O Nefilim Primordial Brasileira

Autor(a): Ghoustter


Volume 1 – Arco 4

Capítulo 36: O Estripador Seletivo

Naquela noite fria e chuvosa, tomada pelo breu da escuridão profunda, o trovejar dos trovões se misturava ao som das gotas de chuva que tocavam o teto da pequena espelunca decrépita.

Jogada no chão, uma pequena Eirin vestia roupas elegantes, no entanto gastas e suja pela poeira do piso que não via uma faxina a séculos.

Os seus pés e mãos estavam presos por algemas que, pelas marcas em seus pulsos e tornozelos, há muito maltrataram o seu pequeno e frágil corpo.

Quem poderia dizer que há algumas horas atrás ela se divertia e brincava como qualquer outra criança? A imprevisibilidade da vida era verdadeiramente decepcionante.

Um som de passos começou a ressoar, vindo do corredor, do lado de fora da cela em que a pequena garota estava presa.

O seu coração começou a pulsar mais forte e o seu corpo sentiu ainda mais o efeito do frio cruel do ambiente, imaginando o que a aguardava logo à frente.

Ou melhor, não querendo nem imaginar.

"Por que isso tinha que acontecer com a gente?" Jogou seu rosto jogado entre as pernas sujas e se curvou em posição fetal. "Mamãe, mamãe..."

Ela jamais a responderia novamente, independente do quanto clamasse.

Com o cessar dos passos, um homem alto e forte apareceu do outro lado da cela, colocando as mãos nas grades e observando a pequena enquanto lambia os lábios imundos.

Eirin ainda não estava habituada com aquelas feições, mas se esse indivíduo estava ali, então o seu sofrimento estava próximo do fim, ou seja, a sua vida.

Hehe! Já que ninguém vai pagar pelo resgate, eu espero que você nos divirta — disse, fazendo uma pequena pausa dramática para preparar o prato — que nem os outros fizeram. Hehe!

Quando o homem estava para abrir a cela, vários gritos ecoaram ao fundo, e o local passou a ser tomado por um cheiro intoxicante de…

"Fumaça?", pensou a menina.

Logo a nuvem cinza-escura tomou conta da cela acompanhada de uma sutil sensação de calor que se espalhou por todos os lados.

Em breve aquela espelunca se tornaria o seu local de descanso ou tormento eterno.

"Eu... Por quê?", Com os lábios trêmulos, sentia as lágrimas quentes escorrerem pelo seu rosto. "Por favor... Por quê?"

— Quem... quem é você? — O homem do outro lado da cela perguntou para alguém que estava fora do alcance da visão da pequena garota. — Não é possível! U-Um membro da Academia?! Como nos encontrou?!

Sem receber qualquer resposta, o peito do sujeito foi atingido pelo cabo de uma lança, jogando-o até a parede no fim do corredor. E ali ficou, sem que o ar alcançasse os seus pulmões.

As chamas e a fumaça começaram a se intensificar na cela, fazendo Eirin tossir e engasgar com a fuligem e o calor que estava para a consumir por completo.

Antes de perder a consciência e se entregar aos frios braços da morte, Eirin pôde ver a face do rapaz que jogou aquela lança no seuqestrador.

"Um príncipe?"

Os traços do rosto dele eram tão sutis e cativantes que a lembrava dos príncipes das histórias que costumava ler.

— Ainda há uma sobrevivente? — O garoto rapidamente arrebentou a porta da cela com as mãos nuas e tomou a garota em seus braços.

Sem pensar duas vezes, priorizou a vida da refém. A passos ligeiros, ele a carregou para fora daquele lugar.

Enquanto era carregada, Eirii pôde sentir a fragrância do perfume do uniforme do rapaz. Talvez por estar bem próxima dele, ainda fosse possível sentir aquele cheiro forte, mas agradável, em meio à tanta fumaça.

— Quem é… você? — perguntou com voz débil, ao passo que a sua mente se rendia à escuridão.

O duo ficou , desde a manhã daquele dia, realizando o reconhecimento da vasta cidade de Sargus.

Enquanto o sol brilhava e iluminava os cantos da cidade marcada pelo entretenimento, as pessoas sorriam e se divertiam, como se tentassem fugir da realidade que as assombrava ao cair da noite.

— Chega a ser surpreendente que quase ninguém comentou sobre o tal Estripador Seletivo — ressaltou Klaus enquanto observava o movimento à volta.

— A última vítima teve os olhos arrancados, não foi? — perguntou Eirin, juntando as mãos, levemente trêmuls, em frente ao corpo.

O modelo de assassinato do serial killer consistia em sequestrar jovens garotas e, após alguns dias, abandonar os seus corpos em um lugar desolado, como becos ou margens de rios, com uma parte dos seus corpos faltando.

Olhos, cabelos, unhas, dedos… Era difícil saber por qual parte do corpo ele se sentiria atraído. Porém, algo era unânime: todos temiam cair em suas mãos sanguinárias.

— Você realmente não se importa de ser a isca?

Ah, sem problemas. — A garota se pôs na frente de Klaus, fazendo um pequeno giro e escondendo as mãos atrás das costas. — Afinal, você está aqui pra me proteger, não é, meu cavalheiro?

— Sabe, eu considero que a conheço bem — disse, ao que oferecia uma mão para a dama. — Você não precisa se fazer de forte na minha frente.

— Eu… eu sei. — Sua cabeça pesou, fazendo-a olhar para baixo, mas, com um pouco de esforço, voltou a erguê-la com o sorriso radiante de sempre. — Então me leve a algum lugar divertido para aliviar essa minha suposta tensão.

Os dois visitaram algumas lojas de roupas e acessórios enquanto avaliavam o terreno para impedir eventuais tentativas de fuga do alvo.

Em uma dessas lojas, Eirin experimentou várias e várias roupas e mostrou cada uma delas para Klaus, sem exceção.

— O que achou dessa?

A moça trajava um curto vestido vermelho e uma boina de mesma cor. Então deu uma pequena volta para que o seu parceiro tivesse uma visão completa do seu visual.

— Belo, eu diria — elogiou, ao passo que o seu olhar descia, involuntariamente, em direção às pernas da moça. — Embora, eu me importe mais com o que está por bai…

— Oi?! — interrompeu a garota, olhando para os lados como se fosse uma criminosa em fuga. Aparentemente ninguém, além dela, ouviu o que ele disse.

Aquilo lá era lugar pra essas coisas? Mas era como os dois bem sabiam: quanto mais perigoso, quanto mais arriscado, mais intenso e prazeroso se tornava.

— O que aconteceu com o seu cavalheirismo, heim?

Aproximando-se da moça, Klaus deslizou os dedos gentilmente pela face delicada dela, então falou com uma voz suave e sedutora:

— Você… é o meu cavalheirismo. — Puxando-a pela cintura, deslizou seus lábios pelos dela e sussurrou em seu ouvido: — E também a causa da falta dele.

— E-Eu não sei do que você tá falando.

Mas ela sabia, sim... ela sabia.

Ao anoitecer, o verdadeiro comportamento das pessoas de Sargus era revelado. Embora ainda estivesse no começo da noite, todos os cidadãos já haviam se recolhido para o interior das suas casas.

As ruas, antes tão alegres e movimentadas, serviam de palco para o som agudo de grilos, tão desoladas que se assemelhavam a uma cidade fantasma.

— Então… eu estou parecendo uma ovelhinha indefesa? — indagou, trajando o vestido que comprara durante o dia.

— Confesso que, até mesmo eu, me sinto tentado a sequestrá-la, mademoiselle.

Hehe! — Eirin se gabou do comentário do seu parceiro.

Um pouco mais confiante, a jovem se afastou, acenando para o seu parceiro enquanto se virava.

Respirando fundo, ela retirou um livro do seu anel de ressonância e se pôs a cumprir o seu papel de isca naquela missão, sentando-se em um banco, à beira de um lago.

Mais ao longe, Klaus a observava quase sem piscar os olhos, deitado entre os telhados das casas.

Se possível, ele a contemplaria por um dia inteiro e não se cansaria, mas, nesse momento, manter os olhos fixos nela era um dever que tinha que cumprir a qualquer custo.

Várias horas se passaram, de tal modo que Eirin quase terminou de ler o livro que segurava, e o crepúsculo começou a se intensificar.

A moça já estava para fechar as páginas em suas mãos e se levantar para ir embora. Talvez fosse melhor tentar no outro dia.

"É, não se pode contar com a sorte de encontrar um serial killer tão fácil assim, né?"

— Tudo bem, senhorita? — perguntou um homem que estava passeando com um cachorro. — Você é uma visitante?

Ah, sim! Eu estou de passagem na casa de uma prima minha que mora aqui perto.

— Você deveria tomar cuidado, mocinha — alertou o homem, balançando um dedo para ela. — Você já deve saber do Estripador Seletivo. Esse lugar tem se tornado muito perigoso ultimamente.

— Não há com o que se preocupar. A casa da minha prima é bem perto, então eu acho que tá tudo bem. — Apontou para onde deveria ser a casa da sua suposta prima. — Ler à beira de um rio à noite já é um hábito que eu tenho desde criança. Me ajuda a relaxar, sabe?

— Ainda assim, não baixe a guarda, certo? — Então o desconhecido estendeu a sua mão para Eirin. — Tudo bem se me sentar ao seu lado. Eu e o meu companheiro já estamos cansados de tanto andar.

Por um momento, estranhou o gesto do sujeito, mas aceitou o aperto de mãos, o que foi uma péssima escolha.

Ah, tudo be... — Ao pegar na mão do indivíduo, a sua visão começou a ficar turva e uma sensação profunda de sono afligiu o seu corpo.

De imediato, a ressonância bateu forte no peito de Klaus, fazendo o garoto disparar como uma bala até onde os dois estavam.

— Parado aí! — Mas, a um triz de tocar no sequestrador, o homem desapareceu levando a garota consigo. — Dispositivo de Teletransporte?

Em um piscar de olhos, Klaus se viu sozinho à beira do lago. Em suas mãos o nada, e em suas costas o peso por falhar em proteger a sua companheira.

Mesmo depois do que ela passou, a garota se prontificou a cumprir aquele papel, confiando que seu parceiro cumpriria o dele também.

A ponto de arrancar os cabelos, o rapaz chutou uma lata de lixo ali perto.

— Que merda!


Siga-nos nas redes sociais Instagram e Discord.



Comentários