O Nefilim Primordial Brasileira

Autor(a): Ghoustter


Volume 1 – Arco 5

Capítulo 40: Viena em Caos

As folhas farfalhavam suavemente em um ritmo calmo, os sapos coaxavam e os pássaros entregavam o seu gentil canto ao vento suave, o maestro da harmonia relaxante.

Aquela floresta em forma de labirinto verde seria o local ideal para se encontrar a paz de espírito, se não fosse pelo barulho das explosões e pelo trovejar dos raios que manchavam o ambiente.

Samantha saltou com um giro por cima de um lobo bípede de pêlo amarronzado, buscando escapar do monstro.

O corpo da garota, junto à sua arma, emanava densas descargas de eletricidade carmesim, tornando cada um de seus golpes mais rápidos e, para o azar do seu oponente, mais potentes.

Com o brilho de um raio, a cabeça do guerreiro lobo-guará teve uma triste despedida do seu corpo.

Porém, antes que a moça alcançasse o solo, uma saraivada de flechas veio do meio das árvores para cumprimentá-la de uma forma nem um pouco cortês.

Sem pensar duas vezes, girou seu grande machado para refletir todas as flechas. No entanto, os projéteis detonaram-se em poderosas explosões, 

— Merda! — Do que essas flechas eram feitas? — Malditos Antãs!

Quando a fumaça baixou, a garota se viu cercada por dezenas de guerreiros lobos-guará. Uns portavam arco e flecha, outros, lanças, todas as armas imbuídas com a substância explosiva.

— Venham logo de uma vez! — A garota bateu o cabo do seu machado no chão, e um forte raio vermelho caiu sobre ele energizando-o e espalhando eletricidade pelo solo. — Me tragam o boss!

Os monstros uivaram em resposta, aceitando o convite de guerra.

"Ela se empolga demais nessas horas", pensou seu parceiro, Enzo. Contudo, ele não tinha muito tempo para pensar sobre o comportamento da sua companheira.

Uma serpente verde com chamas espalhadas pelas suas costas — a Serpente Emplumada da Lapa — o enfrentava entre as árvores e o perseguia lealmente.

O garoto saltou e manobrou os galhos de uma grande árvore, e o monstro continuou a persegui-lo enroscando o seu corpo pelo tronco. Por mais improvável que parecesse, as suas chamas não queimavam as árvores.

Enfim, o rapaz conseguiu alcançar o topo e saltou majestoso para cima. Uma lança elétrica surgiu na sua mão direita, e o rapaz girou seu corpo para baixo, disparando a arma com tudo.

— Lança do Trovão! — Os raios partiram o hálito de fogo da serpente perfurando tanto o seu corpo quanto a árvore. — Foi um pega-pega divertido.

Mais um Rank S Classe Destruição eliminado. No entanto, ainda restavam incontáveis monstros desse calibre, de Rank A e da Classe Catástrofe espalhados por todos os lados.

Mesmo após todos os dias que eles passaram dentro do portal, o boss não deu nenhum sinal de vida, ainda que tenham virado aquele lugar de cabo a rabo.

Isso tinha lhes custado muita energia, e os monstros não paravam de surgir, colocando-os em lutas quase constantes.

O desgaste era evidente nos rasgos e buracos dos seus uniformes. O duo precisava de um descanso urgente.

— Relâmpago Divino! — De repente, um resplendor carmesim envolveu todo o lugar.

A pressão do ar empurrou pedaços de árvores e monstros para todos os lados. No centro da devastação estava apenas a garota apoiando-se em um machado modificado.

"O que ela tem em mente?". Observava a arma aperfeiçoada pela Gema Espectral da sua parceira. "Quer ficar sem energia antes do boss aparecer?"

Ele caminhou pelo solo que ainda emanava faíscas de eletricidade e foi até a sua companheira. Apressou-se para a segurar quando viu suas pernas fraquejarem.

Usar energia freneticamente após tantos dias estava começando a mostrar as suas consequências.

— Eu sei que você quer resolver tudo aqui — disse o rapaz ao apoiar um braço da garota sobre o seu ombro — mas isso tá indo longe demais.

— Se nós não matarmos o boss — A sua voz estava fraca, como se fugisse da firmeza habitual — outras pessoas terão que pagar pela nossa falha.

Algumas dezenas de aliados os aguardavam do lado de fora para lhes auxiliar, caso o pior acontecesse. Contudo, que garantia eles tinham de que resolveriam tudo sem baixas?

— Enzo…

Crack!

Rachaduras surgiram no céu acima deles. Logo um portal circular apareceu no centro da floresta, e os monstros mais próximos partiram em puro êxtase em sua direção.

— …Nós falhamos.

Sentado em um sofá, Klaus relaxava com as pernas cruzadas. Em suas mãos estava um catálogo da Sky Palace, a sua loja de roupas favorita.

A variedade de estilo, material e produtos era única, fazendo-a digna do seu espaço como uma das melhores em todo o norte de Hervrom.

Oh! Esse parece ser bem interessante. — Os olhos do rapaz brilharam ao se encontrarem com a imagem de um belo terno preto.

— Sem dúvidas ficaria irresistível em você. — Braços finos e delicados envolveram seu pescoço em um abraço, fazendo um cheiro agradável de hortelã se espalhar pelo lugar.

Ao lado do seu rosto, o de Eirin surgia para observar melhor o catálogo com ele. Os seus cabelos rosa estavam levemente mais escuros devido à água do banho.

— Mas você ia chamar atenção demais. Sabe… — A moça encostou a ponta do seu dedo frio na bochecha do rapaz, e uma sensação ruim percorreu a sua espinha. — Algumas garotas estão falando muito de você ultimamente.

Mademoiselle…?

— Isso é ruim, muito ruim. Será que  você tem dado motivos pra isso?

— Ga-Garotas? — contrapôs o rapaz, ao passo que o seu rosto estava a ponto de congelar. — Eu sou inocente.

A garota começou a rir do comportamento do seu companheiro. Era muito bom desfrutar do seu lado mais fofo. Ela afrouxou o seu abraço e se sentou ao lado dele, repousando sua cabeça sobre o ombro do rapaz.

Hmm… — disse com olhos meigos que poderiam cativar qualquer um. — Acho que posso fazer mais o papel de yandere, se você tiver gostado.

Era tentadora a visão dela vindo em sua direção enquanto falava com voz uma doce "senpai", como se só ele lhe importasse no mundo. Seria um sonho, se não fosse pelo corredor escuro e a faca ensanguentada na mão dela.

Ah! Que pesadelo tentador — disse enquanto acariciava os cabelos da sua parceira.

No entanto, o soar do relógio no pulso de Klaus quebrou o clima. A Academia acabara de enviar uma notificação pelo MIC informando a ruptura do portal da cidade de Viena.

— Sério?! — Eirin observava a notificação com os olhos bem abertos. — A Samantha e o Enzo falharam em eliminar o boss?

Ainda que fosse um portal de Rank S, as medidas daquela cidade não eram tão altas assim. Aqueles dois deveriam cuidar disso sem muita dificuldade.

Se mesmo assim o duo Top 4 Rank S falhou, então havia algo de muito errado com aquilo, o que ficava evidente com o pedido de reforços.

— Eu vou trocar de roupa rapidinho — disse Eirin já se preparando para ir para o quarto. — Nesse caso, a gente vai ver a evolução dos nossos pupilos, né?

Dentre os duos de Rank A selecionados para o suporte no portal de Viena estavam Andrew Rogger e Valentina Strough.

— Por falar nisso, aqueles dois já devem estar pra voltar — refletiu Klaus. — Espere e verá que nós ensinamos melhor do que você, mestre louco.

Atchim! — Raizel levou o antebraço em direção ao nariz para conter o espirro. — Ah! Esse foi dos fortes.

À sua frente, Petra segurava algumas peças de dominó, e, no centro, estavam as peças que os dois já haviam colocado em cena. O treinamento cognitivo continuava mesmo naquele paraíso de monstros.

— Alguém deve ter falado mal de você — comentou enquanto seu rosto era iluminado pela luz de uma esfera de energia.

— Se fosse assim, espirrar seria o meu lema de vida.

Dois jovens guerreiros de Rank A sofriam na luta contra uma perna, sim, uma Perna Cabeluda, um monstro de Rank A.

Seus pelos sujos e longos romperam os laços com qualquer depilador e, provavelmente, com qualquer cortador de unhas também.

Levar um chute daquele pé imundo e ter a sua pele perfurada por aquelas unhas amareladas, podres e encravadas, causaria, no mínimo, uma infecção das feias.

— Aí! Que diabos de monstro é esse?! — reclamou a espadachim que acabara de receber um chute no traseiro. Aquela perna desgraçada não podia falar, mas devia estar às gargalhadas agora. — Volta aqui!

A garota pisou com força contra o chão, fazendo pontas agudas se formarem do solo para perfurar o seu inimigo. Contudo, ele desapareceu em um instante. Mesmo que fosse apenas uma perna, ela ainda era muito rápida.

— Cuidado! — O seu companheiro se pôs nas suas costas para a defender de um pedaço de concreto que foi lançado contra ela. O seu machado destroçou o concreto sem dificuldades, o problema foi o que veio depois.

Atingido por um chute bem no queixo, o rapaz cambaleou para trás, e a sua consciência quase se foi.

"Que fedor! Que nojo! Que chulé!"

Hihihihi! Hihihihihi!

Rindo dos dois, um negrinho saltava em uma perna só com um gorro vermelho na sua cabeça e um cachimbo na boca — um Saci.

— Pronto, achamos o dono da perna.

Ter se distraído com isso lhe custou caro. A Perna Cabeluda surgiu afundando a cara do rapaz no chão.

A sua parceira tentou ajudar, mas foi lançada para longe por um redemoinho que se formou ao redor do Saci enquanto ele girava sem parar. Essa combinação de monstros era ruim demais para eles lidarem.

— Lâminas de Sylph! — proferiu uma voz feminina ao longe.

A lâmina de vento cortou o corpo do Saci e a Perna Cabeluda em um piscar de olhos, assim sangue jorrou dos ferimentos finos, mas profundos, e os monstros se afastaram após o ataque surpresa.

— Vocês estão bem? — perguntou Valentina, que estava acompanhada do seu parceiro.

Segurando uma espada imbuída por ventos cortantes e uma lança ardendo em chamas, os dois se colocaram à frente do outro duo.

Auxiliar esses dois era prioridade, principalmente, porque o garoto apagou após ter o rosto afundado no chão.

— Vocês vão ficar bem? — indagou a garota ao lado do seu companheiro inconsciente. — Eles são bem rápidos.

— Duvido que sejam mais rápidos que o mestre. — Andrew estava  com um sorriso confiante no rosto. — Vou levar o seu gorro como espólio de guerra.

O Saci fumou de raiva.

Os dois podiam estar confiantes, mas o mesmo não se podia dizer da maioria dos duos. A quantidade de monstros era grande demais, e, acima de tudo, eles eram malandros.

— De que tipo de lugar esses bichos vieram, afinal?

Samantha empurrou uma jovem arqueira para o lado a salvando de ser abocanhada por uma serpente feita inteiramente de fogo.

Enzo, por experiência, já poderia dizer que esse monstro era ainda pior que a Serpente Emplumada da Lapa que enfrentou dentro do portal.

Os seus olhos flamejantes do Boitatá engoliam a coragem de qualquer um que olhasse para eles, e o seu Rugido paralisava os humanos de imediato, congelando-os de medo.

— Merda! — Samantha desviou de mais uma investida do monstro.

Uma grande construção, provavelmente a prefeitura da cidade, foi derretida ao entrar em contato com o corpo da criatura.

O cenário ao redor não era muito diferente, as criaturas saíram destruindo tudo o que encontraram pela frente. Mesmo que os duos estivessem fazendo o seu melhor, apenas o caos reinava.

A garota lançou o seu machado elétrico contra o Boitatá, contudo, o dano foi mínimo, o suficiente apenas para irritar a criatura.

— Merda!! — O seu poder estava abaixo do normal, até a Gema Espectral se separou da sua arma.

— Lança do Trovão! — O ataque de Enzo perfurou o corpo do monstro, e a serpente caiu por cima de mais algumas ruínas, mas logo aquele buraco se fecharia com as chamas.

Argh! Me… solta! — A garota que Samantha havia salvado estava com cinco garras pontudas e compridas perfurando seu peito.

"Mais um?!" Enzo observou a criatura, uma mistura de lobo com tamanduá — um Capelobo.

O parceiro da moça tentou ajudar, mas foi em vão. A outra mão do monstro perfurou o crânio da sua companheira, e os seus prantos cessaram.

Sem pestanejar, o Capelobo enfiou sua língua comprida por um dos buracos da cabeça da garota e chupou o cérebro dela.

— Solte-a! — Enzo disparou um raio contra o Capelobo, o que o fez se afugentar dali, mas não havia tempo para respirar. — Afaste-se!

O parceiro da garota estava horrorizado, tremendo, mas ele tinha que ir, ele tinha que correr, e assim o fez com lágrimas no rosto.

Samantha, por sua vez, estava parada e atônita, ao lado de Enzo. Não havia como ignorar aquilo, ela falhou em fechar o portal por dentro e agora um inocente morreu por causa dela… de novo.

O rapaz a puxou pelo braço, para uma rua longe da serpente de fogo que se erguia dos escombros. A moça estava quase sem reação, deixá-la lutar naquele estado só pioraria a situação.

— Ei! Ei! — O rapaz a chacoalhava pelos ombros para trazê-la de volta à realidade. — Recomponha-se, Mantha!

— O-O que eu…  faço agora?

— Lidere-os! Nós precisamos da nossa líder firme e forte como ela sempre foi.

— Mas eu… eu não estou no meu máxi…

— Então finja!

Hã? — Ela não podia acreditar que estava ouvindo essas palavras de uma pessoa tão certinha quanto aquele cara.

— Minta, engane-os se for preciso! — Chegar ao ponto de ser repreendida dessa forma pelo seu parceiro, ela realmente chegou no fundo do poço. — Faça!

Esforçando-se, a moça pressionou o seu bracelete para transmitir a mensagem pelo MIC. Os seus lábios tremiam, mas, ainda que só por alguns instantes, eles tinham que se estabilizar.

— Os duos de Rank S, mandem os monstros mais perigosos para os seus Espaços Dimensionais. — Transmitiu, fingindo o seu tom de voz habitual — O que vocês estão esperando? Nós vamos matar todos eles antes dos reforços chegarem, ouviram?!

Por bem ou por mal, as suas palavras surtiram um certo efeito positivo. Alguns ainda estavam receosos devido ao desafio posto perante eles, já outros, como Andrew e Valentina, não podiam conter a sua empolgação.

— Eles são a caça — completou Samantha — e nós somos… os caçadores.


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