O Nefilim Primordial Brasileira

Autor(a): Ghoustter


Volume 1 – Arco 4

Capítulo 37: Memórias Amargas

Quando Eirin acordou, ela se viu presa por correntes que possuíam alguns símbolos estranhos entalhados nelas. A garota engoliu em seco, assim que os reconheceu.

Qualquer um na Academia de Batalha tremeria da cabeça aos pés, ao ver as Gravuras de Atlas: símbolos  capazes de restringir energia espiritual.

Indo além de meros rabiscos, era necessário uma aptidão natural de um em um milhão. O ouro era pedra, perto de algo assim.

— É, parece que você já acordou — disse o homem, em frente a uma mesa mal iluminada.

Aquele que até então havia se apresentado como alguém gentil e educado, agora segurava um bisturi afiado em suas mãos, com um semblante de poucos amigos.

— Você até que despertou bem rápido.

Huh?

— Isso não teria graça se você continuasse dormindo, sabe?

— O que… quer dizer com isso? — Conforme o ar pesava nos pulmões, esforçava-se para controlar o ritmo da sua respiração descompassada.

De repente, seu coração pulou uma batida ao perceber que o Pacto de Ressonância com Klaus havia enfraquecido. O anel não estava mais em seu dedo.

— Eu ainda estou em dúvida sobre o que escolher — disse o serial killer, fazendo o peito da garota gelar. Se possível, ela se livraria daquelas amarras e fugiria dali sem sequer olhar para trás. — Você tem muitas peças interessantes. É difícil escolher apenas uma.

Olhando a moça de cima abaixo, como se analisasse qualquer peça de roupa, ele continuou:

— Eu não tenho muito interesse em cabelo curto, mas suas unhas são bem delicadas para alguém que luta. — proferiu, quando seus olhos pararam ao se cruzar com os dela. — Mas esses olhos possuem um tom de rosa bem cativante, dignos de uma Top Rank.

"Vamos, pense, Eirin, pense!"

Não havia coisa pior do que se entregar ao desespero como da outra vez. Não, ela não deixaria que isso acontecesse.

"Tempo. Eu preciso de tempo."

Eirin suspirou profundamente, diminuindo os seus batimentos cardíacos. Diferente daquele dia, ela sabia que alguém estava a procurando incessantemente por todos os cantos e não pararia até encontrá-la.

— Então você já sabe que eu sou uma Top Rank.

— Qualquer um perceberia — respondeu, ao que testava o bisturi cortando a carne do próprio dedo e apreciava o filete de sangue fresco que escorria. — Ninguém se soltaria tão rápido da minha Manipulação de Sono, se não possuísse uma grande quantidade de energia.

Além disso, já era esperado que a Academia fosse acionada em algum momento, já que as autoridades de Sargus eram incapazes de capturá-lo.

Contudo, foi inesperado o fato de mandarem alguém tão forte, mas, no fim, isso se tornou irrelevante. O destino daquela moça já estava traçado.

— Vamos, me conte uma boa história — sugeriu, do nada.

Hã? Como assim?

Ignorando a moça, o indivíduo se sentou em cima de uma mesa que possuía alguns instrumentos cirúrgicos atenciosamente higienizados.

Enquanto isso, Eirin continuava sentada naquele chão que não via uma faxina a anos. Ela podia jurar que viu uma barata correndo por ali.

— Eu nunca entendi os sentimentos humanos, mesmo quando criança, então isso é uma chance pra você — sugeriu, ao passo que apontava o bisturi para a moça. — Se conseguir tocar o meu coração, eu posso te polpar.

Dado o seu histórico de assassinatos, era óbvio que ninguém conseguiu essa proeza. No fim, ele estava apenas querendo lhe dar falsas esperanças. Típico de uma criatura asquerosa.

No entanto, ela precisava ganhar tempo até que Klaus a encontrasse para a resgatar. Não havia outra opção, senão entrar no jogo dele.

— A minha família, os Rigel's, eram especialistas no ramo de estética — falou, buscando resgatar as lembranças dos seus pais. — Eu nem preciso dizer como a minha mãe ficou feliz ao dar a luz à bonequinha que ela sempre quis.

"bonequinha"? — indagou, levando uma mão até o queixo, curioso. — Por que refere-se a si mesma como um brinquedo?

Eh… — Com um olhar baixo, admitiu o que tanto fazia seu peito doer. — Isso era tudo o que eu era pra ela.

Apenas um objeto para ser adornado e enfeitado, no máximo um troféu a ser exibido em conferências e visitas.

Algo que perderia seu valor, caso alguma das amigas da sua mãe tivesse uma filha mais bonita do que ela.

— Eu me esforcei bastante, sabe? — Dias e noites viradas para dominar o máximo que a estética tinha a oferecer. — Um objeto que perde seu valor vai ser, eventualmente, descartado no lixo.

— Arrependida? Guarda remorso?

Hã? — Foram dias tristes e difíceis, isso era inegável, ainda assim… — Eu gostava do trabalho da minha família.

Ela ainda era uma criança: admirar seus pais, se inspirar neles, buscar o reconhecimento deles, tudo isso aquecia seu coração, ao menos, quando alcançado.

Mas, era apenas questão de tempo até que essa admiração se transformasse em aversão, e a estética passasse a ser um fardo que ela era forçada a carregar.

— Quão ruim pode ser uma família? — expôs o sequestrador, levando uma mão ao rosto e fingindo uma falsa empatia. — Por que não damos a eles o mesmo tratamento que eu dei para a minha?

Estendendo uma mão, seu relógio emanou um brilho mórbido em direção à mesa, revelando três recipientes transparentes.

Dentro deles havia algumas partes de corpos conservados por um líquido amarelado.

— Isso é? — perguntou a moça, ao que engolia em seco. — Você… O que você fez?

— Os meus primeiros troféus — disse, ao passo que deslizava as mãos sobre os recipientes. — Os olhos invejosos da minha mãe, as bolas infiéis do meu pai e a língua fofoqueira da minha irmã.

Urgh! — De repente, uma ânsia de vômito fez o estômago da garota se revirar e ter vontade de pôr todas as suas entranhas para fora de uma vez.

— Então o que nós deveríamos fazer com os seus pais, mocinha?

— Eles — falou, se esforçando para desviar o olhar daquelas coisas — morreram há muito.

Ah! — Decepcionado, aquele indivíduo expressou algo que não fosse uma feição desprovida de emoções. — Terei que abortar as minhas ideias, ou melhor — disse, voltando seus olhos para a moça — usarei elas em você.

Essas palavras fizeram o frágil corpo da garota tremer, como se sentisse o mesmo frio de tanto tempo atrás.

— O-O quê você vai fa…? — Segurando a garota pelo pescoço, o homem interrompeu sua fala.

— Me diga, como eles morreram? — perguntou, encarando-a friamente, olho no olho.

— Sequestrados. — Com a aflição machucando seu peito, ela podia sentir os seus olhos se rendendo à vontade das lágrimas. — Torturados.

— Ótimo — disse, ao que a jogou contra o chão desolado e se pôs a caminhar em direção aos seus instrumentos de tortura, deixando Eirin caída e ofegante no chão.

"De novo", pensava, sentindo o ar, ainda que abundante, faltando nos seus pulmões. "Não! De novo, não!"

Seus olhos marejados podiam contemplar a monstruosidade em forma de gente caminhando em sua direção com algo na mão, pronto para iniciar o seu trabalho.

— Me… ajuda — suplicava, ao passo que as lágrimas começavam a escorrer pelas suas bochechas.

— Inútil — expôs, sem dó, a realidade cruel. — Ninguém pode ouvi-la.

— Me ajuda… Klaus!

De imediato, a parede atrás de si explodiu em chamas violentas, que fizeram destroços voarem por todos os lados, acertando o homem que estava de pé.

Argh!

Mesmo colocando os braços na frente do rosto, ele foi ferido pelos pedaços de tijolos e, logo em seguida, um punho de fogo ardente queimou a sua face.

Jogado contra a parede, o indivíduo tombou sem chance de reação para receber a enxurrada de socos que queimaram cada pedaço da sua pele.

Sem compaixão, Klaus continuava a socar, socar e socar, até que o serial killer tentou um último esforço para tocá-lo com as mãos.

— Sem essa! — Logo, duas algemas de fogo prenderam os punhos do homem na parede.

Hahaha! Então você percebeu?

Essas palavras fizeram o punho do garoto travar em pleno ar, deixando apenas uma onda de vapor escaldante para trás.

Aquele cara precisava tocar a pessoa para conseguir induzi-la ao sono.

— Por que parou?

— O quê?

— Você já cansou, e eu ainda não tô sentindo nada.

Ahh! — Descendo seu punho com ímpeto e furor, apagou a consciência daquele canalha. — Agradeça por eu ter que te entregar vivo.

— Klaus… — soou uma voz fraca atrás dele. Ao olhar ela, viu os olhos úmidos da sua parceira.

Sem pensar duas vezes, deixou o sequestrador preso ali e foi até a única coisa que realmente importava para ele: Eirin.

Antes que o rapaz pudesse fazer qualquer coisa, a garota se jogou nos seus braços, assim que se aproximou, enfiando o rosto no peito dele.

— Eirin? — falou com delicadeza. Era nítido como as lágrimas dela molhavam sua camisa, por mais que se esforçasse para conter o choro. "Huh?"

Surpreendeu-se ao ver as algemas que prendiam as mãos dela para trás das costas. Quem diria que um ser tão repugnante como aquele cara seria agraciado com as Gravuras de Atlas?

"A natureza é cruelmente imparcial na hora de abençoar alguém", pensou ao passo que destruía as malditas algemas. — Vamos pra casa, mademoiselle.

Hm! Hm! — negou em meio a um soluço, enquanto o abraçava. — Me deixe ficar assim só por um tempinho, por favor.

— Claro. — Acariciando seus cabelos, o rapaz se manteve abraçado com ela. — Use o tempo que precisar.

Com a prisão do Estripador Seletivo, a paz em Sargus poderia retornar, e todos os troféus do serial killer seriam encontrados naquela cabana solitária, no fundo da floresta.

Assim, as famílias das vítimas poderiam sentir um certo consolo, ao receberem a notícia de que a justiça prevaleceu, ainda que soubessem que os seus entes queridos jamais voltariam.

Pela noite, Klaus relaxava enquanto se banhava em uma piscina de água quente adaptada dentro da sua residência.

— Eu devia visitar algumas águas termais de verdade — suspirou, olhando pensativo para o teto e se entregando ao fervor das águas.

A piscina até era boa, mas nada podia se comparar ao natural. No entanto, ainda era suficiente para aliviar a tensão pela qual passou durante o dia.

Só de lembrar que ele vasculhou uma cidade e uma floresta inteira de cima abaixo, fazia seu corpo transpirar tudo de novo.

Hã?

De repente, o som da porta se abrindo atrás de si retirou o garoto de seus pensamentos e o fez olhar para trás.

— Acho que demorei um pouco — disse para a garota que entrava na sala trajando apenas uma pequena toalha rosa que cobria seu delicado corpo. — Eu já ia sair...

Hm! Hm! — negou com um balançar de cabeça enquanto que, com um pouco de vergonha, segurava a toalha com cuidado. — Tudo bem se eu lavar as suas costas?

Dessa vez, o rapaz se viu pego de surpresa. Depois de ter revivido a cena do sequestro, ele esperava que a sua parceira levaria mais tempo para se recompor.

— Considere como uma forma de agradecimento por hoje — explicou, ao ver Klaus perdido em pensamentos. — Nem pense em recusar, entendeu?

"Ah, esse jeitinho"

Se havia, em algum lugar do mundo, um grupo de homens que recusaria essa oferta, Klaus Austing estaria fora dele.

— Quão grosseiro eu seria ao recursar a boa vontade de uma dama? — Sentando-se na beirada da piscina, aguardou o sutil toque dos dedos finos da sua parceira.

No entanto, o que ele sentiu tocando suas costas foi algo muito mais macio e agradável do que esperava, algo que seu tato jamais confundiria.

— Eiri… — Estava para perguntar, quando os braços da garota envolveram seu pescoço por trás, e o corpo esguio dela se pressionava aos poucos contra o dele. — Creio que sua toalha caiu, mademoiselle.

— Uma forma de agradecimento — sussurrou com uma sedutora voz de sereia, como se quisesse hipnotizá-lo e levá-lo para o fundo do mar dos seus desejos. — Será que seu coração acelerou?

Ah! Nesse ritmo ela o teria na palma da sua mão. Como um bom Cavalheiro das Chamas, ele não poderia ser dominado tão fácil. Ele precisava contra-atacar.

— Talvez ele acelere… — disse, ao passo que se virava e a puxava para junto de si com um sorriso malicioso — se você se esforçar um pouco mais… mademoiselle.


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