O Nefilim Primordial Brasileira

Autor(a): Ghoustter


Volume 1 – Arco 6

Capítulo 47: Véspera

No fundo das águas gélidas do oceano de Erebus, Raizel, que trajava nada mais do que uma bermuda preta, desviava da investida do temível Dragão Marinho das Profundezas.

Várias das suas espadas colidiram contra as escamas da criatura e produziram incontáveis faíscas.

Vez ou outra, o rapaz conseguia perfurar a defesa quase intransponível do monstro e detonar algumas das suas armas, criando ferimentos que seriam fatais para qualquer criatura, exceto para essa.

Esse tipo de dragão marinho possuía a capacidade de se regenerar rapidamente ao absorver a água do oceano, o que tinha de sobra por ali.

Com isso duas ideias se passavam pela cabeça do garoto: evaporar toda a água do oceano ou tirar aquela criatura do seu domínio natural.

A segunda ideia parecia mais sensata, o único problema era o tamanho do seu oponente. Tirar aquela criatura do oceano era o mesmo que arrancar uma pirâmide do subsolo.

Então uma terceira ideia lhe veio à mente e o fez pensar: "Por que não misturar as duas ideias?" Assim nadou para cima, e a criatura o perseguiu com uma determinação inabalável.

Ao sair das águas — rápido feito uma bala — a parte superior do corpo do seu inimigo também se ergueu. Fumaça saía das narinas do monstro. Era nítido o que estava por vir.

Sem pensar uma segunda vez, o rapaz criou o seu arco e carregou a flecha de energia carmesim, que vibrava sedenta por sangue.

— Aguilhão dos Céus! — Disparou no mesmo instante em que o monstro atacou com o seu rugido de fogo.

Por ser concentrado em um único ponto, o Aguilhão dos Céus passou rasgando o ataque do Dragão Marinho das Profundezas, dividindo-o em duas cortinas de fogo.

Quando a flecha estava a ponto de atingir a garganta do seu adversário, o rapaz detonou algumas esferas de energia dentro da água, criando um espaço vazio entre o monstro e o oceano.

Sem o seu meio de regeneração, o monstro foi perfurado e explodido de cima a baixo, lançando uma enorme quantidade de carne, sangue e vísceras para todos os lados, que logo se desfizeram em névoa e misturam-se com o ambiente.

Passando as mãos pelos seus cabelos molhados, Raizel voltou seu olhar para o fundo das águas.

— Como será que ela tá indo lá embaixo?

Ainda no fundo do oceano, Petra enfrentava uma enorme tartaruga cujo casco rivalizava com as escamas do Dragão Marinho das Profundezas, isso se não as superasse.

A garota usava um biquíni branco com alguns detalhes azuis e um manto na cintura. Diferente do habitual, as runas prateadas não ornamentavam as curvas do seu corpo.

Apenas uma marca preta semelhante a duas asas se destacava próxima ao seu busto — asas essas que se entrelaçavam numa espiral, onde uma apontava para cima e a outra para baixo.

Ela teria que derrotar o seu oponente sem o auxílio das runas. Essa foi a regra que o seu parceiro estabeleceu.

O fim do seu treinamento já estava próximo, então deveria ser capaz de derrotar um monstro de Rank S Classe Destruição apenas com o seu poder base. No entanto, era mais fácil falar do que fazer.

A espada brilhava de forma sutil na sua mão. Já havia absorvido um dos disparos de energia da Tartaruga Anciã e buscava uma chance de descarregar todo o poder acumulado em um ataque decisivo.

De repente, os olhos da criatura à sua frente brilharam em um verde tenaz, e a pressão da água ao seu redor aumentou em um piscar de olhos.

Petra sabia que não estava tão longe da superfície, ainda assim sentia como se tivesse descido até a parte mais profunda do oceano.

A pressão aumentou de tal forma que poderia esmagá-la a qualquer instante. As profundezas do oceano tinham os seus motivos para serem temidas.

Mesmo revestindo-se com energia, o seu nariz começou a sangrar e era possível sentir a dificuldade em mover os seus músculos. Para alguém que controlava a gravidade, se vê imobilizado chegava a ser irônico.

A garota ficou suscetível a mais um disparo de energia da boca da Tartaruga Anciã, um raio verde que rasgava as águas ao meio, criando um vácuo no oceano.

Com dificuldade, forçou o braço que segurava sua arma e conseguiu segurar o ataque. A lâmina da Bellatrix vibrava enquanto se esforçava para absorver tudo.

"Ahhh!" Sentindo que a espada poderia se soltar da sua mão a quanto momento, Petra se apressou em criar um Centro Gravitacional para paralisar o monstro, puxando uma grande massa de água para amassá-lo.

Agora se encontravam em posições iguais, e a tartaruga gigante se viu obrigada a cessar sua investida.

"Minha vez."

Criando dois centros, um para puxar a sua cabeça para cima e outro para atrair o maxilar para baixo, abriu a boca da criatura e, com um movimento pesado, disparou toda a energia acumulada na sua espada.

"Gamma Orionis!" Assim nomeou o feixe de energia, que destruiu o monstro por dentro, pulverizando cada um dos seus órgãos — deixando para trás nada mais do que um casco vazio.

Até encontrar um nome para essa técnica, Petra teve que pensar bastante, pois não queria que Raizel risse como no dia em que ela pensou nomear o seu Espaço Dimensional. Mas, cedo ou tarde, ela teria que dar um nome para esse golpe.

"Obrigada, Bellatrix." Sua espada se desfazia em um tenaz brilho prateado enquanto levantava seu rosto para cima, onde uma pequena luz brilhava.

Se passou bastante tempo desde que estava lá embaixo lutando, sem um segundo sequer para respirar.

Após algum tempo, a garota finalmente saiu da água. O seu parceiro a aguardava na beira da praia, em pé e com os braços juntos atrás das costas.

— Vejo que se saiu bem, senhorita — disse, estendendo uma mão cordialmente, a qual a moça com educação. — Nunca duvidei do seu sucesso.

— É mesmo? — Então apontou para cima do oceano onde uma estaca negra se desfazia em um brilho carmesim. — E o que era aquilo?

— A que se refere, senhorita? — De fato, a estaca já havia acabado de desaparecer quando ele olhou.

Hmmm!

Vendo que o rapaz continuaria a fingir, Petra se pôs a acompanhá-lo em uma caminhada pela areia fina da praia.

Se tirasse o frio tremendo que fazia naquele continente, até seria bem agradável passear com os pés descalços pela areia.

— Essa é a primeira praia que eu visito. — Seu corpo tremeu um pouco, e uma fumaça branca saía da sua boca, misturando-se à tênue névoa. — Eu esperava por um sol quente e aconchegante.

Haha! — O rapaz tirou um sobretudo do seu anel de ressonância e jogou para ela. — A gente pode visitar uma praia normal qualquer dia.

Antes que sua parceira colocasse a vestimenta, o rapaz observou pela última vez o símbolo das asas entrelaçadas em seus seios harmoniosos. O estigma que marcava as raras e cobiçadas Chaves de Goétia.

— Uma tatuagem?

Ah! É uma marca de nascença — disse a garota. — Você é a única pessoa além da minha mãe que viu ela.

Elizabeth Lavour. Havia algumas perguntas que gostaria de fazer àquela mulher. Uma pena que isso tenha se tornado impossível.

— Por alguma razão, a minha mãe nunca me deixava mostrar essa marca em público.

"Então ela realmente sabia o significado disso?"

Ainda assim, ocultou isso da sua própria filha por todo aquele tempo. Bem, Petra era só uma criança na época, e não era como se ele estivesse fazendo algo diferente.

Ao retornar para a caverna, Raizel decidiu encerrar o treinamento por ali. Era bom que a sua parceira estivesse em boas condições físicas e mentais para o que viria pela manhã.

Os dois foram dormir pouco tempo após a sua chegada. Tudo estava calmo e silencioso dentro daquelas paredes de pedra até que a audição do rapaz captou um som rastejando em sua direção.

Por instinto, abriu os olhos e, num movimento repentino, materializou uma espada. Estava para atacar quando uma voz feminina soou:

Ah! — Era uma voz doce e familiar, uma que ele já estava habituado e reconheceria de longe. — So-Sou eu, Rai.

— Petra? — A voz meiga, os cabelos prateados e os olhos azuis como o céu. Como ele pôde não tê-la reconhecido de imediato?

Essa pergunta poderia ficar para depois. O que realmente importava agora era o que ela estava fazendo debaixo do seu cobertor.

— Eu… eu sinto muito — disse, ao passo que apertava a camisa com os seus dedos trêmulos. — Eu… tô com dificuldades pra dormir, por causa de amanhã.

Contrariando os lábios em nervosismo, afundou sua face no peito de Raizel, sentindo o cheiro e cada batida uniforme do seu coração.

— Vai ficar tudo bem. — O garoto passou sua mão sobre os cabelos sedosos da sua companheira e falou em tom suave, porém encorajador: — Você se esforçou tanto por esse momento.

— Rai… — Encarando-o com seus olhos doces e gentis, Petra se levantou devagar, ficando sentada sobre ele. Com o rosto levemente rosado e virado para o lado, deslizou sua mão pelo peito dele. — Tu-Tudo bem se a gente…?

Nesse momento, Raizel percebeu algumas coisas: a primeira, foi que Petra ainda estava vestindo o sobretudo que entregou para ela.

Já a segunda, era que tanto o seu sobretudo quanto a blusa dela estavam abertos, dando destaque aos seus seios e o estigma entre eles.

E por fim — mas não menos importante — seu próprio coração batia forte, e o seu olhar deslizava devagar pela barriga dela, descendo de forma instintiva.

— Rai… — disse com voz doce, ao passo que seu rosto aproximava-se do dele.

Em sintonia com a moça, levou suas mãos até a cintura fina e, com delicadeza, deslizou as pontas de seus dedos pelas coxas macias dela.

— Então… — Quando seus lábios estavam para se tocarem, ele quebrou o clima: — Quem é você?

Argh!

Estacas negras surgiram do chão e perfuraram o corpo da garota, suspendendo-a no ar. Em seguida as Cadeias de Abaddon prenderam os seus braços e pernas.

Oh! — Observou as correntes douradas mudarem para uma coloração escura. — Um demônio.

— Me solta! — O seu tom de voz perdeu completamente a compostura. Parecia outra pessoa falando. — Seu desgraçado!

— Nem lembro quando foi a última vez em que fui atacado por uma Succubus.

Dessa forma, as correntes se dividiram em pequenas ramificações que envolveram os dedos do demônio e os quebraram em uma sequência de cinco "cracks", arrancando-lhe profundos gritos de dor.

— Anjo uma ova! — Esbravejava, encarando-o com olhos selvagens, loucos para massacrá-lo. — Nem se importa de machucar a sua companheira?!

— Ver alguém como você usando essa aparência… — Suas íris emanaram um intenso brilho vermelho, ao passo que sua voz ficava mais pesada. — É o que mais me irrita.

Materializou uma espada e disparou um feixe de energia certeiro contra o coração da criatura, proporcionando-lhe uma morte certa.

 Ele adoraria continuar com a tortura, mas a ideia de que a sua parceira também estava sob ataque o fez querer acabar com aquilo rápido.

 

Ao acordar, confirmou suas suspeitas. Petra estava ofegante, com o rosto vermelho e suando bastante.

— É a primeira vez que lida com um bicho Inccubus? — O nefilim colocou dois dedos no pescoço da garota e disparou uma pequena carga de energia, o que forçou o seu despertar.

Aaah! — Petra levantou quase dando um pulo. Por pouco errou uma cabeçada no seu parceiro. — Ra-Rai?!  Vo-Você tá vestido!

— Bem, eu diria que sim.

A moça o fitou por um tempo, sem saber o que dizer. Então olhou para os cantos e se encostou na parede, segurando o cobertor perto do rosto.

Dado o clima constrangedor espalhado pelo ambiente, o rapaz não estava muito a fim de perguntar sobre o sonho dela, mesmo que sentisse uma certa… curiosidade.

Mas algo tinha que ser feito. Nessas condições ela não conseguiria descansar o suficiente para encarar um anjo no dia seguinte.

— A gente teve poucas oportunidades para tocar desde que chegamos aqui. — Materializou seu piano junto a um banquinho. Então se preparou para tocar algo. "Uma música sempre ajuda a relaxar".

Petra fez menção de se levantar para tocar também, mas o garoto apenas a impediu com um gesto de mão.

— Apenas aprecie e durma ao som do meu piano.

"Ah, então é isso." Depois de conviver com Raizel por tanto tempo, estava ficando um pouco mais fácil de entender as suas intenções. "Ele nunca muda".

A moça se deitou com o cobertor próximo à boca, então perguntou ao pianista: — O que nós temos pra hoje?

O rapaz fechou os olhos e deslizou os dedos sobre as teclas do seu instrumento. Depois de alguns segundos pensando, expôs a sua escolha: — Sonata ao Luar, de Beethoven.

Uma composição calma e relaxante, ideal para o momento. A execução suave de um movimento lento — um adágio — carregava uma sequência de sons graves que gradativamente dava lugar a sons mais agudos e espaçados.

Era uma música bela, mas que transmitia um certo teor de melancolia. Petra não podia deixar de sentir uma certa tristeza dentro de si — saudades.

A falta dos seus amigos, principalmente de Valentina, bateu forte. Havia se passado quase um ano desde a última vez em que se viram. Um ano que estava para se encerrar.

A garota queria apreciar mais daquela composição, mas o sono abraçou a sua mente antes que pudesse expressar muita resistência.

Por mais alguns minutos, após a jovem dormir, Raizel ainda continuou a dedilhar aquelas teclas brancas e roxas.

A música também estava fazendo efeito sobre as suas emoções. Mesmo que tenha sido atacado por Succubus outras vezes, elas nunca conseguiram assumir a forma de alguém conhecido, então sempre foi fácil identificar a ilusão.

 — Intrigante — sussurrou enquanto o som do instrumento se desvanecia, e ele passava a observar a garota, que dormia no canto — eu diria.

Algumas mechas do cabelo estavam caídas sobre a sua face, como as águas de uma cachoeira seguindo o seu fluxo inflexível, próximas aos lábios levemente abertos.

No fim, até mesmo Raizel reconhecia que os nefilins nascidos na Terra eram fruto de um certo pecado: a luxúria.


Quer ouvir a música tocada neste capítulo? Acesse Sonata ao Luar.

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