Volume 1 – Arco 4
Capítulo 33: Salão do Sadismo (2)
— Você sacrificaria alguém importante pra você, pelo bem do mundo? — perguntou Raizel enquanto se sentava ao lado do pequeno Trevor, em uma grama verde e ríspida.
— Como assim? — perguntou o garoto que, diferente do seu mestre, estava cheio de arranhões, poeira e caído exausto na grama.
Os seus olhos encaravam o céu azul, uma gloriosa recompensa após mais um dia intenso de treinamento. Ele precisava de algum tempo até conseguir se levantar.
Como o mestre não respondeu à sua indagação, o garoto resolveu responder a pergunta dele primeiro.
— Uma vida em troca de várias outras — falou, pensativo. — É difícil, mas eu acho que é o jeito.
— Meus parabéns — disse, ao passo que se acomodava melhor. — Você foi reprovado.
— E-Espera! — indagou, surpreso. — Isso era um teste?
Nesse momento, ele percebeu que tinha se fudido.
— É bom que esteja preparado para dar cem voltas ao redor da cidade amanhã. — Então o encarou com olhos frios. — Sem reforçar seu corpo com energia espiritual, claro.
Ao ouvir isso, a alma de Trevor quase saiu do seu pequeno corpo. O garotinho olhava pálido para o céu.
"Eu vou morrer." Mas era melhor guardar as lamentações para si, antes que seu mestre acabasse por aumentar a punição.
— Talvez você não entenda isso por ter uma origem diferente da minha — disse, fazendo o outro refletir sobre si mesmo. — Nenhum dos nefilins primordiais possuíam objetivos ou algo que pudessem chamar de "importante".
— Huh?
O garoto o observou com um misto de curiosidade e apreensão. Quando Raizel falava sobre os nefilins da Terra, nunca saía coisa boa.
— Como frutos do pecado — continuou a explicação — nós não tínhamos sequer uma função a cumprir no mundo, tão pouco algo que pudéssemos desejar.
— Existências vazias em si mesmas — disse baixinho, lembrando das palavras do seu mestre.
— Então, garoto, quando encontrar algo que você considera importante, vê se não abre, entendeu?
Pensativo, Trevor indagou:
— Mas e você? E se você tivesse que escolher entre algo importante ou bem do mundo?
— Humph! Que pergunta tola, garoto — disse, encarando-o com os seus olhos emanando um brilho perturbador. — Eu mesmo queimaria o mundo.
A ressonância se intensificava cada vez mais no peito de Trevor. Conforme a dor de Sophie aumentava, o coração del batia mais e mais forte.
Raiva, culpa, ansiedade, impotência, vingança, melancolia…
O quê...O que ele deveria sentir?
Tudo.
Sim! Ele sentia tudo isso, e muito mais!
Os seus dedos apertaram o chão com força a ponto de fazer as suas unhas quebrarem.
O sangue quente escorria pela ponta dos seus dedos, mas aquilo não era nada comparado ao que a sua parceira estava passando.
O garoto mordeu os lábios, fazendo o sabor pungente agredir o seu paladar confuso pelos feromônios da Luxúria.
"Eu vou te salvar", pensava, enquanto forçava o corpo a se mover. "Eu vou… Eu vou!"
Logo à sua frente, uma das chicotadas da assassina travou no ar. A garota se virou espantada, ao sentir a densa aura atrás de si.
— Heim?
— Foda-se a missão. Fodam-se as informações — disse, enquanto o ódio corroía seu peito. — Eu vou… acabar com você.
Todo o Salão do Sadismo começou a tremer enquanto o espaço se contorcia de forma louca ao redor do nefilim.
Uma armadura com marcas azuis-escuras começava a tomar conta do corpo de Trevor, junto a um manto azul em sua cintura.
O rapaz emanava uma aura devastadora que cobriu tudo ao seu redor. A manifestação de uma veste divina em meio ao puro ódio.
Aos poucos ele podia sentir os efeitos da desorientação de sentidos diminuindo.
Sua visão começou a clarear, e o que ele viu o deixou ainda mais irritado: Sophie caída, suas costas manchadas de sangue, o chicote nas mãos de Luxúria.
— Ahh… — suspirou. — Eu vou matar você.
"Esse é o mesmo cara de antes?" A assassina o encarava perplexa. — Ah, é mesmo! Esse é o sangue que corre em suas vei…
Antes que a garota terminasse de falar, o nefilim se teletransportou até ela e lhe acertou um soco em cheio na boca, lançando-a para longe de Sophie.
A garota colidiu contra uma sequência de mesas e deslizou violentamente pelo piso lustroso.
— Esplêndido! Esplêndido! — ovacionou Luxúria, ainda no chão, limpando o sangue em sua boca. — Me satisfaça mais!
— Essa sua voz me irrita — rosnou, materializando sua espada e andando devagar em direção a ela — puta maldita.
Então avançou com tudo, lançando incontáveis cortes através do espaço e colocando sua adversária contra a parede.
Ela usou toda a sua velocidade para desviar ou rebater os cortes, mas, eventualmente, o garoto a alcançou.
E, nesse momento, conter tudo aquilo se tornou inevitável. Ao defender um ataque de Trevor, os Cortes Multidimensionais a atingiram nas pernas.
A garota cambaleou e quase caiu, mas conseguiu um último impulso para se afastar com dificuldade.
— Pra onde você pensa vai? — indagou Trevor, preparando um ataque para um lugar onde não tinha ninguém, isso até ele teletransportar a assassina para lá. — Luxúria!
Pega de surpresa, a garota foi perfurada na barriga.
— Argh!
Aproveitando da aproximação dele, a garota fincou as duas adagas no pulso de Trevor. Então o encarou, ofegante e com as bochechas vermelhas de empolgação.
— Isso, descarregue todas as suas emoções em mim.
— Tch!
Enquanto os dois brigavam, Sophie observava aquela cena de louco. Nenhum deles se importava com os ferimentos ou como ficariam ao final da luta.
— Trevor… — expressou com a voz melancólica. — Eu… Eu sinto muito.
A garota sabia que embora a Veste Divina tenha aumentado a resistência aos feromônios, era apenas questão de tempo até o seu parceiro cair de novo.
— Por favor… — apelou, com o rosto entre os braços — me empreste sua força, Graniel.
"Eu só preciso mantê-lo perto por mais algum tempo", pensou em meio ao combate.
Após ficar sob pressão por tanto tempo, ela finalmente encontrou uma brecha para atacar, quando Trevor se aproximou para realizar um corte descendente.
Aproveitando da sua furtividade, a garota se moveu tão rápido e silenciosamente que desapareceu da visão do espadachim e estava para fincar as suas adagas no pescoço dele.
O inusitado aconteceu. Trevor ativou a sua Distorção Espacial ao redor de si, fazendo as adagas da assassina serem puxadas das suas mãos e quebradas junto ao espaço distorcido.
— Quê?!
— Acabou — disse, se preparando para finalizar a luta.
No entanto, seu corpo tombou e ele caiu de joelhos. Os efeitos dos feromônios já estavam retornando.
— É! Acabou! — Luxúria partiu com a sua mão vazia em direção aos olhos de Trevor.
Um pequeno portal surgiu fazendo a mão dela entrar no buraco. — Huh? — Tão rápido quanto a garota percebeu, o portal se fechou cortando a sua mão.
— Você é um homem bem cruel, sabia? — disse enquanto o rapaz caía, e ela observava o pulso sangrando. — É uma pena ter que te matar.
Aproximou-se dele, durante o tempo em que usava uma camada de energia para estancar o sangue da mão perdida.
— Eu queria me divertir mais com você, sabe?
Quando a garota estava para finalizá-lo, ela sentiu o poder de Sophie aumentando ao longe.
A arqueira trajava uma bela armadura com marcas em verde-claro e um manto da mesma cor ao redor da cintura.
— Sai de perto dele! — gritou enquanto preparava uma poderosa flecha de energia, e uma aura verde-esmeralda curava os ferimentos do garoto.
— Reversão Temporal? — indagou-se, desviando do ataque da sua adversária.
Mais uma vez, a flecha insistia em persegui-la. — Ah! Fala sério. — Se ela fosse pega dessa vez, seria o seu fim. — É, foi bom enquanto durou.
Logo o Salão do Sadismo começou a se desfazer, dando lugar ao deserto onde os três estavam anteriormente. No entanto, Luxúria não estava mais lá quando eles retornaram.
— Ela sumiu? — perguntou-se a garota. — Como?
— Dispositivo de teletransporte — supôs o garoto, apertando os punhos com força. — Ela escapou ao fim de tudo.
— A gente ainda tem os nossos prisioneiros, né? — Tentou confortá-lo. — Ao menos, não vamos voltar de mãos vazias.
— E a mão dela também. — Suspirou, olhando para cima. — Acho que nós vamos voltar para o Laboratório de Análises mais cedo do que o esperado.
Luxúria caminhava devagar por um corredor escuro. Ao olhar para o pulso que Trevor cortou, ela já conseguia imaginar como seria recebida na instalação.
— Lilith? — perguntou uma voz feminina atrás dela. Ela se virou para ver a garota de cabelos castanhos e olhos cor de mel. — Por que demorou tanto pra fazer uma queima de arquivo?
— Yuna! — disse Luxúria em tom choroso, caindo de joelhos e agarrando-se ao short da garota.
De todos os Patronos do Pecado que ela poderia encontrar, acabou por esbarrar justo com a mais compreensível deles.
— Eu falhei, Yuna! Apareceram uns membros da Academia lá. — Suas palavras fizeram a outra arregalar os olhos, surpresa. — Aqueles dois tinham as habilidades certinhas pra me derrotar. Isso é tão injusto.
— O mestre vai ficar louco, quando souber disso — disse, apreensiva.
— Eu sei — praguejou, ainda agarrada ao short da outra. — Me leva até a enfermeira, eu não consigo andar sozinha.
— Me solta! Você estava andando até agora a pouco. — A garota tentou se desvencilhar da outra, quando Luxúria a soltou, levando a mão até a boca para conter um vômito de sangue. — Você saiu sem tomar o soro?
— Era… pra ser rápido.
— Sério! Só você mesmo — disse, ajudando a outra a se levantar. — Vamos. Eu te levo até o doutor.
— Obrigada, Yuna. Até que você é uma boa pessoa, mesmo sendo invejosa.
— Continue com essas brincadeiras, e eu te largo aqui — avisou, enquanto a ajudava a andar. — E por que eu teria inveja do seu fracasso?