Volume 1 – Arco 6
Capítulo 49: Filho de Azriel
Dando um rápido passo à frente, Raizel ficou cara a cara com o homem-esqueleto. Firmou a base dos pés e desferiu um corte descendente em alta velocidade com a Espada do Princípio.
Todavia, seu inimigo permaneceu parado dentro da barreira, que, outrora, foi capaz de parar as armas do garoto.
Uma decisão ruim.
Os entalhes na lâmina brilharam e uma grande quantidade de energia se acumulou no fio da espada.
— Terceiro Ato: — Fosse a barreira, o chão ou o corpo do Archlich, em um movimento limpo, tudo foi cortado ao meio. — Presto!
A surpresa era nítida no semblante cadavérico do necromante. Sua defesa deveria ser capaz de conter até mesmo o ataque de outro monstro da Classe Apocalypsis.
Aproveitando a oportunidade, o nefilim criou um pequeno bastão no meio da fresta da barreira do seu inimigo.
Com a expansão do bastão aumentando a abertura da barreira, ele avançou antes que o esqueleto restaurasse o seu corpo.
— Segundo Ato: — Disparou a broca de energia contra o corpo do Archlich, pronto para o pulverizar. — Legato!
Contudo, o morto-vivo conseguiu mover o seu cajado a tempo e criou uma sequência de três escudos de energia roxa na sua frente.
O ataque de Raizel despedaçou o primeiro e o segundo escudo, limpando o ambiente, com a energia que se espalhava pelos arredores.
De repente, o nefilim cessou sua investida. A presença do seu inimigo já não estava mais atrás do terceiro escudo.
Erguendo seus olhos para o alto, viu a silhueta do Archlich sobrevoando acima da sua cabeça. Os ossos dele já estavam restaurados e intactos, como se nunca tivessem sido danificados.
— Impressionante. Serás uma magnífica cobaia.
— Isso só terá um fim — disse, enquanto dois Círculos de Propulsão surgiam nas solas dos seus pés. Ele tinha que voltar antes do teste da Petra acabar. — Então, poderia entregar sua filactéria logo de uma vez.
Quando o garoto estava a ponto de se impulsionar contra o homem-esqueleto, algo segurou sua perna: uma mão pútrida, que saía da terra.
— Tsc!
— A minha filactéria — anunciava, ao passo que mais mortos-vivos surgiam para prender o seu adversário — jamais a verás.
Um Lich iniciante tem a necessidade de guardar a sua filactéria, o ítem que guarda a sua alma, em algum lugar dentro do próprio corpo.
No entanto, quando se evolui para um Archlich, essa necessidade desaparece, sendo possível guardar o recipiente em meios externos.
Localizar a filactéria daquele monstro era algo difícil, ainda mais em um lugar rodeado por uma névoa tão densa quanto a do interior de Erebus.
— Tsc! — O seu corpo emanou um forte brilho vermelho, desencadeando uma explosão de aura e destruindo os monstros que o seguravam.
— Tu sabes quantas pessoas e monstros morreram neste continente? — O Archlich ergueu as suas mãos e proclamou aos quatro ventos: — Na harmonia da vida, eu entoei a melodia morta!
O solo começou a tremer e a rachar. Raizel mordeu os lábios em irritação e se preparou para enfrentar o que estava por vir.
— Esse poder imundo.
Os corpos de todos os que morreram naquela região começaram a se levantar da terra. Um emaranhado de ossos e carne podre, envoltos por uma densa aura roxa — o Nether.
Os cadáveres de pessoas das mais diversas idades e monstros dos mais variados tipos avançaram e grunhiam para o único que ainda estava vivo e os encarava com desprezo.
Criando uma quantidade de armas, que poderiam equipar um exército inteiro, lançou-se contra os mortos-vivos. Estacas, lanças, espadas e machados colidiram contra os seus inimigos, desmembrando-os.
No entanto, as criaturas se regeneravam e continuavam a avançar. Os cadáveres de pessoas comuns não eram desafio, o problema era os monstros e aqueles que possuíam alguma Habilidade Inata.
Os mortos trazidos de volta à vida por um Archlich mantinham todos os seus poderes e habilidades. E ali havia tantas criaturas que cobriam toda a terra.
Uma centopéia gigante eclodiu do solo, arremessando Raizel para cima. O garoto criou um escudo para evitar que a criatura o devorasse, mas o equipamento começou a derreter por causa de um líquido corrosivo que o monstro expeliu.
Então materializou uma grande estaca e fincou na boca do monstro, que insistia em persegui-lo no ar. Assim, a centopeia foi empalada contra o chão.
Contudo, os seus problemas estavam longe de acabar. Ainda havia muitos monstros sobrevoando aquela área, nem os céus eram seguros.
Essas criaturas continuariam a retornar enquanto o Archlich estivesse vivo. Enquanto a sua filactéria estivesse intacta.
— Que pé no saco. — No momento em que um grupo de criaturas aladas veio para atacá-lo, o garoto proclamou: — Que não fique pedra sobre pedra.
Do nada, alguns dragões, feitos de metal negro e vermelho, se materializaram e atacaram os monstros que vinham contra Raizel.
Os dragões cravaram suas garras nos peitos das criaturas e cuspiram um fogo escarlate contra elas.
Não só isso, como também vários soldados de metal, com a mesma estética que os dragões, surgiram em terra e começaram a enfrentar os mortos-vivos terrestres.
Aquilo havia se tornado em um verdadeiro campo de guerra, tomado por uma mistura de brilho vermelho e roxo.
— Você achou que era o único que possuía um exército? — Com o auxílio de um Círculo de Propulsão, disparou em alta velocidade em direção ao verdadeiro.
— Esplêndido! — Com o seu cajado de ossos, o Archlich defendeu o ataque, e, com suas armas travadas uma na outra, os dois se encararam. — Tu irradias tanta vida. Tu carregas tanta… morte.
— Então, mocinha. — Auriel continuava a encarar a garota com um olhar firme e penetrante — você fez um pacto com o filho de Azriel ou não?
— "Filho de Azriel"? — Petra demonstrava feições confusas, uma vez que nunca ouviu falar nesse nome. — Você se refere ao Rai, certo?
— Huh?
O anjo estranhou o fato dela chamar aquele cara por um apelido. Se esse era o caso, os dois deveriam ser bem próximos, então como…
— Você não sabe quem foi o pai dele? — Auriel deu um passo para trás, dando um pouco de espaço para a garota, que estava demonstrando sinais de desconforto. — O que você sabe sobre aquele garoto, afinal?
Petra não fazia ideia do porquê isso seria importante para o teste. Ela esperava ter que cumprir alguma prova ou — até mesmo — lutar contra o anjo, nunca uma entrevista.
Ainda assim, pôs-se a contar como os nefilins surgiram em outro planeta após a desobediência de alguns anjos.
Por irem contra a Lei do Mundo que regia a Terra, os híbridos foram mandados para Calisto, mas alguns enlouqueceram e viraram os Gigantes — seres que propagavam o caos por onde passavam.
— Por causa da imagem negativa que os nefilins tinham, o Rai foi mal visto por aqui também. — Com um gosto pesado na boca, ela continuou: — Então ele matou os Gigantes.
— Essa é, basicamente, a história dos nefilins. — Afagando uma das penas de suas asas, confirmou sua hipótese. — Aquele garoto nunca compartilhou a sua pequena era de trevas com você, não foi?
— Huh?
De fato, Petra sabia muito pouco sobre o passado Raizel. Afinal, até a pouco tempo ela não sabia nem o nome do pai dele.
Por sinal, lhe veio à mente que o seu parceiro nunca gostou de falar sobre a própria família e que, nas poucas vezes em que tocou no assunto, ele os chamou de aqueles dois, nunca de pais.
— Me permita te explicar algo — disse Auriel, colocando as mãos para trás e baixando as suas asas. — 25%, esse é o grau máximo de divindade que um ser-humano pode suportar sem efeitos colaterais.
Esse também era o limite máximo de poder que os anjos forneciam aos tenjins, em condições normais. Uma vez acima disso, as pessoas passavam a sofrer diversos efeitos colaterais.
Perda de sanidade mental e deformações físicas, como no caso dos Gigantes, por exemplo, eram bem comuns.
No entanto, havia alguns meios de burlar isso, como: usar esse grau de divindade por um curto período de tempo ou por meio da proteção de uma Veste Divina.
— Por isso, o filho de Azriel idealizou a Veste Divina, quando decidiu criar os outros dois.
— Os outros dois foram… criados?
Lembrou-se de que uma vez Raizel disse que Trevor e Klaus não tinham pais, e, quando ela perguntou o motivo, o seu parceiro respondeu: "É simples, eles nunca nasceram".
— Mas…
Petra interagiu pouco com Trevor e com Klaus, mas era perceptível que os dois eram boas pessoas. Saber que eles eram criaturas artificiais, por alguma razão, fazia o seu peito doer um pouco.
— Então, mocinha — indagou, aproximando-se da garota e erguendo o queixo dela com um dedo — você sabe qual é o grau de divindade daquele garoto?
Uma virada de rosto e um desvio de olhar foram o suficiente para entregar sua a resposta a Auriel.
— Uns 75%, eu diria — respondeu, ao passo que soltava o queixo dela. — A questão é que acima dos 50% o indivíduo… morre.
Embora Petra não estivesse tão por dentro dos graus de divindade, a garota ainda se lembrava desse detalhe. Não dava para esquecer algo assim.
O problema era que se Raizel estava acima, ele deveria estar morto. E, de fato, não havia exceções. Todos que ultrapassaram esse limite tiveram o mesmo destino: o frio colo da morte.
— Aquele garoto também morreu. — O anjo respirou fundo e olhou para o céu, com um certo tom de pesar. — Mas ele nunca te contou isso, não é?
Várias e várias vezes durante a sua gestação, vida e morte entraram em uma disputa de cabo de guerra reverso, onde uma empurrava o problema para a outra. E, eventualmente, alguma delas tinha que vencer.
"Rai…" Tentava falar, mas só conseguia encarar o chão.
— No fim, é o que se poderia esperar, considerando a natureza do pai dele.
— Quem… Quem foi Azriel? — Naquele ponto da conversa, ela só queria saber mais sobre a verdade. Até o teste havia escapado da sua mente. — Me diga… por favor!
Auriel hesitou um pouco ao notar que a garota já estava ficando emocionalmente abalada. Sentia como se estivesse praticando algum tipo de tortura psicológica.
"Eu só queria que essa pequena tivesse consciência de onde está se envolvendo." Baixou sua cabeça e se lembrou daquele que um dia foi um dos seus companheiros mais valorosos. — Azriel, da casta dos Querubins. Ele era um guerreiro implacável e também o braço direito de um certo Arcanjo.
Petra ficou em silêncio — pensativa — e um pouco frustrada consigo mesma. Contudo, o anjo quebrou o silêncio.
— Os nefilins surgiram por nada e para nada. Seres cuja existência não tem propósito e, dessa forma, destroem o propósito de tudo o que encontram.
— O Rai não é assim! — Gritou antes de sequer ser capaz de pensar. Só então se deu conta do que fez. — É-É, bem… eu…
— Huh? — Auriel abriu bem os olhos e observou a reação da mocinha. O anjo nunca esperou que a garota que estava tão retraída fosse erguer o tom de voz repentinamente. — Você diz isso, mas aquele garoto deve pensar da mesma forma que eu.
Petra apenas ficou em silêncio e mordeu os seus lábios. O Raizel realmente pensava isso de si mesmo? Por que…? Por que ele nunca contou nada disso para ela?
A garota havia compartilhado o seu passado com ele, mas o mesmo não ocorreu por parte do seu parceiro. Ele não confiava nela? Não se sentia confortável em se abrir?
— Se, mesmo assim, você pretende seguir esse caminho — Auriel estendeu a mão para a espada surgiu ao seu lado e apontou para a garota, tirando-a do seu transe — erga sua arma e me mostre o seu valor.