O Nefilim Primordial Brasileira

Autor(a): Ghoustter


Volume 1 – Arco 4

Capítulo 30: O Predador Perfeito

Após algum tempo, os dois conseguiram afastar-se do local da batalha contra os monstros pterodátilos. Por sorte, não encontraram mais nenhum inimigo aéreo durante o trajeto.

Raizel e Petra finalmente se aproximavam da ilha, então o rapaz indagou:

— Qual o estado da sua reserva de energia espiritual?

— Acredito que bem — respondeu, pensativa. — Eu só precisei enfrentar alguns monstros e produzir aquele Escudo de Repulsão.

— Aqueles eram monstros da Classe Destruição, segurar vários ataques deles… — Havia um teor incomum de preocupação na sua voz, mas o rapaz apenas continuou: — Gasta energia demais.

Os dois resolveram pousar em um dos pontos mais elevados da ilha, de onde teriam uma visão geral antes de descer.

Para a surpresa de ambos, não havia nenhum sinal de monstros naquele local.

"Estranho, muito estranho." Raizel observava o ambiente ao redor com cautela.

Ele tinha certeza de ter sentido indícios de energia bestial, mas ela desapareceu quando eles estavam se aproximando.

Os monstros daquele local haviam se retirado ou...

— Uma emboscada. — Ao proferir essas palavras, Raizel sentiu a ressonância pulsar em seu peito.

O rapaz se virou rapidamente para a garota que ficou surpresa ao vê-lo lançar uma espada em direção ao seu rosto.

Seu cabelo esvoaçou para o alto quando a arma passou a centímetros do seu rosto.

Contudo, o que chamou a sua atenção foi o grito agudo de uma criatura atrás dela.

Um ser alto e pálido estava se contorcendo no chão por causa da espada que estava cravada em seu pescoço.

O seu sofrimento não durou por muito mais tempo, logo outras armas foram enviadas para finalizar o trabalho, perfurando todo o seu corpo que logo virou névoa.

Tch! — Esses eram duros na queda.

Só então os dois perceberam que entre as árvores, em meio a uma camada mais densa da névoa, mais dessas criaturas estavam se esgueirando.

Os seres pálidos possuíam uma postura corcunda e se assemelhavam a figuras humanoides com chifres de galhos.

Os seus olhos eram de um branco opaco e os seus dentes e garras eram afiados como navalhas.

No entanto, o que mais assombrava era a sua aparência esguia. A pele pregava-se aos ossos, indicando a fome insaciável.

"Eu não consigo sentir nada", refletiu a moça. "A energia deles… está oculta?"

Para serem capazes de esconder a sua energia bestial e preparar uma emboscada esgueirando-se entre as árvores e a neblina, aqueles monstros possuíam um grau de inteligência digno da sua classificação.

Inesperadamente, as criaturas ficaram paradas entre as árvores observando onde suas presas deveriam estar.

"Mantenha-se parada por enquanto." Raizel se comunicou telepaticamente através do MIC. "Eles realmente estão esperando a gente se mover".

"Como assim?"

"Wendigos são incapazes de enxergar um alvo parado, então estão esperando a gente se mover para atacar." Observou as aberrações mais detalhadamente. "Eles deveriam ser uma lenda".

"O que a gente faz?", perguntou Petra, ainda tomando cuidado para não se mover.

— Nós vamos matá-los. — Raizel foi o primeiro a se movimentar, chamando a atenção dos Wendigos que, instantaneamente, avançaram com ferocidade em uma velocidade espantosa.

O rapaz tomou a dianteira e encarou os monstros de frente, deixando uma quantidade seleta para a garota.

Nesse momento, Petra entendeu o motivo de não ter reparado quando o monstro se aproximou dela anteriormente.

Mesmo correndo entre as árvores ou saltando entre elas, essas criaturas não produziam o menor indício de som.

A garota mandou alguns deles para o chão e sacou a Bellatrix, para cortar o pescoço de uma das criaturas que estava tentando se levantar.

A pele daqueles seres era muito resistente. Mesmo que parecessem tão magros, eles estavam longe de serem fracos.

Aos poucos começaram a se opor ao aumento de gravidade da garota e, em breve, se soltariam da sua prisão.

"Por quê? Por que eu não consigo cortar nenhum deles?!"

Ao observar Raizel, notou que ele cortava os monstros com facilidade, mesmo sem ativar as suas runas por completo.

Ela, por outro lado, estava com todas as runas ativadas. Ainda assim…

— Corte-os! — gritou Raizel, em meio a uma enxurrada de ataques, enquanto atacava e desviava com os Círculos de Propulsão. — Não caia aqui!

 As armas que o rapaz havia materializado serviam tanto para atacar os monstros à sua frente quanto para defender as suas costas dos ataques dos outros.

Quando os Wendigos estavam próximos, ele usava as espadas; quando se afastavam, criava lanças para aumentar o alcance; para os monstros que estavam ainda mais distante ele os perfurava com o seu arco e flecha.

A alternância de armas e os seus movimentos eram simplesmente impecáveis. Aquele estilo de luta, aquela força, aquela pessoa era alguém que Petra passou a admirar profundamente.

Ela queria ser forte o suficiente para andar ao lado dele, para não ser apenas um fardo que precisava de proteção, para ser útil.

A garota apertou o cabo da sua espada com todas as forças. As marcas azul-celeste da arma responderam brilhando intensamente.

O seu semblante esboçou determinação e — reduzindo o peso da Bellatrix — a lâmina desceu velozmente em um movimento limpo.

Encarando os olhos vazios da criatura, pela primeira vez, Petra cortou a cabeça de um monstro de Rank S.

A sensação da lâmina cortando a carne e os ossos de um ser vivo ainda era algo desagradável, mas ela continuou a cortar, cortar e cortar enquanto a adrenalina durasse.

Seu coração batia tão forte quanto nunca, sua respiração estava pesada e ela podia sentir o sangue arder nas suas veias.

Diante da supremacia da força gravitacional, até mesmo os predadores perfeitos se tornaram ovelhas num matadouro.

Isso até que os movimentos de Petra começaram a se tornar cada vez mais lentos e fracos.

Com o decaimento da garota, os seus inimigos se soltaram das amarras da gravidade e as garras deles a alcançaram.

Pouco a pouco, a carne dos braços e pernas dela foram dilaceradas. Se não fosse pelas runas, a dor em seu corpo seria tão grande quanto o sangue quente que escorria por ele.

As runas deveriam curá-la com mais eficácia, mas, em vez disso, suas pernas fraquejaram, fazendo-a cair na frente dos seus algozes.

"A minha energia está acabando?"  Se isso acontecesse ali, naquele momento, as runas desapareceriam e a dor dos golpes se mostraria em sua plenitude.

A garota se tornaria incapaz de mover sequer um dedo, fazendo-a um alvo fácil para os predadores natos que passaram a localizá-la pelo cheiro do sangue.

Ela tinha que se levantar. Ela tinha que fazer algo.

"A Absorção de Matéria da Bellatrix…" Olhou por impulso para a espada.

Se usasse a sua habilidade especial, seria possível absorver os corpos daqueles monstros, mas essa ideia ainda era demais para ela, mesmo naquele momento.

Em meio a esse impasse, Petra podia ver — como em câmera lenta — as criaturas  aproximando-se com suas garras e presas sedentas.

Tão rápido quanto um piscar de olhos, várias lanças perfuraram gargantas, braços, pernas e corações dos Wendigos.

— Rai?

— Permita-me — disse enquanto ativava o restante das suas runas — acabar com isso, senhorita.

O decorrer da luta consistiu em Raizel atacando aqueles seres em uma velocidade que o fazia desaparecer dos sentidos de todos ali presente.

Apenas leves indícios da sua aura e dos Círculos de Propulsão restavam em meio aos cadáveres dos Wendigos que começaram a se  transformar em névoa.

No fim, ele surgiu de repente ao lado de Petra. As pupilas da garota dilataram e seus lábios se abriram ao vê-lo triunfante e sem qualquer sinal de fadiga.

"Então é isso… a Absorção Espiritual." Não era possível esperar menos. Ao passo que o garoto gastava energia lutando, ele recuperava muito mais a cada oponente morto.

— Eu estou aliv… Eu estou orgulhoso de você, senhorita — disse, oferecendo a mão para ajudar a garota a se levantar.

Mas havia um motivo para ela ainda continuar no chão.

— Acho que eu forcei o meu corpo demais e sofri danos profundos nos músculos das pernas.

Então ele observou os seus ferimentos que estavam demorando a se fechar. Ela realmente estava quase esgotada.

— Entendo. — Raizel se abaixou para pegar a garota e colocá-la nas suas costas.

Huh?

Por um momento, Petra ficou hesitante em subir nas costas dele. Mas eles tinham pouco tempo para desperdiçar naquele lugar.

— Eu vou transferir energia suficiente para que você possa se curar durante o caminho, então foque em manter as runas ativas.

Uhum! — concordou, ao passo que subia nas costas dele.

Transferir energia para ela era algo que Raizel raramente fazia, afinal, sua parceira tinha que se habituar a resolver os problemas com a sua reserva natural.

Os dois se meteram entre as árvores em busca de um local apropriado para montar acampamento.

Por precaução, o nefilim envolveu seus corpos com uma energia verde-musgo que transmitia uma aura bestial, assim camuflando os dois.

Mesmo com aqueles monstros mortos, abaixar a guarda estava fora de cogitação.

Após algum tempo, Raizel parou em frente ao pé de uma montanha e, repentinamente, uma explosão ocorreu, abrindo um buraco semelhante a uma pequena caverna.

— Você já consegue andar sozinha?

Uhum! — disse, já com as suas runas desativadas.

O nefilim deixou a garota descer das suas costas e os dois adentraram na caverna feita por ele. Lá dentro, o rapaz criou uma esfera de energia branca para iluminar o local.

— Deve servir — disse, ao materializar uma peça estranha e jogá-la no teto da caverna.

Logo vários círculos espirituais surgiram e se espalharam por todas as partes do lugar.

— Com a ajuda desse brinquedinho, os monstros não vão sentir a nossa energia aqui dentro.

— Acampar lá fora não é uma opção? Digo, os monstros já foram eliminados.

— Amanhã eles já terão retornado à vida. Dormir lá fora é o mesmo que pedir pra acordar com um monte de dente no nosso pescoço… isso se a gente acordar.

Voltar à vida? Aquelas criaturas possuíam a capacidade de ressuscitar? Só então Petra juntou as peças e percebeu o problema:

— Quando os monstros morrem eles se tornam parte da névoa.

— E a névoa reconstrói os seus corpos após algum tempo, por isso é tão complicado lidar com os bichos deste continente.

Claro, quanto mais forte era o monstro, mais tempo era necessário para ele retornar.

Raizel criou uma grande pedra para fechar a entrada da caverna e começou a retirar o isolante térmico do seu anel de ressonância para cobrir as paredes e o teto da caverna.

Nesse meio tempo, Petra retirou sua blusa de manga longa e percebeu como aquele lugar era incrivelmente frio.

— Como esse lugar pode ser tão gelado? — Ela já estava começando a tremer, apenas com a sua blusa leve que ela estava usando por baixo da outra.

— Nós estamos no Polo Norte, afinal. Aqui é naturalmente um local frio, principalmente, com essa névoa dificultando a entrada de luz no continente inteiro.

— Eu pensei que o Polo Norte tivesse neve — disse enquanto começava a cobrir-se com um cobertor. — Esse lugar é bem estranho.

— Esse é um dos efeitos do portal que está ativo lá no centro do continente.

Após finalizar os preparativos da caverna, os dois conseguiram relaxar pela primeira vez desde que entraram naquele lugar.

Havia uma esfera de luz no centro iluminando o ambiente com dois futons, um de cada lado. Petra ainda estava embrulhada no seu cobertor, sentada ao lado de Raizel, no futon dele.

— Sabe que com o isolante térmico pronto você já pode sair desse cobertor, não é?

Hm! Hm! — negou com a cabeça. Ela já estava bem confortável assim. — Eh... Você conhecia aqueles monstros de antes? Você disse que eles deveriam ser uma lenda.

— Há uma lenda na Terra que conta sobre esses Wendigos. Na lenda eles são retratados como pessoas que se tornaram criaturas bizarras após cometer canibalismo. Em algumas versões eles possuem chifres, em outras não, então é possível que a gente só tenha encontrado alguma variação deles.

— Como uma lenda do seu planeta pode existir aqui?

— Escuta. — Raizel se voltou para a garota com um olhar sério, aproximando-se do rosto dela com um tom assustador. — Dizem que os Wendigos possuem um paladar seletivo.

Hã? — indagou com os olhos bem abertos. — Co-como assim?

— Dos idosos eles só comem os ossos; das crianças, a gordura; dos homens, os músculos e os órgãos; e das mulheres, sabe o que eles comem?

A garota engoliu em seco antes de perguntar. Mais parecia que Raizel estava contando uma história de terror.

— O-o quê?

Chegando bem pertinho dela, ele sussurrou em seu ouvido:

— A pele. Pedacinho por… pedacinho.

Logo a garota se levantou do futon de Raizel com um semblante pálido. Parecia que tinha visto um fantasma.

— E-eu vou dormir agora.

— Durma bem — disse, esboçando um pequeno sorriso de missão cumprida.

E, embora ele tenha dito isso, quem passou longe de dormir bem naquela noite foi o próprio Raizel.

Sonhos em que o Pacto de Ressonância falhou, e ele foi incapaz de salvar a garota do ataque do primeiro Wendigo perturbaram a sua mente.

Independente de quantas vezes ele fechasse os olhos, o sonho sempre se repetia. Em todas as vezes, o corpo inerte de Petra repousava em seus braços.

 O sangue quente da garota manjava suas mãos e roupas, e o cheiro de ferro afligia cruelmente o seu olfato.

Tão forte, mas continua falhando quando elas mais precisam.

Ele nem precisava olhar para a figura atrás de si, já a conhecia muito bem. Era uma versão mais nova sua envolvida numa mórbida aura roxa-escura.

A criança continuou, friamente: Patético, filho de Azriel.

No fim, Raizel abriu os olhos e olhou para o rosto da garota que estava dormindo — exausta — e tranquilamente do outro lado da caverna.

Ahh… — suspirou, levando uma mão ao rosto. — Que merda.

Por sorte, ele não precisava de sono para viver.


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