O Nefilim Primordial Brasileira

Autor(a): Ghoustter


Volume 1 – Arco 2

Capítulo 8: Infeliz Encontro

Petra observava o teto do seu novo quarto enquanto descansava. Diferente do de Raizel, que estava repleto de relíquias de batalha e algumas armas ornamentais, o dela não tinha muita coisa além da cama, um guarda roupas e estantes vazias.

O descanso da garota foi interrompido pelo soar de um "Toc! Toc!" advindo do lado de fora. Entendendo a mensagem, logo ela se levantou para recepcionar o seu parceiro.

Quando abriu a porta, deparou-se com Raizel segurando um estojo branco em uma mão e uma sacola preta na outra.

— Como está se sentindo hoje, senhorita?

— Acho que bem. Pelo menos já posso me mover com mais liberdade — explicou, enquanto seus olhos insistiam em se voltar para o estojo branco. — Agora eu posso fazer um passeio que prometi à Valentina.

— Então você prometeu algo assim — refletiu, estreitando o olhar, como se cogitasse sobre algo ruim. — Eu gostaria que você tomasse cuidado.

— Huh?

Seria apenas um simples passeio com os amigos. Que risco haveria? Além de que eles estariam no território de uma das Academias de Batalha. Só um louco ousaria aprontar alguma coisa lá dentro.

— Joseph August. — Esse era um louco.

A barriga da moça gelou de imediato. O nome daquele cara sempre era desagradável de se ouvir. De forma inconsciente, Petra prendeu a respiração por um momento. O peito começou a doer.

Com um pouco de esforço, ela conseguiu manter a postura. Então aquela gente já estava atrás dela. Pior do que isso, como Raizel descobriu sobre o Joseph? Como ele iria tratá-la agora? Como ela iria se justificar para ele?

— Ah! Pode entrar. — Só então Petra se deu conta de que os dois ainda estavam de pé, em frente à porta.

Como o quarto estava com pouca mobília, os dois se sentaram na cama. Um pequeno silêncio inquietante instaurou-se no espaço quase vazio.

Raizel não fazia a menor menção de falar algo, e a razão para isso era clara: embora ele já estivesse por dentro da situação, queria ouvir cada palavra ser proferida pela boca da sua própria parceira. 

— Casamento que o meu padrasto quis pra mim. — Cabisbaixa, evitava olhar o rapaz nos olhos, principalmente quando notou que Raizel apertou a sacola e o estojo com força. — A gente nunca teve nada, eu juro.

— Entendo. — De fato estava tudo de acordo com as informações coletadas por Trevor e Sophie. — Iriam te usar como moeda de troca. — Terminou a fala com um sussurro inaudível: — Que nem fizeram com ela…

— O Jo…  O Joseph já sabe que eu fiz um Pacto de Ressonância?

— Haha! — Aquela pergunta puxou a mente de Raizel para o dia que encontrou o infeliz na sala do diretor. — Ah, ele já deve saber. — E o moleque estava mais do que puto com aquilo.

Buscando aliviar o clima pesado que se alastrou entre eles, o nefilim puxou o estojo e a sacola que estava carregando e ofereceu-os à sua parceira.

Ao ver o conteúdo, a preocupação de Petra começou a diminuir quase de imediato. Só havia algo capaz daquilo, algo que ela não tinha o prazer de pôr as mãos há bom tempo.

— Isso é...?

— Um violino. — Raizel colocou o estojo sobre seu colo. — Eu vi em uma memória sua quando fizemos o Ritual de Ressonância.

Palavras faltavam para expressar tamanha felicidade e ainda havia mais coisa. Quando o nefilim abriu a outra sacola, os olhos de Petra brilharam mais uma vez.

O tecido era macio, mas bem resistente, idealizado para o combate — o uniforme dela, feito sob medida; era mais do que lindo.

— Depois eu te entrego algumas das minhas partituras pra você praticar. — O rapaz preparando-se para sair, quando uma mão segurou sua camisa por trás.

— Você já vai pro portal? — A voz da garota saiu mais fraca do que Raizel esperava, depois da empolgação do violino e do uniforme.

Petra abaixou a cabeça e ficou em silêncio enquanto continuava segurando a camisa do seu parceiro.

Ela nunca entrou em um portal antes, mas qualquer um sabia que era algo sem garantia de retorno, principalmente quando se tratava de um portal irregular.

— Você vai ficar bem, né?

Aquela garota estava preocupada mesmo. Isso era uma novidade. Mesmo os amigos de Raizel nunca se preocuparam tanto se ele retornaria ou não de um portal, independente do quão problemático fosse.

Ninguém duvidava — ou se importava — de que o Primordial retornaria; os amigos pela certeza de que ele era forte, os outros até desejariam que ele nem voltasse.

Contudo, agora havia alguém em casa torcendo por ele e aguardando a sua volta, era uma sensação estranha.

Raizel se virou e colocou uma mão sobre os cabelos prateados e macios da moça.

— Eu voltarei, nem que eu tenha que matar o próprio Diabo.

— Uhum! — Assentiu com a cabeça.

— Mas, só por preocupação...

O nefilim tirou uma pequena esfera do seu bolso e entregou para sua parceira, um Dispositivo de Teletransporte registrado para sempre retornar para a residência dele.

— Caso tenha problemas enquanto eu estiver fora, use sem hesitação, entendeu?

Petra encontrou Valentina e Andrew em uma cafeteria, já usando o seu uniforme. Reunidos na mesa, os três estavam aproveitando o clima do ambiente aconchegante, recheado pelo delicioso aroma de bebida quentinha.

— Ah! Que linda! — Valentina olhava admirada para sua amiga, quase pulando por cima da mesa. — Tá perfeita!

— Você disse isso umas dez vezes hoje — comentou Andrew, tomando cuidado para não derramar sua xícara, já que a garota ao seu não parava quieta.

— Humph! — Virando o rosto para o lado, Valentina fez beicinho. — E direi mais umas mil vezes.

Petra, que os observava, levou uma mão aos lábios, a fim de segurar uma pequena risada. Os momentos com os seus amigos eram de um preço impagável.

— Que bom que você já pode sair, né? — Um leve arrepio percorria a espinha de Valentina só de se lembrar do ambiente da residência daquele troglodita. — Cruz-credo. Como alguém consegue viver naquele lugar?

Ao menos, Petra podia observá-lo tocando piano de vez em quando. Raizel conhecia tantas músicas que ela nunca ouviu.

Além disso, seu parceiro tocava como ninguém. Poderia escutá-lo dedilhar o piano por dias e semanas. Mesmo assim, jamais se cansaria.

— E eu pensando que essa era a sua especialidade — pontuou Andrew.

— São músicas de compositores que eu nunca ouvi falar, tipo: Beethoven, Mozart, Vivaldi e Tchai… Hmmm! — Elevou os olhos ao teto na tentativa de se lembrar o nome do artista. — Tchaikovsky?

Logo ela se lembrou de compartilhar uma boa notícia com os seus companheiros. — Ah, sim! O Raizel me deu um violino.

— Quê?! — Valentina quase deixou sua xícara de café cair das mãos. — Eu que deveria ter te dado um. Ah, sério, como eu pude ter esquecido?!

Todos riram do comportamento da garota. Embora, já fosse esse o seu habitual.

— A Valentina disse que você tocava muito bem, quando era criança.

— Eu aprendi com a minha mãe. — Com amor e carinho, sua falecida mãe a ensinou cada nota e técnica de arco. — Mas depois que quebraram o meu instrumento, eu nunca mais tive a oportunidade de pegar em outro.

Petra observou os dedos da sua mão esquerda dedilhar o ar, sentindo que já não era o mesmo movimento fluido de antes. Mas, algum dia, ela — definitivamente — o teria de volta.

O que fugia dos sentidos do grupo era que, ao longe, e em contraste aos três, um certo indivíduo os vigiava de forma cautelosa, enquanto segurava uma imagem de Petra em suas mãos.

Na cidade de Oprantis, todos os reforços para uma eventual quebra do portal haviam sido duplicados.

Ninguém ousava sorrir sem preocupação enquanto aquele redemoinho de sangue pairava sobre suas cabeças.

— Nós já estamos chegando, pessoal — Sophie levou as mãos ao peito, torcendo pelo bem-estar dos seus amigos.

O vórtice do portal se acalmou, indicando que a entrada estava enfim liberada. A hora de acabar com aquilo havia chegado.

Quando Raizel estendeu um braço, espadas surgiram ao redor da sua cintura, como se fossem um manto, e outras nas suas costas, como um par de asas.

— Vamos acabar com isso rápido.

Diante de uma enorme águia de metal, no alto de um dos montes que circundavam o território da Academia de Batalha Ziz, o grupo via o passeio daquele dia aproximar-se do fim.

— O monumento mais importante dessa Academia — proclamou Valentina, com os braços praticamente abertos. — Das Quatro Bestas Sagradas, Ziz, o Guardião dos Céus!

Por instinto, Petra colocou uma mão sobre o símbolo da águia em seu uniforme. Era a mesma imagem, porém em uma versão menor.

— Todo mundo tem que vir aqui ao menos uma vez, sabe? — enfatizou a de cabelo rosa. — É memorável.

— Você está certa, Valentina. — Uma voz masculina, desagradável e familiar, soou logo atrás. — É um momento memorável.

Quando o grupo se virou, suas barriga gelaram. Aquele desgraçado — o ser imundo — estava bem diante deles, dirigindo um olhar sugestivo para Petra.

De imediato, a garota levou uma mão ao bolso, onde estava o Dispositivo de Teletransporte entregue por Raizel; mas ela precisava tocar nos seus amigos primeiro para poder levá-los consigo.

— O que você faz aqui? — Valentina não podia conter sua irritação ao ver um dos responsáveis por causar tanto sofrimento à sua amiga. — Corno!

— Corn...? Ora sua…! — Irado, aproximou-se rapidamente de Petra, agarrando-a e puxando-a pelo braço. Como a moça estava com o Dispositivo de Teletransporte na mão, acabou por deixar o objeto cair.

Como temia o efeito de rastreamento do Pacto de Ressonância, Joseph foi veloz em arrancar o anel de ressonância do dedo da moça.

— Ai! — Uma dor repentina se espalhou pelo seu dedo. Todavia, esse ainda era o menor dos seus problemas.

Andrew sacou uma lança e tentou partir para cima de Joseph, mas foi parado e arremessado para longe por duas pessoas que surgiram do nada.

— Eu nunca sujaria as minhas mãos com uma ralé sem nome do Rank A. — Mantendo a garota presa pelo pulso, o infeliz fitou Andrew com nojo. — Plebeu.

Logo todo o grupo de Petra estava cercado por cerca de vinte inimigos espalhados pelas árvores, observando-os como lobos à espreita da sua presa.

— Como tantos se aproximaram sem a gente perceber? — Perguntou-se Valentina.

— Um Rank A querendo entender as habilidades de um Rank S? — Joseph levou a mão livre ao rosto e gargalhou vitorioso. Em seguida, pisou no Dispositivo de Teletransporte de Petra, quebrando-o. — Sem resgate para vocês hoje.

Petra tentou um esforço para soltar seu braço da mão de Joseph, mas o indivíduo apenas a apertou com ainda mais força, fazendo seu pulso adquirir um tom avermelhado.

— Eu soube que você fugiu com a ajuda daquele tal de Raizel-alguma-coisa e fez um pacto com ele. — Encarava-a com um semblante descontente ao olhar para o seu uniforme. — Eu te admirei desde pequeno, mas agora é só uma vagabunda que abre as pernas pra um híbrido imundo qualquer.

As palavras de Joseph, além de ofensivas, não faziam o menor sentido. Quem ajudou Petra a fugir foi Andrew e Valentina. Raizel nem mesmo conhecia ela até alguns dias antes; mas, tratando-se daquele indivíduo, era comum que tirasse conclusões equivocadas.

— Olha como fala! — Materializando sua espada, Valentina tentou se impor, mas foi atacada por mais um dos duos que estavam com Joseph. Derrubaram-na no chão e começaram a chutá-la, jogando-a contra uma árvore.

“Valentina...” Petra viu sua amiga se levantar com um semblante de dor. Sentiu raiva, mas também culpa. Se ela tivesse usado o Dispositivo de Teletransporte a tempo, eles teriam escapado.

Andrew tentou ajudar a sua companheira, mas os dois se encontravam em uma ampla desvantagem contra vinte inimigos.

Não conseguiriam se manter por muito tempo contra seus oponentes. Atacar um apenas gerava aberturas para serem esbofeteados pelos outros.

— Você é igual à sua mãe, Petra. — Joseph tentou expressar uma falsa tristeza. — Depois da morte do seu pai, logo ela se refugiou nos braços de outro homem. Uma vagabunda.

— Retire... — Diante de tal insulto, a garota puxou sua espada astral com a mão livre e lançou um ataque em direção ao rosto de Joseph. — O que disse!

O infeliz desviou. Soltou o braço dela e chutou-a nas costelas. Petra foi ao chão e levou as mãos em direção à área atingida.

— Assim como no caso da sua mãe, esse cara também trará a sua ruína.

— "Também"?

— Vai dizer que você ainda não sabia? — Inclinou-se na direção dela e pôs ênfase na sua fala: — Foi o Senhor Naoya que matou ela, óbvio.

Era fato que seu padrasto tinha tratado-a muito mal depois da morte da sua mãe, mas ele, o homem em quem ela confiou, foi o responsável pela sua morte?

— Eu pensei que você já tivesse ouvido a verdade pelo seu irmão — suspirou. — Ah, aquele Caspian, sempre protegendo a irmãzinha.

Vendo a moça perplexa, continuou a deliciar-se com a tortura psicológica. Ela tinha que pagar por todos os problemas que causou ao fugir de casa e por ter “traído” ele.

— Você tinha que ter visto a cara do seu irmão ao saber que a morte da própria mãe foi orquestrada por aquele com quem ela compartilhava a própria cama. Hahaha!

Petra já não queria saber de mais nada. Tomada pela ira, tentou atacar com a Ascensão Divina, mas Joseph contra-atacou com o mesmo golpe.

Porém o rapaz saiu vitorioso com uma larga vantagem. Restou para a moça ser tragada por aquela energia imunda, a qual devastou boa parte da vegetação.

Ele era um Rank S, afinal, e Petra acabara de sair de um estado crítico. Independente do ponto de vista, aquilo era mais do que injusto.

— Achou que ia me vencer com um ataque que qualquer um pode aprender em um livro? — Aproximou-se da garota, caída e sem forças, e estendeu-lhe a mão. — Mas eu posso te proteger de todo o mal... Petra.

Diferente das palavras que Raizel proferiu após o Pacto de Ressonância, as de Joseph eram vazias e desprovidas de qualquer emoção pura.

— Men… tiroso!

Inesperadamente, todos no local sentiram uma enorme pressão os puxando contra o solo. Com exceção de Joseph, que apenas se curvou, os demais foram ao chão, até mesmo Andrew e Valentina.

— Sua vadia… sua Habilidade Inata... — Logo avançou contra Petra, derrubou-a e começou a chutá-la, enquanto ela gemia de dor. — Puta! Vadia! Vagabunda! Fez eu me curvar?!

Só quando cansado e ofegante, Joseph puxou a garota para cima, pegando-a pelos cabelos, agora bagunçados e sujos pela terra, assim como o rosto ferido e o uniforme, que estava cinza de poeira.

— Esses cabelos prateados… tão belos. — Nem se importava em mascarar a podridão que jazia no fundo de seus olhos enquanto a observava. — Seria tão ruim te perder de novo. Devo eliminar qualquer possibilidade de fuga.

Dada a personalidade do padrasto dela, Naoya nunca reclamaria caso a garota chegasse lá com braços e pernas quebrados, reclamaria?

“Argh! Esse cara é… maluco”, pensava Andrew em meio aos pontapés. “Como superar… essa desvantagem? Como tirar… as garotas daqui?”

— Ah! Acho que seus amigos são desnecessários, certo?  — O maldito voltou o olhar para os seus subordinados. — Quebrem os inúteis logo de uma vez.

Pelas ordens do líder, os duos puxaram o braço esquerdo de Andrew e Valentina e começaram a puxá-los para trás.

A dor latejante pelo movimento forçado dos ossos e a contração dos músculos espalhou-se por seus ombros e rostos. Era difícil conter os gritos em suas gargantas.

— Observe bem — dizia, enquanto ele mesmo observava. — As pessoas que vão morrer por sua causa, Petra.

Foi quando algo estranho aconteceu: o local em que estavam transformou-se em um vasto vale coberto por uma densa neblina.

Armas manchadas de sangue estavam caídas no chão e várias espadas astrais flutuavam no ar, como se estivessem em gravidade zero.

Tudo o que Joseph sentiu em seguida — além do espanto e do medo, pois sabia bem o que aquilo era — foi uma mão segurando a sua nuca e a sua visão aproximando-se do chão.

Booom!

Sua face foi afundada na terra.

Quando voltou a se levantar, seu rosto sangrava e estava sujo de poeira. Além disso, Petra e os seus amigos haviam desaparecido.

— Um Espaço Dimensional?

— Oh! Então até um merda que nem você reconhece algo assim. — Uma voz masculina soou, em meio à neblina, atrás de Joseph.

Olhos vermelhos como sangue queimavam em meio ao mais puro ódio, ao passo que a neblina se abaixava aos poucos.

Ao lado do recém-chegado, Andrew e Valentina estavam sendo curados e, nos braços dele, Petra se encontrava segura.

— Maldito seja, nefilim!


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