexos.
— O Rai… — Um chute na barriga, desferido muito mais rápido do que antes por Auriel, empurrou a garota para longe, ceifando suas palavras.
Petra deslizou pela vastidão do piso de cristal azul. Estava difícil de se levantar. Embora não sentisse a dor, seu corpo fraquejava.
— Ele escondeu o seu passado de você! — O anjo começou a andar em sua direção pisando forte, fazendo o chão tremer. — Ele escondeu a verdade sobre essa espada para você! — O corpo de Petra pesou de repente e estava para ser esmagado contra o chão. — Ele sequer confia em você?!
O chão estourou pelo aumento demasiado forte e repentino da gravidade. — Argh! — Bateu o rosto contra o solo, e o sangue começou a escorrer pela sua testa e lábios. — Q-Qual o seu problema com ele?
A garota sentia dificuldades em se erguer. Independente do quanto tentasse romper aquele campo de gravidade, ela estava falhando miseravelmente.
— "Por quê"? — indagou Auriel, repleta de indignação. — Porque a existência dele mancha a essência de tudo… o que é… divino!
— Só… por isso? — Logo o anjo também sentiu o seu corpo pesar contra o chão, chegando a sofrer uma leve inclinação.
A garota que antes parecia tão gentil, agora, lhe lançava um olhar felino e irreverente.
— Vocês sempre foram assim com ele? — Petra aumentou ainda mais a gravidade contra Auriel, fazendo-a usar a espada como cajado para não sucumbir ao chão de cristal. — Tudo isso é passado, então por quê? Por que todo mundo é assim com ele?!
A fronteira entre o plano físico e o espiritual tremia e estremecia pela disputa das duas. Rachaduras e crateras se abriram continuamente, uma após a outra.
Qualquer pedaço do solo que se soltava era quebrado e esmigalhado até restar nada além de pó.
— Quando ele está em público, ele nunca… ele nunca sorri! — Lançava ataques verbais ao anjo, enquanto seu nariz começava a sangrar. — É como se ele não se sentisse confortável em lugar nenhum!
— Isso é culpa dele!
— Eu sempre pensei nos anjos como seres puros e bons — sussurrou, ao passo que sua visão escurecia, e a intensidade da gravidade começava a distorcer o espaço ao seu redor. — Eu… me enganei.
Assim, as forças de Petra se esvaíram e ela desabou por completo, sentindo o peso da gravidade que tanto se esforçou para dominar.
Auriel, por sua vez, recompôs a sua postura e andou até a garota, ficando a um passo de pisar na cabeça dela.
— Já é o suficiente, mocinha.
A técnica do anjo se desfez, mas a humana já não conseguia mais se levantar. Levou — bem devagar — os dedos trêmulos até a empunhadura da sua espada. Todavia, faltavam-lhe forças para segurá-la.
— Rai… — Ela perdeu sem conseguir usar metade do que havia aprendido. Ela não teve a menor chance de vitória. Desde o início, estava fadada ao fracasso.
Ele se esforçou tanto para treiná-la. Dedicou tanto tempo e atenção a ela. Ainda assim… Ainda assim…
— Eu sinto muito… — Os seus olhos ardiam e, sem um pingo de esperança, as lágrimas escorriam pela sua face. — Eu sinto muito, mesmo.
A aura de Raizel explodiu de repente, lançando uma enorme quantidade de destroços e de massa de ar para todos os lados.
O inimigo, à sua frente, ficou confuso e logo levou os braços em direção ao rosto para defender os seus olhos das rajadas de energia vermelha.
"O que deu nesse puto?!"
Por via das dúvidas, o pecado apertou um botão do seu relógio. Se tudo desse errado, algum dos seus companheiros viria para concluir o trabalho.
O nefilim ignorou a existência daquele indivíduo. Levou uma mão ao rosto. Os seus dedos tremiam, e os seus olhos brilhavam intensamente.
"Mas o que…?" A sua mão mecânica apertou o cabo da Espada do Princípio com força. "Essa vontade de matar alguém".