Volume 1 – Arco 3
Capítulo 21: Despedida
Era uma manhã aconchegante. O sol brilhava suavemente e aquecia os pássaros e as plantas da Academia de Batalha Ziz.
O dia em que Petra e Raizel partiriam em sua viagem para continuar o treinamento da garota em um local solitário e hostil, o dia em que se despediriam dos seus amigos, havia chegado.
O nefilim ainda estava preparando alguns equipamentos que levaria para a viagem ao Continente Sombrio de Erebus.
Petra, por outro lado, já havia terminado de organizar tudo e deu uma passada no quarto dele.
— Bom dia! — disse a garota.
Raizel olhou para trás, para ver um largo sorriso de empolgação estampado na face da garota. Ela brilhava mais do que o habitual. Se fosse noite, apenas sua empolgação já seria capaz de iluminar todo o ambiente.
— Vejo que acordou bem disposta.
— Como eu não estaria? — Aproximou-se a passos largos. — É a primeira viagem da minha vida.
Petra sabia que não poderia ver Valentina por um bom tempo e que isso a preocuparia bastante, mas a hora de desbravar o mundo havia chegado.
Além disso, viajar proporciona novas experiências, nesse caso, experiência de combate.
— Tudo bem se eu sair um pouco? — perguntou enquanto via que seu parceiro ainda tinha muita coisa para arrumar. — Eu quero me despedir do Andrew e da Valentina antes de ir.
— Claro. Eu estarei te esperando.
Ao que Petra saiu, Raizel recebeu, pelo MIC, a declaração que havia pedido a Nosferatu. Contudo, mais um documento veio anexado à declaração.
Diferente do primeiro, o segundo documento estava selado e só poderia ser aberto pela energia de Raizel. Após ler o conteúdo com atenção, o rapaz deu uma pequena risada.
— Então esse é o preço que eu tenho que pagar? — Nisso, aquele homem matou dois coelhos numa cajadada só. — Bem a sua cara, vovô.
Quando Petra chegou na arena de treino, viu Andrew com sua lança e Valentina com sua espada enfrentando um duo: um arqueiro e uma espadachim.
A garota esperou um pouco até o intervalo da aula. Observar todas aquelas pessoas praticando aumentava a empolgação e a ansiedade que sentia.
Algo que pôde perceber logo de cara era que aquela aula era menos dolorosa do que as suas com Raizel.
A garota observou os movimentos da sua amiga que tinha algumas dificuldades contra a outra espadachim.
— Que rápidas. — Os movimentos das armas fugiam ao seus olhos. Então decidiu testar o seu progresso com as runas faciais. — Eu… consigo ver.
Como se os movimentos estivessm desacelerados, ela enxergava as espadas dividirem o ar em dois.
Petra sentiu um frio na espinha ao ver a arma da adversária se aproximando da barriga de Valentina. Por um momento, parecia que a jovem não escaparia.
Conforme a lâmina se aproximava, seu corpo se afastou devagar. Ela escapou por pouco.
Progressivamente, os movimentos foram ficando cada vez mais velozes até retornarem à velocidade original.
— Huh! — Uma sensação de ardência se espalhou pela sua face esquerda, conforme a marca sumia. — Só por alguns segundos?
Era frustrante, mas esse era seu limite atual.
Quando chegou o horário do intervalo, os seus amigos logo vieram em sua direção.
— Você já está pra viajar, não é?
Todavia, antes que Petra pudesse responder ao rapaz, Valentina pulou em seu pescoço, abraçando-a fortemente.
— Eu vou sentir tanto a sua falta.
— Tudo bem — disse Petra rindo levemente. — Eu vou trazer uma lembrancinha pra você depois.
— Eu também vou sentir sua falta — ressaltou Andrew. — Eu só não entendo o porquê do Raizel querer se ausentar da Academia.
— "Raizel"? — perguntou uma voz feminina logo atrás dos três. — Então você é a pessoa que formou um duo com aquele cara?
"Aquele cara?" Petra sentiu a hostilidade presente na voz do indivíduo.
Uma garota de cabelos castanhos e ondulados, um pouco mais alta que Petra, estava acompanhada por um rapaz, o seu duo.
— Não seja rude com a garota, Samantha — disse o garoto que a acompanhava, demonstrando ser alguém mais ponderado.
— Eu estou sendo rude com aquele irresponsável que abandonou um portal daqueles sem dar justificativas!
Petra se sentiu desconfortável com o comportamento daquela garota. Afinal, ela era o motivo pelo qual Raizel abandonou o portal de Oprantis.
Seu parceiro fez aquilo porque valorizava a vida dos seus companheiros mais do que tudo. Ainda assim, aquela garota o insultava sem questionar o motivo.
Quando estava para se posicionar contra a opinião de Samantha e pôr um fim àquela situação, Valentina tomou a sua frente, impedindo-a de acabar falando algo polêmico.
— Senhorita Arganov, essa é Petra Lavour, minha amiga de infância e duo do senhor Raizel Stiger.
Samantha observou-a da cabeça aos pés, então estreitou os olhos e mordeu os lábios, confusa.
— Hmmm… Por que formou um duo com aquele cara? Você parece ser uma pessoa bem legal.
Que estranho, seu sangue estava para ferver. Petra não entendia como aquelas palavras podiam estar lhe afetando tanto. Ela só queria parar de ouvir aquilo.
— Por que você não gosta dele? — disse quase como se estivesse falando consigo mesma.
— Irresponsável, egocêntrico, orgulhoso, debochado… — Samantha refletiu um pouco buscando os adjetivos. — Acho que vai demorar pra descrever tudo.
— Você... não sabe de nada.
— Hã? — Tá aí algo que a Top 4 Rank S não esperava ouvir.
De repente o ar ficou pesado e difícil de se respirar. As nuvens fecharam, escurecendo o céu.
Todos ao redor sentiram medo. Eles sabiam bem o que estava acontecendo ao ver sutis faíscas carmesins crepitarem e percorrerem pelo corpo da Top Rank.
— Samantha! — As palavras fortes de seu duo a fizeram cessar o evento quase instantaneamente.
— Er... Eu…
— Você exagerou. E se alguém se ferisse?
A garota que estava tão elétrica ficou pianinho. Machucar alguém era algo pelo qual ela nunca se perdoaria.
— Não foi o que eu… — Com dificuldades para organizar seus pensamentos, só lhe restava uma opção. — Ah! Eu tô indo!
Petra não entendeu a mudança de comportamento. Tudo o que conseguiu fazer foi observar a moça, que virou de costas e saiu a passos largos.
— Eu sinto muito pelo comportamento da minha parceira. — O rapaz inclinou-se para a frente em ato quase de humilhação. — Espero que a perdoe. Ela não é uma pessoa ruim.
— O que você tá esperando, Enzo?! — gritou ao longe.
Com isso, o garoto se retirou para junto da sua companheira, que o fuzilava com os olhos.
— Quem era essa pessoa?
— A Guerreira Trovejante — respondeu Andrew. — A responsável pela aula especial de hoje.
— Então os membros do Rank S podem dar aula?
Sendo assim, Raizel já havia dado alguma aula especial? Bem, era difícil de imaginar.
Após tudo isso, a garota aproveitou o pouco de tempo que ainda restava com os seus amigos.
Valentina a apertava muito forte, por causa disso a Petra teve dificuldades para dar um pouco de atenção a Andrew.
Após se despedir dos seus companheiros, e estar a uma distância considerável, Valentina falou para parceiro: — Nós fomos inúteis, né?
— Huh?
— Naquele dia, se o Raizel não tivesse aparecido... — Abaixou sua cabeça e fechou as mãos em frustração — Todos nós teríamos morrido.
— É, isso ainda tá me incomodando também.
Na sala de Raizel, o rapaz estava acompanhado pelos seus quatro amigos.
O silêncio ambiental carregava a seriedade do assunto tratado ali: era mais do que uma simples despedida.
— Uma das Chaves de Goétia?! — indagou Trevor, a ponto de se levantar em um salto. — O que algo assim faz neste mundo?
— Como a gente não encontrou nenhuma informação do tipo durante a nossa investigação sobre o Naoya? — complementou a parceira do rapaz.
— Bem, você ao menos viu o estigma dela? — perguntou Klaus.
Estigma, o símbolo que marca todas as 72 chaves registradas na Goétia Original. É também a sua forma mais simples de identificação, e o que denota o seu gral.
— Humph! — disse Raizel enquanto levava a taça de cristal à boca. — Você sabe onde o estigma fica localizado?
— Verdade. — Eirin, que estava ao lado de Klaus, já não conseguia mais se manter calada. — Nem ele seria tão sem noção a ponto de pedir pra ver os peitos dela. — Então observou o teto com um certo teor de dúvida. — Ou talvez seja.
O rapaz riu de leve. A garota soltou apenas um "Rum!" e virou o rosto para o lado.
— Você contou pra ela? — perguntou Trevor, no entanto, tudo o que recebeu foi um curto intervalo de silêncio. — Ei! Não me diga que você pretende isso esconder dela.
Aquele era um assunto que a afetava diretamente. Petra, mais do que qualquer outra pessoa, era quem mais tinha o direito de saber a verdade por trás do tal casamento arranjado. Todos, exceto Raizel, concordavam com isso.
— Eu contarei no momento oportuno. A Petra acabou de tirar a corda do pescoço, eu quero que ela desfrute um pouco da paz.
— Ainda que essa paz seja falsa? — Antes que Trevor pudesse falar algo a mais, todos perceberam a presença de alguém chegando.
Em poucos instantes, Petra entrou na sala e se deparou com Raizel acompanhado por Trevor, Sophie e mais duas pessoas que ela ainda não conhecia bem.
— Ah, enfim eu pude vê-la! — disse a garota desconhecida com empolgação. — Eu sou a Eirin, é um prazer te conhecer.
— Eh… — Ficou um pouco sem jeito frente ao comportamento inusitado da moça. — Também é um prazer te conhecer.
— Se você vai viajar sozinha com o Raizel, não deixe ele cozinhar, tá? — Então completou em um sussurro: — Vai por mim, ele é muito ruim.
Petra focou sua atenção em Raizel, o qual estava com as mãos nos bolsos olhando para o lado com um claro semblante de desinteresse.
— Dá um tempo pra garota respirar, Eirin — No fim, foi Trevor quem conscientizou a garota.
— Eita! Foi mal.
— Ah! Tudo bem.
No fim, ela já estava um pouco habituada com aquele tipo de comportamento. Lembrava Valentina, de certa forma.
— Se vocês já terminaram por aí, eu tô com pressa pra sair.
— Estraga prazeres. Humph!
— Que seja — disse antes de se despedir dos seus parceiros. — Eu conto com vocês para segurarem as pontas durante a minha ausência.
— Pode ficar tranquilo, ninguém vai sentir sua falta, mesmo — disse Klaus com um certo sarcasmo. — Claro que eu tô brincando. Ao menos a gente vai sentir… um pouquinho.
Petra terminou de se despedir de Sophie que estava lhe dando um abraço, e de Eirin que retornou ao seu modo ativo.
Ela era uma pessoa bem divertida. Seria muito conhecê-la melhor no futuro. E, com certeza, Valentina iria gostar de Eirin.
Depois que todos se retiraram, Petra perguntou para Raizel: — Ela é sempre assim?
— Às vezes, pior.
Com tudo pronto, estava na hora de usarem o Círculo de Teletransporte e darem um longo "adeus" para aquela Academia de Batalha. Usar aquele círculo trazia boas lembranças para a moça. A primeira e última vez em que os dois o usaram foi para…
Os dois foram transportados para o alto de um conjunto de montanhas. Embora fosse dia, Petra podia reconhecer aquele lugar.
— Foi aqui que a gente fez o nosso pacto? — Por alguma razão, sentiu um forte desejo de segurar o seu anel de ressonância.
— As montanhas Belluno. Um bom local para um treinamento inicial.
— "Inicial"? Nós não vamos direto para Erebus?
— Nós vamos passar uns três meses aqui — disse, enquanto se sentava em uma pedra.
Erebus era um local que causava medo até em duos de Rank S. Seria uma grande negligência da sua parte levar alguém, quase sem treinamento, direto para lá.
— Então por que a gente não ficou na Academia?
Essa era uma indagação relevante, mas a intenção do rapaz era justamente tirá-la da visão de quem pudesse saber sobre o seu segredo. Ao menos, até que ela se tornasse forte o suficiente para se proteger sozinha.
— Aqui nós podemos focar no seu treinamento sem distrações. — Logo tratou de mudar de assunto. — Vamos começar definindo as metas pra esse ano.
— Rank S em um ano — sussurrou para si mesma. — Dá pra fazer, mesmo?
— As metas serão:
- A dominação das runas;
- O desenvolvimento de Habilidade Inata;
- A criação de um Espaço Dimensional;
- Obtenção de uma Veste Divina.
Algumas das palavras do rapaz chamaram mais a atenção de Petra. Habilidade Inata? Veste Divina? Essa era a primeira vez que Raizel lhe contava sobre isso.
— Eu não sei qual é a minha Habilidade Inata. — Afinal sempre restringiram seus estudos e treinamentos para mantê-la sob controle.
— Eu sei — disse com um sorriso convencido no rosto, enquanto retirava um envelope do anel de ressonância. — Por isso tomei a liberdade de solicitar o seu exame.
Quando e como Raizel fez isso era algo que ela não fazia a menor ideia. No entanto, quando estava para falar algo, ele se antecipou e retirou o conteúdo do envelope.
— Isso é?
— Sua Habilidade Inata.
E lá estava escrito: Manipulação de Gravidade.
Era difícil saber como reagir. Nunca esperou descobrir isso de repente. Além disso, quão poderosa era essa habilidade?
Vendo a perplexidade da garota, Raizel continuou: — Acredite. Se você tivesse recebido o treinamento adequado, já estaria no Rank S.
Essas palavras a animaram de tal forma que não tinha como esconder sua empolgação. Mas ainda tinha algo a mais.
— E a Veste Divina?
— Isso fica pro final.
O anjo poderia ou não fazer o pacto com ela, e os critérios que costumam usar tendem a ser pessoais. Isso era um problema, já que, sendo a parceira dele, muitos anjos ofereceriam resistência.
— Você teve dificuldades pra conseguir a sua?
— Eu não tenho. — E, em um instante, desfez toda a empolgação da garota. — A casta de anjos que é compatível com a minha Habilidade Inata não vai muito com a minha cara, e eu não vou com a cara deles também.
— Às vezes parece que os anjos não são tão bons — disse reflexiva.
— De qualquer forma — falou, puxando a luva da sua mão direita em direção ao pulso, enquanto espadas se formavam entre as árvores — prepare-se, senhorita.