Volume 1 – Arco 3
Capítulo 20: Promessa
— Você realmente pretende se apresentar com essa aparência? — perguntou o homem de olhos e cabelos dourados com uma voz gentil e firme.
— É melhor assim — disse Raizel, passando a mão em seus cabelos escarlates.
O homem olhou para baixo, na direção do pequenino. O seu olhar carregava um pouco de alívio, mas a preocupação se destacava mais. A partir dali o garoto não estaria mais sozinho, no entanto, a vida ainda seria muito dura com ele.
— Eu sei que pode ser bem complicado no início, mas certamente algum dia você encontrará alguém que estará ao seu lado e disposto a te proteger.
— Me proteger? — Olhava para uma cidade ao longe. Àquela distância ela era minúscula, quase imperceptível aos olhos. — O mais forte pode proteger qualquer um, mas quem vai proteger o mais forte?
— Humph! — O homem levou uma mão à boca para segurar o riso. — Se esse alguém não existe hoje, essa pessoa poderá existir no futuro. Mas se há um local onde você poderá encontrar pessoas fortes será nas Academias de Batalha.
Na época, essas instituições ainda estavam começando a serem desenvolvidas com a proposta de reunir as pessoas mais capacitadas de cada continente para lidar com os monstros dos portais que estavam se intensificando cada vez mais naquele mundo.
Contudo, o jovem Raizel provavelmente não seria muito bem recebido pelos tenjins do continente de Vagrant — a raça com maior proximidade dos anjos.
No continente de Yharnam, muito menos. Os majins — os mais próximos dos demônios — cuspiriam no chão só de olhar para um nefilim.
Tudo o que lhe restava era ir para o continente de Harvest, onde os semi-humanos residiam. Isso ou...
— Eu acho melhor você ficar no continente de Hervrom junto a humanos, uma vez que dada sua aparência você poderá se inserir melhor entre eles.
— Viver entre humanos, hein?
— Você ficará na Academia situada ao norte de Hervrom. Entre em contato com o diretor fundador dela, Damian Stear Nosferatu, entendido?
Naquela altura do campeonato, o homem já havia sido instruído a recebê-lo e ficar responsável pela sua educação.
— Se esforce para contribuir para a ordem desse mundo e ter uma vida da qual se orgulhe, pequeno Raizel.
O nefilim acordou no meio da madrugada e se viu olhando para aquele teto escuro. Tão solitário quanto as imagens que lhe viam à mente.
— "Disposto a te proteger"? "Uma vida da qual se orgulhe"?
Até mesmo um dos poderosos Arcanjos era capaz de dizer algumas besteiras.
Durante a tarde do dia seguinte, Raizel e Petra já estavam na recepção da sala do diretor esperando para serem atendidos. Aparentemente Nosferatu já estava atendendo alguém antes deles chegarem.
— Nós podemos esperar um pouco — disse Raizel, dirigindo-se para os bancos de espera.
— Na verdade, vocês já podem entrar — disse o assistente. — Essas foram as instruções que me foram dadas. Eu vou anunciar a chegada de vocês.
"Vindo daquele cara, deve ter algo de errado nisso."
Quando os dois entraram na sala, eles se depararam com um rapaz que estava na casa dos 20 anos. Ele era alto, tinha cabelos lisos prateados e olhos verdes.
— Caspian? — disse Petra surpresa.
No momento em que a viu, o garoto foi em direção a ela para lhe dar um abraço. Um sorriso inundou seu rosto com uma mistura de felicidade e alívio.
— É tão bom te ver bem, irmã.
— O-o que você faz aqui? — perguntou ao conseguir se soltar do abraço apertado do seu irmão. — E o que houve com você?
Dado o encontro repentino com o seu irmão, a garota demorou para perceber as faixas brancas que abraçavam os braços dele por debaixo do seu terno preto. Além de alguns curativos que enfeitavam sua face.
— Ah, sim. São alguns ferimentos que eu obtive durante o treinamento.
Como candidato a sucessor de uma casa nobre, Caspian recebia treinamento para autodefesa, mas não podia se inscrever na Academia de Batalha.
Caso o líder atual morresse, ele teria que assumir as responsabilidades o quanto antes. Portanto, arriscar sua vida em um portal estava fora de cogitação.
Isso veio a calhar para esconder a verdade para a sua irmã mais nova. Seria ruim contar para Petra sobre os dias de punições que ele passou nas mãos de Naoya por ter ajudado ela a escapar da mansão.
— Eu estou aqui como o líder provisório da família.
— Mas e o Senhor Naoya? — perguntou Petra, já sabendo o que houve na noite em que Raizel lhe entregou o pingente do sol.
— Ele está desaparecido junto a muitos outros — respondeu Caspian. — Ao que parece foi algum atentado contra nobres, mas o motivo ainda é desconhecido.
— En-Entendo.
— Assim, caso eu seja consagrado o líder interino, seria bom se você retornasse para casa.
"Quê?!" Surpreendeu-se Raizel quase verbalizando seus pensamentos.
— Hã? — Essa proposta era algo que a garota não esperava. O caminho de vinda foi longo, mas o de volta parecia tão curto.
— Você não precisa mais se arriscar em missões da Academia. Você pode viver uma vida normal daqui para a frente, irmã.
A garota não conseguiu responder.
— Você pode sair, passear, participar de eventos e conhecer o mundo como qualquer outra pessoa.
Apenas silêncio.
O diretor Nosferatu não pretendia se envolver em assuntos familiares, Caspian esperava por uma resposta, Petra estava pensativa, já Raizel…
"Ela… vai embora?" Um vazio começou a se formar em seu peito.
O duo que ele demorou tanto para construir estava para se desfazer em instantes. Essa sensação… Ah! Essa sensação, ele a conhecia muito, muito bem.
"Por que esse cara tinha que aparecer?!"
"A culpa é dele! Livre-se dele!"
"Isso é o que você sabe fazer melhor, filho de Azriel!"
— Eu vou ficar — disse Petra quebrando o silêncio e pondo fim aos pensamentos que assombravam a mente do seu parceiro. — Eu tenho um novo objetivo agora.
O coração do irmão mais velho queria se opor àquela decisão. Demorou tanto para que esse momento chegasse, se a perdesse para um portal talvez ele não suportasse.
— Entendo. Se esse for o seu desejo, como seu irmão mais velho, eu irei te apoiar.
— Obrigada, irmão. Isso me alegra muito.
Caspian se voltou para o diretor Nosferatu que observava calmamente o desfecho do encontro dos irmãos.
— Eu fico agradecido pelo seu precioso tempo e por aceitar a missão de investigação, diretor.
— Esse é o dever da nossa instituição. Tenha um bom retorno, jovem líder Lavour — disse o diretor. — Como pode ver a sua irmã também está ótima.
Caspian fez uma reverência para o diretor e estava para se retirar da sala quando seus olhos verdes se cruzaram com os escarlates.
— Por favor, cuide bem da minha irmã, Raizel Stiger.
— É o que eu farei, ainda que o inferno congele.
"E o céu venha a baixo." A sua parceira nunca se esqueceu dessas palavras. Seus lábios curvaram-se em um sorriso ao lembrar do Pacto de Ressonância.
"Então esse é aquele que ocupa o topo do ranking", pensou Caspian, enquanto se retirava da sala. "Talvez, você não seja uma pessoa tão ruim".
Assim, o diretor tomou o rumo da conversa.
— O coração deste velho se comove com tamanha determinação, minha jovem.
— Eu fico grata, diretor — disse Petra, solenemente.
— Agora, indo direto ao ponto — disse o diretor com um olhar sério para Raizel. — Você tem envolvimento no desaparecimento desses nobres?
— Sim — disse Raizel sem demonstrar hesitação.
— Huh… — O diretor respirou fundo e franziu a testa. — Você sabe o que a sua posição simboliza para a Academia? O problema que nós teríamos caso o nosso membro mais forte fosse exposto como um… assassino?!
— Eu estou ciente das consequências dos meus atos e aceitarei a expulsão se necessário.
"Expulsão?!" Petra olhou abruptamente para o seu parceiro.
— Oh! Então esse é o seu movimento contra esse velho?
Raizel conhecia Nosferatu melhor do que qualquer outra pessoa naquela Academia. O inverso também era válido.
O nefilim sabia que seria necessário mais do que a morte de alguns nobres de má índole para ser expulso.
— É assim que você gosta de jogar, vovô.
— Hahahaha! — O homem de cabelos grisalhos gargalhou tão alto que Petra abriu bem os olhos de surpresa. — É, minha família tem culpa nesse seu comportamento.
— Mas, mesmo assim, o senhor não vai deixar isso passar em branco, estou certo?
— Eu pensarei em algo para você depois. Agora eu tenho que resolver essa confusão que me arrumou.
— Eu agradeço.
— Já quanto ao portal, o que você tem a dizer?
— Acredito que os outros já tenham passado os detalhes, então o que o senhor deseja saber exatamente?
— O que você, que enfrentou o Leviatã no passado, tem a dizer sobre o boss do portal?
— Aquele monstro simplesmente… não deveria existir. Ele era semelhante em poderes e aparência. Mais fraco que o verdadeiro, porém problemático.
— Mas as Quatro Bestas Sagradas não podem se reproduzir — disse o diretor para si mesmo.
— Vai levar muito tempo para detalhar tudo.
— Eu estarei esperando um relatório escrito. Por ora, isso é tudo.
— Como desejar — disse Raizel. — Mas antes eu gostaria de pedir algo. Se possível eu quero uma declaração permitindo a nossa entrada no Continente Sombrio de Erebus.
— O quê?! — O diretor quase se levantou da cadeira. Esse garoto só manda uma bomba atrás da outra. — O Continente dos Monstros?!
— Eu vou levar a minha parceira para o Rank S em um ano, mas para isso eu preciso treiná-la em um local mais apropriado.
— Tinha que ser vo…cê? — Nosferatu acabou de pensar na punição para o rapaz. — Certo, amanhã você estará recebendo a declaração.
— Obrigado. — Nem era necessário pensar muito para saber que tinha uma bomba escondida atrás das palavras daquele homem. — E pelo Caspian também.
— Oh! Considere como um bônus.
Quando os dois estavam a sós no corredor, Petra não suportou mais a curiosidade e indagou:
— Por que você agradeceu pelo meu irmão?
— Ah! Você não estranhou ele ter te deixado aos meus cuidados tão de boa?
— Realmente… — Caspian era alguém que se preocupava demais com a sua irmã a ponto de não se importar de enfrentar Naoya sozinho depois da fuga dela.
— O Nosferatu deve ter feito a cabeça dele. Por sinal, por que você não foi com ele?
— Eu já disse. — Petra colocou as mãos para trás das costas e fez um giro sutil se pondo na frente de Raizel, fazendo-o parar.
— "Um novo objetivo"?
— Sim. Você salvou a minha vida, eu quero te recompensar por isso.
— Você enfim conseguiu a liberdade que tanto queria. Não precisa se prender a ninguém.
— Por isso, estou tomando essa decisão livremente.
A garota tirou o pingente do sol que estava junto ao pingente da lua em seu pescoço, por baixo da blusa do uniforme.
— Esses pingentes foram criados pela minha mãe para expressar o desejo de duas pessoas de construírem uma relação de proximidade — continuou a garota, envergonhada. A coragem que ela tinha reunido acabou de ir embora. — Então eu... eu gostaria que nós pudéssemos nos aproximar mais no futuro.
— O meu duo, você já é uma das pessoas mais próximas que eu tenho.
— Hum! Hum! — A garota levou umas das mãos até a boca e respirou fundo. Para alguém tão perceptivo, ele estava sendo bem lento, ao menos, foi o que se passou pela mente dela. — Eu quero que nós possamos nos encarar como pessoas, não só como colegas de trabalho.
O nefilim hesitou por um instante.
— Por que se preocupar com isso agora? — ficou estático perante a garota que era um pouco mais baixa do que ele.
— Eu quero te proteger também.
O mais forte pode proteger qualquer um, mas quem protegerá o mais forte?
As palavras que ele disse há tanto tempo vieram para dar oi.
No entanto, aquela garota, muito mais fraca do que ele, disse que queria protegê-lo. Isso seria motivo de piada para qualquer um. Contudo…
O rapaz esboçou um pequeno sorriso e pegou o pingente que Petra estava segurando, colocou-o em seu próprio pescoço e guardou dentro da camisa.
— Certo, a partir de hoje, eu estou confiando as minhas costas a você, senhorita.