Volume 1 – Arco 6
Capítulo 50: Relíquia Perdida
Várias linhas vermelhas e roxas se espalharam pelo céu da cidade morta. Suas colisões causavam um tilintar estridente — o som agudo da espada colidindo contra o cajado de ossos.
As ondas de choque abriam um espaço limpo na névoa carmesim de Erebus, no entanto, não durava mais do que alguns poucos instantes. O miasma era tão persistente quanto os dois que se enfrentavam.
Raizel combinou uma sequência de cinco Círculos de Propulsão e, com um movimento de zigue-zague, atacou a pilha de ossos com o Terceiro Ato da Espada do Princípio.
No entanto, o seu inimigo conseguiu desviar, jogando o corpo para o lado, e o feixe de energia atingiu as ruínas de algumas casas, templos e prédios.
O corte limpo fez com que as construções deslizassem e completassem o seu estado de destruição.
Enquanto isso, Raizel e o Archlich continuavam se degladiando no alto. O homem-esqueleto ficou na defensiva, apenas desfiava e rebatia as investidas do garoto.
O nefilim, por outro lado, continuava a usar os seus Círculos de Propulsão para atacar de diversas direções.
— Tsc!
Aquele desgraçado não só estava acompanhando os seus movimentos como também conseguia desviar do Terceiro Ato — uma técnica que supera em muito a velocidade do som.
"Eu preciso encontrar essa filactéria logo de uma vez, mas pra isso…"
O problema estava naquela névoa que estava escondendo o objeto muito bem, além do Archlich, que não agiria de forma passiva enquanto o receptáculo da sua alma estivesse sendo destruído.
E por falar no cão, em um momento de vacilo, o desgraçado conseguiu acertar um disparo de Nether contra Raizel. A sensação de ter sua vida drenada era a pior possível.
— Maldito poder da morte! — praguejou enquanto era empurrado em direção aos exércitos de autômatos e de mortos.
Um lagarto morto-vivo esticou a sua língua para agarrar o nefilim, que passou voando como uma bala. Todavia, um louva-a-deus de metal cortou a língua da criatura e se lançou contra ela.
"Eu até me sinto tentado a usar esses bichos mais vezes", pensou Raizel enquanto os seus pés se arrastavam pelo chão, buscando apoio.
Quando o garoto conseguiu se estabilizar, o Archlich desceu contra a terra, abalando-a. Os olhos da caveira encaravam o rapaz de longe.
— Oh! Quem diria? — expressou enquanto via algumas pequenas mechas roxas se espalharem pelo cabelo do seu oponente. — Resistência a Nether.
Aquele ataque deveria ter arrancado vitalidade o suficiente para transformar o garoto em um monte de ossos cobertos por uma camada de pele seca.
— Humph! — Enquanto passava a mão pelo seu cabelo, as mechas estranhas começavam a desaparecer. Então encarou o inimigo com um olhar zombeteiro. — A sua técnica foi fraquinha demais.
— Hahahahaha! Deveras… — Um dragão de platina ousou atacar o necromante em meio à sua fala. — Interessante!
Com um movimento de seu cajado, o Archlich reduziu o autômato a vários pedaços de metal.
Aproveitando a pequena abertura, Raizel disparou como um raio escarlate. Só arrancar um pedacinho daqueles ossos já seria suficiente.
No entanto, duas centopeias mórbidas se ergueram do chão e se puseram no seu caminho.
— Saiam… da minha… frente! — Disparando um Legato, continuou a avançar. Em resposta, o rei dos mortos-vivos também lançou uma rajada de Nether.
Para as pobres centopeias, que ficaram em meio ao fogo cruzado, restou-lhes apenas o destino de serem reduzidas a nada além de pó, pela colisão dos poderes.
Nenhum monstro ou autômato ousava se aproximar, ou melhor, nenhum deles ousaria atrapalhar o seu respectivo mestre.
— Primeiro Ato: — A broca de energia vermelha começou a se expandir, tornando-se em um redemoinho que começou a devorar o Nether com facilidade. — Prelúdio!
No que o Prelúdio atingiu o Archlich, Raizel usou um Círculo de Propulsão, avançou no meio da energia e finalmente cortou as costelas do seu inimigo. Sendo mais preciso, arrancou um pequeno pedaço dela.
"Agora sim." Em um instante, o pedaço de osso foi envolvido pela aura do garoto e foi atraído até a sua mão. "Você vai morrer".
De repente, uma fisgada inusitada afligiu o seu braço direito, o que segurava a arma.
Foi nesse momento que o rapaz percebeu que o seu adversário não segurava mais o cajado de ossos.
Quando olhou um pouco para trás, o que ele viu foi uma foice de ossos envolvida pela aura do monstro.
— Merda! — Deu um salto em direção aos céus, mas o homem-esqueleto pegou a arma e o perseguiu.
O que realmente lhe preocupou foi o ferimento causado pelo cajado transformado em foice. O corte era pequeno, no entanto, a carne logo começou a escurecer e a necrosar.
Pouco a pouco a sua Resistência a Nether começou a ser sobrepujada. Se algo não fosse feito, aquilo iria tomar conta de todo o seu corpo.
O garoto criou e lançou várias armas contra o seu oponente para retardar o avanço dele. Então estendeu o braço ferido para o lado.
— Te devo um elogio. — Assim, um machado surgiu no ar e cortou o seu próprio braço. O membro decepado caiu junto com a katana que segurava. — Seu controle sobre o Nether é um dos melhores que eu já vi.
— O que pretendes fazer agora? — indagou, vendo o garoto perder rios de sangue.
Mesmo com uma capacidade regenerativa tão grande, seria necessário um bom tempo para curar aquele ferimento, visto que sua vitalidade estava sendo drenada sem parar.
— Ah, tudo bem. A sua situação é pior do que a minha, afinal. — Pegou o pedaço de osso que estava na sua mão esquerda e jogou na boca. — Urgh!
A sensação daquele objeto nojento descendo pela sua garganta e causando alguns arranhões era simplesmente nojenta.
— Huh? — Um pouco mais abaixo o Archlich observava a situação sem entender nada. — Enlouqueceste?
— Ah, como eu detesto isso. — Raizel apontou o seu membro decepado em direção ao seu inimigo. — Venha a mim!
O rei dos mortos-vivos pensou que estava se referindo a ele, mas não podia estar mais errado. A Espada do Princípio, que havia caído, passou zunindo por ele e foi em direção ao garoto.
Antes que a arma o alcançasse, uma prótese de metal negro se formou no corpo do rapaz, substituindo o membro perdido e segurando a katana. A arma e o braço mecânico combinavam perfeitamente.
— Morra. — Ergueu a arma e concentrou uma grande quantidade de energia no fio da lâmina, então executou mais um Presto.
O monstro esperava que o ataque viesse em sua direção, mas ele foi desviado para atrás do garoto onde, mais ao longe, estava um cristal roxo escondido em meio à névoa — a sua filactéria.
— Quê?! — Foi tão rápido e inusitado que o necromante nem teve tempo de processar a situação direito. O seu corpo logo começou a se desfazer em pó e, em seguida, em névoa.
— Você deu muito azar de enfrentar um usuário de Manipulação de Energia.
Quando Raizel engoliu o osso do Archlich, ele pôde processar e se ligar à essência da energia do seu adversário e, dessa forma, sentir a localização da sua filactéria.
Afinal, por mais que o corpo estivesse separado da alma, os dois ainda possuíam algum tipo de ligação.
— Ahahahaha! Tu és deveras cativante! — expressou suas últimas palavras enquanto o seu crânio de desfazia. — Sou eu que te devo um elogi…
Junto ao seu líder, o brilho roxo dos mortos-vivos começou a abandonar o campo de batalha. Em seguida, os autômatos de Raizel também começaram a desaparecer.
E o que antes era um campo de guerra voraz, agora, não passava de um deserto solitário onde apenas uma alma imperava viva.
O nefilim desceu até onde o seu braço estava caído. Apenas os restos apodrecidos e necrosados do membro restavam no chão.
— Isso foi perigoso. — Então apontou sua arma para o braço podre e, com um único disparo, destruiu-o por completo.
Parou por um instante e observou a palma da sua mão esquerda. A Absorção Espiritual começou a fazer efeito, devorando cada gota de energia do inimigo morto e mesclando-a à sua própria alma.
— Que seja. — Fechou sua mão e seguiu o caminho. — Vamos ao que realmente importa.
Andou sem pressa até o local onde havia se deparado com o Archlich, apoiou um joelho e a palma da mão mecânica no solo. Fechou os olhos e respirou fundo. Então…
Boooom!
Uma grande quantidade de poeira e detritos acompanhou a explosão, voando para todas as direções. Quando a confusão baixou, apenas um buraco circular se destacava no chão.
A profundidade era tamanha que o seu fim fugia do alcance dos olhos de Raizel — um breu absoluto.
O rapaz criou uma esfera de energia branca na sua mão para iluminar o caminho, então pulou e se entregou à sensação de queda-livre.
Os seus cabelos esvoaçavam para cima, e o seu sobretudo rodopiava loucamente, ao menos o que tinha sobrado dele.
Quanto mais fundo descia, mais quente ficava. Após alguns minutos, Raizel alcançou o fundo do poço, literalmente. Por ter se aproximado do núcleo do planeta, aquele lugar parecia uma fornalha, diferente do freezer que era a superfície.
Por incrível que parecesse, o ambiente ao redor era um belo salão ornamentado com os mais diversos tipos de artefatos: armas, quadros, esculturas, jóias, etc. Mas o nefilim ignorou tudo e se dirigiu até um monte de cacarecos num canto.
Após vasculhar quase toda a tralha, conseguiu encontrar o que buscava. Nas suas mãos jazia uma pequena caixa de madeira em formato cúbico.
— Eu perdi um braço por isso? — Não importava como olhasse, aquilo era apenas uma caixinha. Nenhum tipo de onda de energia emanava de seu interior. — Espero que realmente seja algo valioso.
Além disso, o local não aparentava possuir algum tipo de mecanismo de defesa ou armadilhas. Como poderia ter algo tão importante por ali?
— Que proteção, heim, Nosferatu?
Foi quando o salão explodiu.
Em um piscar de olhos tudo foi tomado e soterrado por um grande abalo sísmico. Na superfície, uma nuvem de fumaça, semelhante a um cogumelo, ascendeu aos céus.
Observando a cena nos céus, com uma mão estendida em direção à explosão, havia um homem que vestia o característico manto obscuro da Perpetuum.
— Humph! Só um idiota pra vir tão fundo no continente.