Volume 1 – Arco 3
Capítulo 27: Próximo Passo
— Ah! Eu ainda tô vivo. — Sua voz soou fraca de tanta exaustão.
Trevor caiu vagarosamente de costas sobre sua cadeira no Laboratório de Análises, com a cabeça inclinada para trás.
Havia se passado um mês desde o início do seu trabalho com Sophie sobre as amostras dos portais irregulares.
Nesse período, os dois praticamente não tiraram um dia de folga do trabalho. Contudo, após tantos esforços, conseguiram finalizar aquelas análises que pareciam infindáveis.
— Bem, fazer o que, né? — disse Sophie que demonstrava estar em um estado melhor que o de Trevor. — Não paravam de mandar as amostras dos novos portais irregulares que surgiram nesse mês.
— Ficar repetindo o mesmo processo várias vezes cansa depois de um tempo.
— Bem, você quase não parou as análises. Até parecia que estava hipnotizado.
De fato, enquanto Sophie saía algumas vezes para conversar com Giovanna e alguns funcionários do laboratório, Trevor continuava com o processo de análise incessantemente.
Muitos dos funcionários ficaram impressionados com o foco e a perseverança do garoto.
Mas poucos chegaram a conversar com ele, uma vez que o rapaz, em alguns momentos, não parava nem para comer.
Contudo, todos tinham uma boa opinião acerca de Trevor, considerando-o como um rapaz muito empenhado e atencioso com as suas responsabilidades.
Até mesmo Giovanna gostaria de que ele trabalhasse no laboratório, se não fossem pelas suas funções como um duo da Academia.
— Eu tinha consciência de que estava cansado — disse Trevor, endireitando-se na cadeira — mas parece que a verdadeira dimensão do cansaço só se manifesta depois que a gente para.
Nesse momento, Giovanna bateu na porta da sala, entrando após receber a confirmação de Sophie.
Ela mal entrou e percebeu as feições débeis de Trevor, no momento em que olhou para ele.
— Você tá bem?
— Sim, não precisa se preocupar. — Trevor se levantou e foi para o banheiro lavar rosto.
— Ele vai ficar bem. — Sophie acenou positivamente para Giovanna. — Ele é sempre assim.
Sophie continuava alegre e gentil como sempre. Nesse período em que as garotas passaram juntas, elas se tornaram bem próximas. Sophie até apresentou Eirin e Valentina à sua nova amiga.
Para uma pessoa mais introvertida como Giovanna, Eirin e Valentina eram bem… calorosas.
No entanto, era agradável ter aquelas pessoas por perto, ao menos, era o que a técnica responsável pelo Laboratório de Análises pensava.
— Vocês decidiram parar um pouco? — A garota puxou uma cadeira para se sentar, próxima à sua amiga.
— Na verdade, a gente terminou as análises agora a pouco.
Giovanna ficou um pouco surpresa com a notícia. Considerando a quantidade de amostras, o trabalho dos dois demoraria alguns meses.
Contudo, o que mais se destacava em seus olhos cor de amêndoa era uma certa sensação de melancolia.
— Ei! Qual é a dessa cara, Gi?— disse Sophie, levantando-se e dando um abraço na moça.
"Gi?", pensou, surpresa pelo apelido.
— Faça uma visitinha a mim quando puder, ok?
— Você também... pode voltar aqui às vezes pra ver a gente. O pessoal gostou bastante de você.
Enquanto as duas se abraçavam, Trevor saiu do banheiro com o rosto molhado, mas ainda demonstrando um pouco de cansaço.
Ao ver as garotas abraçadas em tom emotivo, ele indagou:
— Eu... atrapalhei o momento?
— Sim, você atrapalhou, sim! — Sophie brincou com ele. — Humph!
— Bem, nesse caso, eu vou deixar vocês a sós. — disse, enquanto se dirigia para a saída. — Eu ainda tenho que preparar o relatório.
— Ah! Deixa que eu cuido disso — sugeriu Sophie. — Você pode descansar um pouco.
— Mas...
— Sem mas! — Ela sabia que se não fizesse algo, ele iria trabalhar até apagar. — Depois você pode revisar o relatório antes do envio. Agora vai descansar, vai!
Trevor, melhor do que ninguém, podia sentir a preocupação de Sophie, então decidiu atender ao pedido da sua duo.
— Você vai ficar um pouco mais?
— Uhum! Primeiro eu vou me despedir dos outros funcionários com a Gi.
— Certo — assentiu Trevor, pensativo. — Eu me pergunto como o diretor vai reagir aos resultados.
Em uma arena de combate, Klaus treinava sozinho com Andrew.
Eirin encerrou o treinamento de Valentina um pouco antes, então elas saíram para comprar algumas bebidas.
— Você tem certeza de que quer continuar? — indagou Klaus.
— Eu ainda… posso continuar por… mais algum tempo. — A sua voz ofegante dizia o contrário.
Klaus observou o rapaz que já demonstrava estar no limite. Os arranhões pelo seu corpo se destacavam junto à poeira das roupas.
Os seus golpes também estavam muito mais fracos do que antes, por causa do desgaste físico e dos calos doloridos em suas mãos que não lhe permitiam segurar a sua lança livremente.
— Eu espero que você esteja descansando nos dias de folga. Isso também faz parte do treinamento.
Diante das palavras de Klaus, Andrew abaixou um pouco a cabeça, denunciando sua negligência.
— Como você pretende treinar se chegar aqui todo fudido? — Isso lhe trouxe algumas memórias traumáticas, mais precisamente, uma em que ele teve que correr sobre a lava quente de um vulcão. — Eu sou diferente daquele mestre louco que treinava a gente até a exaustão.
— Sinto muito, mestre. — Andrew voltou a abaixar a sua cabeça, sentindo-se um pouco culpado.
— Eu tenho pouco tempo pra te treinar, então venha para cá com o seu corpo em bom estado para conseguir aproveitar os ensinamentos ao máximo.
— Entendido! Eu vou levar isso em consideração daqui pra frente.
— Então vamos encerrar por hoje com a técnica que eu passei pra você na aula anterior. — Klaus deu um salto para trás para pegar distância de Andrew.
Não havia dúvidas de que Klaus era o tutor perfeito para ele. Afinal, ambos compartilhavam tanto a mesma classe quanto a mesma Habilidade Inata.
Os dois se preparam para executar a técnica ao mesmo tempo. Entraram em posição de ataque e aqueceram as suas lanças a ponto das armas adquirirem o aspecto de brasa e começarem a soltar vapor.
— Cabeça do Dragão de Fogo! — gritaram em uníssono, enquanto jogavam suas lanças uma contra a outra
As armas incendiaram no meio do percurso e tomaram a forma da cabeça de um dragão.
A explosão causada pela colisão das armas pressionou o corpo do pupilo para trás.
O garoto teve que se inclinar para a frente e aumentar a força nas suas pernas, caso contrário, teria voado até a outra extremidade da arena.
Enquanto a lança de Klaus continuava flutuando no ar, ainda com o aspecto de brasa, a lança de Andrew havia caído no, voltando a sua temperatura original.
— Se você tivesse descansado, teria obtido um resultado melhor.
Andrew ficou admirado com a personalidade de Klaus ao ensinar. Normalmente seu mestre era bem descontraído e, em alguns momentos, até mesmo irresponsável, mas quando se tratava do treinamento, tudo mudava.
— Quem sabe algum dia você pode fazer a sua lança alcançar a temperatura do núcleo de uma estrela?
— De uma estrela?! — Andrew nunca pensou em alcançar uma temperatura tão absurda. Para ele, o comentário de Klaus soava como um delírio. — Você pode fazer isso?
— Meu amigo, aqui é faca quente na manteiga!
Andrew pensou por alguns instantes que se tivesse essa capacidade, ele poderia ter matado o Boss do portal irregular de Rank A com apenas um golpe.
Por mais resistente que aquele monstro fosse, após receber um ataque desses, ele viraria pó em instantes.
Desde o incidente no portal, Andrew refletia sobre como eles poderiam ter formulado um plano melhor.
O primeiro movimento dele e Valentina foi efetivo, mas depois disso tudo desandou.
— Se fosse assim, eu não teria quase morrido para aquele gorila gigante. O desgraçado ficou me batendo contra o chão, como se eu fosse um boneco de pano.
— Ah, é mesmo! Um monstro fez isso com você.
— Como você reagiria a uma situação dessas, mestre?
— Eu não pensaria duas vezes antes de enfiar a lança quente no olho dele. Como o olho é um local sensível, ele certamente enfraqueceria o aperto, e eu teria uma chance.
Nesse momento, Andrew se deu conta que a diferença entre um Rank A e um Rank S ia além da quantidade de energia espiritual.
Até a forma de pensar era diferente e a velocidade de raciocínio também era maior.
— Mas, apesar de tudo, você tem se esforçado bastante.
— Bem, sim. A Valentina tá dando o seu melhor, e eu não quero deixar todo o peso pra ela.
— Hum! Valentina, heim? — disse em tom provocativo. — Você se preocupa bastante com ela.
— Huh? Sim. Ela é sempre descuidada e irresponsável, então eu tenho que manter a cabeça no lugar.
Ao perceber o que Klaus quis dizer, Andrew ficou um pouco nervoso e tentou corrigir o pensamento do seu mestre, mas Klaus o ignorou e continuou com seu discurso.
— Chama ela pra sair logo, cara — disse, enquanto colocava seu braço sobre o ombro dele. — Os outros não vão vacilar enquanto você perde tempo aí.
— Sinceramente, eu não sei se algo assim daria certo.
Andrew sempre considerou a diferença expressiva de personalidade entre ele e a sua parceira, então esse tipo de coisa nunca passou pela sua cabeça.
— Deixa de frescura, cara. A primeira coisa que você tem que observar numa mulher é o coração. — Então pensou um pouco e disse: — Se bem que os peitos ficam na frente.
— Me-mestre — respondeu sem jeito.
— Mas você não precisa se preocupar com isso, pois como diria um grande sábio: "são os peitos pequenos que preenchem o coração de um homem".
— Huh?
— Afinal, um coração não é tão grande assim.
— Mestre!
A conversa dos dois foi interrompida quando as garotas retornaram carregando quatro garrafinhas nas mãos.
Valentina se aproximou de Andrew e lhe ofereceu uma das duas garrafinhas que estavam com ela.
— Aqui. O seu sabor favorito — disse, esboçando um pequeno sorriso para Andrew. — Que bom que ainda tinham alguns sobrando.
— Eh... Valeu… — Andrew ficou um pouco sem graça, por causa da conversa que teve com Klaus.
A garota, por sua vez, não compreendeu a reação dele, diferente de Klaus que olhou para o rapaz com um sorriso de canto.
— Nós já estamos indo. Até mais, galera! — disse ao puxar Eirin pela mão, deixando os outros para trás.
— O que rolou ali? — perguntou Eirin, ao ver que já havia pegado uma distância considerável.
— Eu realmente preciso explicar? — Klaus soltou a mão de Eirin e colocou seu braço por cima do ombro da garota. — Ah, essas crianças.
— Na verdade, eu queria saber sobre o que vocês estavam falando antes da gente chegar.
Qualquer um notaria que a postura deles mudou assim que Eirin e Valentina entraram na arena.
— Bem, nós estávamos falando sobre… a importância do coração.
— Klaus… — disse, desconfiada.
Na noite fria e silenciosa daquele dia, o diretor Kriven Stear Nosferatu estava sozinho em seu escritório tomado pela escuridão da noite. Em suas mãos jazia o relatório que Sophie e Trevor haviam lhe enviado.
O homem pôs o relatório sobre a mesa, enquanto começava a observar o teto, com feições reflexivas.
— Criação artificial, heim?
Após analisarem a essência de todos os portais que haviam surgido até então, Trevor e Sophie observaram que eles possuíam traços que se assemelhavam à manifestação de um espaço dimensional.
Isso se dava pelos indícios da presença de energia espiritual em todos os portais.
— Quem teria capacidade para criar esses espaços dimensionais e preenchê-los com tantos monstros? E por quê?
Essas eram indagações que o diretor não podia ignorar e que não paravam de perturbar a sua mente, mesmo após reler aquele relatório tantas vezes.
Contudo, isso explicava a razão para ter surgido apenas um portal irregular de Rank S. Criar algo assim é algo inimaginável para um humano.
Todavia, o que mais importava naquele momento era o próximo passo a ser tomado.
Nisso, o diretor abriu a janela do seu MIC e começou a escrever as ordens para a próxima etapa da missão de Trevor e Sophie.
— Eu confio nas mãos de vocês, minhas crianças.
As ordens expressas na mensagem do diretor eram claras e objetivas:
Ao senhor Trevor Foster e à senhorita Sophie Alvarez.
Por meio dessa ordenança, venho informar que ambos estão temporariamente dispensados das suas obrigações com os portais, exceto caso seja indispensável a presença de ambos.
Partam, ainda pela manhã, para investigar os locais em que os portais surgiram e descubram o responsável por trás da sua criação.