O Nefilim Primordial Brasileira

Autor(a): Ghoustter


Volume 1 – Arco 3

Capítulo 23.5: Musa Inspiradora

Sentado em meio a vários quadros de monumentos e eventos históricos, Trevor encarava uma tela branca apoiada em um cavalete de madeira opaca.

Em sua mão esquerda se destacava a presença de um palete marrom contendo algumas amostras de tintas acrílicas de diversas cores.

O pincel inquieto dançava entre os dedos da outra mão, fazendo acrobacias e performances que ressaltavam o assombro da inquietação.

— Sério! Um bloqueio criativo justo agora? — disse, enquanto levava a mão com o pincel em direção ao rosto. — Isso é como um veneno nocivo na vida de um artista.

Inevitável, talvez essa fosse a palavra que mais se enquadrava na situação.

Com o surgimento dos portais Irregulares de Rank A, os duos de Rank S eram chamados com uma frequência muito maior.

Varios duos de Rank A haviam se ferido e alguns estavam em situação crítica de saúde, o que apenas piorava o cenário.

A tensão e a ansiedade para salvar essas pessoas já havia esgotado qualquer rastro da criatividade de Trevor.

De onde se poderia arrumar inspiração quando a sua mente estava repleta de preocupações?

Ansiava por conseguir relaxar pintando alguma coisa, mas o que encontrou foi um belo bloqueio criativo.

Tão vazio quanto a sua mente estava o seu olhar.

— O que resta a um pintor sem criatividade? — disse enquanto colocava o material de pintura em cima de uma mesinha. — Enfiar a cabeça num buraco?

— Então decidiu buscar inspiração nos avestruzes?

A voz doce e meiga o fez olhar para trás para ver Sophie parada na entrada da porta.

Nas mãos da garota havia uma bandeja com um bule, dois copos e alguns cookies caseiros.

— Desde quando você está aqui? — Ele poderia estar tão distraído a ponto de nem mesmo a ouvir abrindo a porta?

Hmmm! Quem sabe? — Não era toda hora que Sophie conseguia vê-lo demonstrando algum indício de fragilidade, então ela queria aproveitar ao menos um pouquinho. — Eu trouxe um lanchinho pra gente.

Ah, obrigado! — O rapaz agradeceu às pressas, enquanto se apressava para jogar alguns dos materiais que estavam sobre a mesa para o lado. — Isso tá uma bagunça.

Já nem era possível se lembrar de quando foi a última vez que organizou aquela sala ou pegou em um pincel para se distrair.

O acúmulo de poeira nas telas, pincéis, mesas e cadeiras havia se tornado notável. Era surpreendente que os jovens não estivessem em meio a uma crise de espirros lá dentro.

Considerando que Trevor sempre foi tão organizado, esse cenário também representava sua bagunça mental.

— Ótimo! Tudo pronto. — Abriu espaço para a garota colocar a bandeja sobre a mesa limpa.

— Você realmente passou duas horas encarando uma tela em branco? — disse Sophie ao olhar para o lado e ver que seu parceiro não obteve progresso algum.

Um suspiro escapou da boca de Trevor, ao passo que o garoto olhava para o seu fracasso com pesar.

Era óbvio que essa seria uma das primeiras coisas que sua parceira repararia ao entrar no ateliê.

— Sim, eu… — O restante das palavras foram empurradas para dentro pelo mais saboroso cookie que ele provara. — Huh?

À sua frente, os olhos verdes e gentis de Sophie o encaravam com ternura genuína.

— Você é sempre assim. — Durante o tempo em que soltava o cookie gentilmente na boca dele, a garota completou: — Se preocupar com aquilo que não pode controlar é o que mata a sua inspiração.

De fato, fosse comum ou irregular, não havia como impedir o surgimento de um portal. Aparecer um vórtice de energia no céu era tão natural quanto chover.

O problema era que a demanda de portais irregulares estava se tornando grande demais para a pequena quantidade de duos de Rank S conseguir lidar.

Hum! Isso tá muito bom. — Cada gota de chocolate era sentida perfeitamente pelo paladar.

Sophie havia caprichado dessa vez. Talvez ela já esperasse encontrá-lo naquele estado.

Hehe! O-bri-ga-da.

— Sério, o que seria de mim sem você?

Hmmm! Deixe-me ver. — Levou um dedo aos lábios macios em reflexão. — Acho que você ia passar o dia neste ateliê e nem ia lembrar de comer.

Haha! Eu sou tão dependente assim de você?

Hehe!

Sem perceber, Trevor havia relaxado e voltado a sorrir. Pensar poderia ser o forte daquele garoto, mas também poderia se tornar o seu maior problema.

Por sorte, sempre que precisava, Sophie estava ao seu lado.

De fato, Trevor nunca se arrependeu do dia em que visitou a feira de ciências daquela escola.

Lembrar-se do evento longínquo o fez soltar palavras reflexivas em baixo som:

— É, você realmente se tornou uma grande mulher.

Hã? — Os olhos da garota se viraram de imediato para Trevor. Ela ouviu direito ou só estava imaginando coisas? — É… bem…

Sophie levou o olhar para baixo e juntou as mãos, mexendo os dois de forma aleatória.

O rapaz estava tão distraído com os biscoitos que nem reparou que falou aquilo em som suficientemente audível.

— Sabe, isso é bem estranho. — Trevor encarou o piso enquanto organizava seus pensamentos.

— Como assim? — Com um pouquinho de esforço, Sophie se recuperou do efeito das palavras ditas a pouco.

— Ao que parece o portal irregular de Rank S que nós fechamos foi a causa desencadeadora desses portais menores.

— Bem, sim.

— Então por que esses portais só surgiram agora, quase um mês após o primeiro?

De fato, isso era bem estranho. É comum para fenômenos naturais darem alguma espécie de indício do seu surgimento e deixar algum tipo de rastro da sua passagem.

As nuvens ficam densas e escuras antes da chuva, e o solo fica molhado ao final dela.

Mas esses portais surgiam do nada e desapareciam como se nunca tivessem existido.

Da mesma forma, quando o portal irregular de Oprantis foi fechado, ele não deixou rastros para trás, então como poderia gerar um fenômeno em cadeia?

E se não foi por causa dele, então por que tantos portais menores estavam surgindo?

Ah, eu preciso pintar, senão vou ficar doido. — Então uma lâmpada acendeu sobre a sua cabeça. — Você… — Virou-se para a garota.

— O que tem eu?

— Um retrato seu. — Trevor puxou um pincel e apontou para a garota, como se a ameaçasse com uma faca. — Você será a modelo para um desenho meu.

— E-Eu?! — Algo que uma pessoa como Sophie nunca cogitou na vida foi posar como modelo.

Sem esperar qualquer confirmação da sua parceira, Trevor foi até um armário e começou a puxar para fora tudo o que encontrava nas gavetas.

— Vamos! Eu sei que deixei em algum lugar por aqui. — Uma após a outra, as coisas eram freneticamente arrancadas do repouso da sua inércia. — Aqui!

Triunfante, Trevor ergueu para o alto um pequeno pedaço de peroba dourada que se assemelhava a um tabuleiro.

"Xadrez?" Os olhos de Sophie brilharam ansiando o objeto à sua frente.

— Você pode sentar aqui. — O rapaz colocou o jogo de xadrez sobre uma mesinha logo à frente da tela branca. — Então… vamos começar?

"Isso não vale." Sophie abriu o compartilhamento do tabuleiro que guardava as peças brancas e pretas e começou a organizá-las uma a uma. "Ele sabe que eu tenho um fraco por esse tipo de jogo".

Algumas pessoas eram compradas por dinheiro, outras por jóias ou objetos de valor, algumas por favores, e Sophie… por jogos de tabuleiro.

— Assim tá bom? — perguntou enquanto segurava a rainha em posição de capturar o rei inimigo, o xeque-mate estava pronto para ser aplicado.

— Isso, só fica nessa posição por mais umas três horas.

— Quê?!

Trevor riu.

Sentado no banco e de frente para a sua futura obra de arte, o rapaz estalou os dedos e completou em tom audacioso:

My lady, você está diante do Designer Polivalente. — Seus olhos brilharam em tom de azul índigo. — Isso não vai durar mais do que alguns poucos minutos.

Mais rápido do que a visão aguçada de Sophie podia perceber, Trevor deslizou os lápis e começou a traçar as linhas do esboço.

O rapaz apoiou três lápis entre as juntas dos dedos da mão direita: um fino, um médio e um grosso; e entre os dedos da outra mão: os lápis mais macios.

Dado os movimentos frenéticos, e aparentemente desengonçados, ninguém esperaria mais do que um monte de garranchos como resultado.

Por mais impressionante que parecesse, o que deveria ser o desenho de uma criança de quinta série, havia se tornado uma figura feminina sem o menor traço de imperfeição.

Só que… faltava algo.

"Huh?" Só então Trevor percebeu. "Os seios".

— Tudo bem? — perguntou Sophie. — Você parou de repente.

Ah, tudo certo. — Tentou disfarçar suas expressões. — Já tá acabando.

A verdade era que diferente do rosto ou do cabelo — as partes que o rapaz observou bem antes de desenhar — os seios não estavam fiéis ao de Sophie.

Sem perceber, Trevor evitou olhar para essa área e acabou por completar de forma intuitiva.

"Eu tenho que corrigir isso antes que ela veja." Afinal, o que a sua parceira pensaria caso soubesse que ele ficou com vergonha por algo tão simples.

Ah, que fofinho, Trevor.

"Sem essa." Apressou-se em pegar uma borracha para corrigir o desenho. Só havia um pequeno problema. "Cadê a borracha?"

Errar em um desenho ou pintura era algo que estava fora do dicionário do Designer Polivalente.

Seu peito gelou. Não havia borracha naquele ateliê.

"Vamos Trevor! Um artista não pode ser derrubado por algo tão simples!"

Se apagar não era uma opção, então ele iria disfarçar — ao menos, tanto quanto pudesse.

As suas mãos voltaram a trabalhar a todo vapor. Afinal, a sua reputação dependia disso.

Passado alguns minutos, seus braços caíram de cansaço. Pelo menos, ele havia se salvado.

"Ufa!" Enfim ele podia dizer: — Está feito.

— Já? — Sophie apressou-se em ver o resultado.

Mesmo que tenha ficado nervosa com a ideia, era inegável que estava ansiosa para ver como Trevor a retrataria.

Para sua surpresa, ela não se deparou com uma figura realista, mas sim com um desenho ao estilo mangá.

Sophie, de fato, estava lá jogando xadrez, contudo o cenário e a sua roupa estavam um tanto — pra não dizer muito — diferentes.

Um fundo xadrez, com casas brancas e verdes — assim como seus olhos — disfarçava toda a bagunça oriunda do ambiente. Algo até que compreensível, mas ela esperava que seu parceiro fosse manter a ar original do ambiente.

Hmmm…

Porém, o que mais lhe chamava a atenção era a roupa. Por que Trevor usou tantos mantos? Era como se tivesse transformado o seu vestido em uma fantasia da Grécia Antiga.

A garota ficou encarando o retrato por muito tempo, o que deixou Trevor desconfortável.

"Será que… ela percebeu?"

— Eu gostei. — Em sua mente, Trevor suspirou aliviado. — Só não imaginei que você me via dessa forma.

Hm! Hm! — Ganhou um pouco de tempo enquanto limpava a garganta. — E de que forma eu poderia ver a minha duo?

Ao virar as costas, a garota não respondeu de imediato, apenas se dirigiu até o tabuleiro de xadrez e passou os dedos sobre as peças.

— Bem, já que eu te fiz esse favor, você não se importaria de perder mais algumas vezes, né?


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