O Nefilim Primordial Brasileira

Autor(a): Ghoustter


Volume 1 – Arco 3

Capítulo 27.5: Sob a Luz do Luar

O breu da noite era iluminado pelo resplendor das estrelas acima e pelo piscar dos vagalumes abaixo.

Um suave, sereno e agradável som se espalhava entre as árvores frias de Belluno, uma harmonia advinda de um conjunto de aparelhos sonoros.

Espalhada e instalada por todos os lados, a criação de Raizel visava apenas uma única coisa: prover uma bela valsa para a garota que acompanhava seus passos sob o luar.

O vestido longo que Petra trajava era adornado por glamourosas rosas azuis, que se misturavam ao branco-neve do tecido suave.

Em contraste, o nefilim usava um requintado terno preto com uma camisa social vermelha-escura por baixo e uma gravata escura.

Seus passos seguiam uma sincronia divina, digna do reconhecimento dos mais experientes dançarinos.

Ainda que fechasse seus olhos, a garota tinha plena confiança de que seu parceiro guiaria seus passos, ainda que pela vastidão do céu.

Como Petra não possuía muita prática de dança, os dois seguiam, a um ritmo calmo e lento, a coreografia que ensaiaram nas noites anteriores.

Sem soltar a mão de sua parceira, o rapaz fez um leve movimento para cima, permitindo que a garota realizasse um sutil e delicado giro.

O vestido seguiu seus passos e rodopiou a pleno ar, descendo à sua altura habitual quando a cintura de Petra foi envolvida pelo braço de Raizel.

Seu corpo foi delicadamente puxado em direção ao dele e, enquanto segurava sua mão, seus olhos se encontraram.

— Você melhorou bastante, mesmo com pouca prática — disse com voz encantadora enquanto continuava a guiá-la.

— Eu tive um bom instrutor — falou, observando o brilho daqueles olhos carmesins. — Você sabe muito sobre dança.

— Após viver por tanto tempo, a gente acaba se tornando versado em muitas coisas.

— Menos em cozinhar?

Agora ela acertou um ponto crítico.

— É… menos em cozinhar.

Hehe! — sorria genuinamente, ao passo que repousava seu rosto sobre o peito dele; e o som da música, aos poucos, se ausentava.

Todos os enfeites e aparelhos que Raizel criou usando a Conversão de Energia se desfizeram em um tenaz e gentil brilho vermelho.

As partículas de energia percorreram o ambiente, circundando os dois em espiral, enquanto ascendiam aos céus.

— Espero que eu tenha cumprido satisfatoriamente a minha parte, senhorita.

Dando um passo para trás, a moça segurou as bordas do seu vestido e, erguendo-as levemente, fez uma reverência.

— Foi uma noite memorável, cavalheiro.

Pela madrugada, Raizel observava sozinho — sentado no tronco de uma árvore caída — a lua e as estrelas que brilhavam ao longe enquanto segurava uma taça de vinho em suas mãos.

Muitos dos animais montanhosos se refugiaram em seus abrigos, não ousando sair para encarar o clima ameno.

A sua parceira já estava dormindo calmamente dentro da cabana que foi armada logo atrás.

Dado o dia de treino e a dança que realizaram no início da noite, era esperado que ela só acordasse pela manhã.

Ao menos, era o que o rapaz esperava até ouvir o zíper da cabana sendo aberto.

— Rai... Raizel? — disse uma voz sonolenta. — Você não dorme?

— Bem — falou, ao virar-se para ver a garota que esfregava os olhos carregados de sono — beber, comer ou dormir, não acho que eu morreria por falta de algo assim.

— Por isso você não cozin… huh? — No momento em que seus olhos se ajustaram ao escuro, algo lhe chamou a atenção. — Preto?

Oh! Se refere a isso? — disse, passando a mão nos fios pretos do seu cabelo que se misturava ao breu das árvores noturnas. — O que achou?

Não só seu cabelo, como também seus olhos haviam mudado de cor e adotado um tom de lilás, como uma ametista pura.

— Eu vou usar essa aparência quando formos fazer algumas compras em Aludra amanhã.

Após tanto tempo nas montanhas Belluno, era difícil acreditar que logo se despediriam daquele lugar quando o sol raiasse.

— Como você fez isso? — perguntou, enquanto se sentava ao lado dele.

Em vez de responder de imediato, o rapaz criou uma pequena esfera de energia vermelha em sua mão.

— A Manipulação de Energia é uma habilidade bem versátil, sabia? — Logo a esfera adquiriu uma coloração prateada.

— Essa é a minha… — O que restava-lhe de sono sumiu num piscar de olhos. A esfera não só mudou de cor como emanava a energia da própria garota.

Aquela era a Assimilação de Energia, a capacidade de replicar as propriedades da energia de outras pessoas ou, simplesmente, mudar a cor da energia espiritual do usuário.

— Tudo o que eu fiz foi cobrir os meus olhos e cada fio do meu cabelo com energia de outras cores.

Hmmm… — Quem diria que essas mudanças tornariam a sua aparência tão diferente? — Eu não sinto energia nenhuma.

— Eu também posso esconder a emissão da energia.

A presença da energia em sua mão desapareceu de repente, embora a esfera ainda continuasse lá.

Tendo cumprido o seu papel, a energia se desfez com o fechar da mão de Raizel.

— Mas pra que mudar a aparência? — indagou a garota, observando-o um pouco sem jeito. — Eu gostava mais dos cabelos vermelhos.

Haha! É, eu também — disse, enquanto tomava um gole da taça de vinho. — Chamar muita atenção amanhã seria um porre.

Ao chegar em Aludra, eles estariam cercados por muitas pessoas que reconheceriam o Top 1 Rank S.

E, dado o passado de Raizel, se havia algo com o qual o nefilim não se dava: eram as multidões.

— Mas por que essas cores?

Ah! Essa é a aparência de uma certa pessoa.

Huh? — De todos os amigos de Raizel que ela conhecia, nenhum possuía essa aparência. Além disso, até onde Petra sabia, ele não tinha muitos. — Quem?

Estranhamente, o rapaz olhou com certo pesar para o vinho em suas mãos antes de responder.

— Karen Necron.

— Você nunca comentou sobre ela.

— Essa garota tola nem é deste mundo, afinal.

Falar sobre isso lhe trazia memórias de muito tempo atrás, de uma época em que tudo o que ele possuía era o som de um piano para preencher o seu coração.

E, em um dos dias em que despejava toda a sua frustração numa harmonia caótica, ele simplesmente se viu em outro lugar.

Assim como a sua galeria de música, aquela sala era escura e mórbida, mas havia algo incomum ali: uma pessoa.

Uma garota de cabelos pretos e olhos de ametista o encarava com o que parecia uma mistura de surpresa, susto e satisfação em seu rosto.

Quando olhou para o chão e viu o pentagrama desenhado com tinta roxa sob seus pés, o rapaz logo entendeu o que havia acontecido: invocação.

Justo ele foi invocado por aquela garota para outro mundo e — sem dúvidas — não era para dar um passeio.

Pelo que ficou sabendo, a lei que regia aquele outro mundo definia que cada reino seria regido por um rei ou rainha. Se um reino era governado por uma rainha, ele jamais estaria nas mãos de um rei, e vice-versa.

E quando um monarca morria? Bem, a Lei do Mundo selecionava candidatos para participar de uma seleção que definiria o novo governante daquelas terras.

Porém, os candidatos não lutavam diretamente entre si, eles tinham a obrigação de invocar um representante de outro mundo — um neblim — para representá-los nos combates.

E foi assim que Raizel Stiger, a personificação do pecado dos anjos, foi invocado para ser o neblim de Karen Necron, a candidata de menor prestígio na seleção da época.

Independente da forma que olhasse para aquela moça e do tempo que passasse ao seu lado, ele tinha certeza de uma coisa: ela não era apta para ocupar o posto de rainha.

Um monarca precisava ser firme, corajoso, forte e  — quando necessário — sangue frio, características que faltavam àquela garota.

Essa pessoa ser selecionada pela Lei do Mundo era um absurdo sem precedentes.

A situação só piorou quando a garota abriu sua boca para anunciar seu objetivo: "Respeito, eu quero ser respeitada por todos".

Logo de cara, tudo o que conseguiu do nefilim foi a bela de uma risada.

Hahaha! — Raizel levou uma mão ao rosto ao lembrar-se da cara dela ao falar aquilo. — Sério, aquela garota estava disposta a dar a vida por algo tão banal.

— “Dar a vida”?

A seleção real era algo que enchia os corações de alguns de ambição e os de outros de medo. Isso por um simples motivo:

— A vida do candidato real era ligada a do seu neblim. — Então completou em tom seco: — Se um morresse, o outro morreria junto.

E aquelas eram lutas até a morte.

— Sabe, eu não acho que o objetivo dela era algo banal — disse, pensativa, enquanto observava as estrelas. — Se a Karen estava disposta a correr tantos riscos, ela devia ter os seus motivos.

"Seus motivos, heim?", pensou consigo mesmo.

Uma pessoa desconhecida pode falar mal de alguém tanto quanto quiser e, no dia seguinte, nem se lembrará da existência desse alguém.

No fim, apenas o ofendido continuava sofrendo por remoer as palavras negativas.

Esse era um dos motivos pelos quais Raizel havia tornado a opinião dessas pessoas em algo de valor nulo.

E lá estava aquela garota pedindo para ele arriscar a vida por algo que o mesmo julgava sem valor.

“Que menininha mais egoísta.”

— Mas você aceitou, não foi? — indagou com ternura. — Você lutou por ela.

— Eu já estava lá, de qualquer forma.

Essa estava longe de ser uma das respostas mais convincentes que Petra já ouviu.

Se fosse antigamente, ela até aceitaria uma resposta vaga com facilidade, mas agora era um pouco diferente.

— A Karen é importante pra você, não é? — disse, olhando para baixo. Essa pergunta, de alguma forma, fez seu peito doer.

A resposta era um tanto óbvia, afinal, seu parceiro estava utilizando uma aparência baseada na daquela garota.

— De certa forma, ela era.

Petra mordeu os lábios levemente. A sensação que percorria seu peito era algo a qual ela não estava habituada.

De repente, dois braços envolveram sua cintura por trás, e um par de presas ameaçou seu pescoço.

Huh? — A garota nem percebeu quando o rapaz se moveu e se colocou atrás dela. — Ra-Raizel?

Petra podia sentir a respiração quente dele, ao passo que os dentes afiados tocavam a pele do seu pescoço.

— Se quiser se comparar a ela, tudo bem, a única pessoa a se sentir mal por isso será você mesma.

No fim, seu parceiro nem demorou a perceber a sua preocupação.

É, ela realmente sentiu um pouco de… inveja.

Uhum! — respondeu timidamente, enquanto engolia em seco. — Entendido.

A garota estava se esforçando para não se mexer demais. Qualquer movimento desnecessário e aqueles dentes perfurariam seu pescoço.

— No entanto — disse, ao que a soltava com delicadeza — se você continuasse a senhorita que sempre foi, eu me sentiria… bem.

Muitas coisas passaram pela mente de Petra naquele instante, e ela não sabia qual processar primeiro. Foram informações demais para uma noite só.

— Eu… eu vou voltar pra barraca — disse ao se levantar e sair sem olhar direito para o rapaz. — Nós temos um longo dia amanhã.

— Sim, nós temos.

Dentro da barraca, passou as pontas dos dedos pelo local onde estavam os dentes de Raizel.

Ainda era possível sentir a sensação ardente daqueles caninos pontiagudos. Desde quando ele possuía dentes tão afiados?

Mas o que mais lhe incomodava era que, por um momento, ela realmente quis que ele a mordesse.


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