Volume 1 – Arco 2
Capítulo 6: O Portal de Rank S
Naquela noite, nuvens negras formaram-se no céu da cidade de Oprantis. Raios saíram das nuvens, que começaram a condensar-se em uma espiral caótica.
Sem indícios de chuva, todos os que contemplavam o evento já sabiam e temiam o que estava por vir.
Um enorme portal dourado surgiu no céu, fazendo todas as aves e animais fugirem daquele lugar.
Um dos mais temíveis eventos acabara de surgir na Cidade dos Vinhos — um portal de Rank S.
Mais ao longe, uma figura feminina, que trajava um sobretudo preto e uma máscara, observava o acontecimento de forma discreta.
— Então já começou, heim? — A moça levou um dedo aos lábios, sugestiva. — Me mostrem algo bem divertido, tá?
Dentro de uma arena de treinamento, o som de armas colidindo e lâminas cortando o ar dominava o ambiente e aquecia o frio gélido da manhã. Exceto por dois jovens, que atacavam um ao outro sem, o vasto espaço estava vazio.
Klaus deu um salto para trás, buscava pegar distância da sua parceira. Uma vez que ele usava uma lança, era mais vantajoso atacar a uma distância um pouco maior, assim dificultava o alcance da espada de Eirin.
Mas a garota também visava obter a vantagem. Se seu parceiro se afastava, ela se aproximava dele cada vez mais.
— Para de fugir de mim, vai. — Antes que os pés de Klaus tocassem o chão, a moça já estava perto o suficiente para realizar um corte lateral. — Que deselegante deixar uma bela moça no vácuo.
O rapaz se viu forçado a defender-se com a haste da sua lança, mas o impacto entre as armas fez a sua pender para o lado, gerando uma abertura para a garota.
Diante da oportunidade, Eirin deu um chute giratório na barriga dele, lançando-o até a outra extremidade da arena.
A parede se quebrou com o impacto estrondoso, e o garoto logo caiu no chão. Levantou-se o mais rápido que pôde, usando sua lança como apoio para evitar que a oponente tivesse outra chance.
— Você até que bate bem pesado, mademoiselle.
— Tive um ótimo professor, cavalheiro. — Em instantes, ela já estava na frente dele, pronta para o perfurar com a katana.
A ponto de ser atingido, Klaus fez um movimento ascendente com a sua arma, desviando o golpe de Eirin para cima.
Antes que ela tivesse alguma reação, a perna de Klaus foi tomada por chamas, que impulsionaram os seus movimentos e atingiram a bela garota.
Sem chance de reação, Eirin foi lançada até a outra extremidade da arena. Os danos causados à parede quase a fez cair aos pedaços.
— Pensei que não podia usar Habilidades Inatas, cavalheiro sem honra.
— "Nunca confie na palavra de quem pode te matar." — Apontou a lança prateada para a moça. — Já diria o Mestre Louco.
— Bem, se é o caso…
Eirin retornou a avançar, só que desta vez, realizando movimentos de zigue-zague e gerando uma sequência de pós-imagens, até que percorresse toda a distância que a separava do seu parceiro.
Foi quando uma tatuagem tribal rapidamente surgiu no lado esquerdo da face de Klaus, e os movimentos da garota, antes quase imperceptíveis, passaram a ficar nítidos como água.
Agora ele poderia se defender tranquilamente, ou era o que esperava.
Assim como em Klaus, tatuagens tribais surgiram nas pernas de Eirin. A velocidade da garota aumentou, o que quase pegou o parceiro dela desprevenido.
Na base do instinto, o rapaz preparou uma postura defensiva, mas suas pernas se negaram a obedecer os demais comandos.
— Huh?! — Uma sensação de frieza atingiu os pés do rapaz. Estavam congelados e bem fixados ao chão.
Quando a garota estava para atingir a sua garganta, Klaus rebateu a espada e puxou Eirin pela cintura, com a mão livre; com a outra mão, apontou sua lança para a lateral da cintura fina dela.
Os rostos dos dois ficaram tão pertos que poderiam se tocar a qualquer momento.
— Isso pode ser considerado um empate, mademoiselle?
— Nem... — Tocou a ponta da katana no queixo do seu parceiro, e uma pequena sensação de frieza se espalhou pelo rosto do rapaz. — Eu venci.
— Gosto mais quando você me esquen…
Foi então que o som metálico de uma latinha caindo no chão chamou a atenção do casal e denunciou a presença de Sophie, que só pensava em treinar também.
— Eh… Eu atrapalhei algo?
Antes que a recém-nomeada pudesse falar algo a mais, os relógios dos três emitiram um sinal sonoro. Uma mensagem pelo Mecanismo Instantâneo de Comunicação da Academia, o MIC.
Petra se levantou bem cedo. Ainda sentia dor por todo o corpo, mas se esforçou para esticar as pernas e andar um pouco.
Ao chegar na cozinha, viu Raizel fritando alguns ovos e preparando o que parecia ser café da manhã. No canto, umas panelas queimadas.
— O que você faz aqui? — indagou ao ver a moça quase cambaleante. — Deveria estar repousando.
— Eu me senti um pouco entediada — respondeu com uma voz sonolenta e coçando os olhos com as mangas do pijama. — Eu queria andar um pouco.
Os seus cabelos estavam bagunçados e um botão da parte de cima do pijama estava aberto, deixando o cordão do seu pingente de lua crescente visível.
—A-Ai! — Sentou-se devagar num banquinho do balcão da cozinha. — O dano foi na alma, mas o meu corpo dói tanto.
Alma, o emaranhado sem forma que registra todas as informações de um indivíduo, fossem físicas ou emocionais, do presente ou do passado.
— O que acontece com a alma, reflete no corpo — enfatizou o nefilim. — Tem sorte de poder ficar bem só com o tempo.
— …?
— Se a sua alma tivesse entrado em colapso, hoje você seria uma casca vazia. — A garota arregalou os olhos e o fitou de repente. — Eu disse que tinha chances de morrer ou de ter sequelas permanentes.
Raizel terminou de organizar os alimentos numa bandeja e a passou por cima do balcão até chegar na garota. Havia apenas alimentos leves como suco de laranja, torradas, biscoitos e algumas frutas.
O rapaz pegou uma maçã para morder quando reparou no cordão no pescoço da sua parceira. Ela não aparentava ser muito vaidosa, apesar da beleza genuína.
— Um pingente?
— Ah! É uma lembrança da minha mãe. — Puxou o acessório para fora do pijama para mostrá-lo para o parceiro. — Foi a única coisa dela que eu consegui trazer.
— Imagino que seja bem importante — refletiu o nefilim, fitando o vazio.
Petra abriu mais um pouco os seus olhos ainda cansados pelo sono. As palavras de Raizel carregavam um certo tom de pesar, algo que não combinava com ele.
— Mas o outro, o pingente do sol, ficou na mansão com o meu padrasto. — Foi quando uma curiosidade lhe veio à mente. — Você tem algo dos seus pais também?
As feições do rapaz ficaram um tanto rígidas. Até o ar pareceu mais pesado e difícil de se respirar. Talvez, tocar naquele assunto tenha sido uma ideia ruim no fim das contas.
Raizel já sabia algumas coisas sobre ela. Era natural que Petra quisesse conhecer mais sobre ele também. Os dois passariam bastante tempo juntos, então…
— Sinto muito. — Ao perceber a expressão caída no rosto da moça, o nefilim corrigiu a situação amarga. — A única coisa que eu tenho daqueles dois é a minha essência.
A conversa foi repentinamente interrompida quando o relógio de Raizel recebeu uma notificação no MIC.
O nefilim juntou as palmas das mãos e, ao separá-las, uma pequena janela de energia surgiu na frente dele, revelando o texto.
— Um dourado?
— Huh?
— Um portal de Rank S surgiu ontem à noite na cidade de Oprantis. — Afiou os olhos e mordeu os lábios. Algo assim tinha que aparecer justo em um momento como aquele? — As medições estão bem altas...
Em pouco tempo, chegou uma nova notificação no MIC: Klaus e Eirin já haviam aceitado a missão do portal de Oprantis.
"Então eles perceberam, heim?" A verdade era que Raizel pretendia acompanhar a recuperação de Petra de perto.
Já Trevor e Sophie estavam ocupados com o levantamento e a manipulação das informações que ele havia pedido.
Petra parou de comer e se aproximou do parceiro, para ver a mensagem também.
— Agora que eles aceitaram você não precisa ir mais?
Os portais permitiam a entrada de apenas duas pessoas. Por essa razão, os duos foram criados. Além de que, os indivíduos só podiam sair dos portais após a sua conclusão, ao matar o boss, ou no pior cenário, a eclosão do portal.
— Com o portal lotado, eu estou livre.
— Entendi — mussitou a moça, enquanto mordia uma torrada. “Um dia eu vou ter que enfrentar algo desse nível?”
"Ao menos agora ela está mais à vontade do que antes." Isso era bom. Mas o que a levou a se sentir mais confortável com ele? — Por sinal, eu estarei preparando um quarto para você em breve.
— Ah, sim! — Foi como se uma lâmpada acendesse sobre a cabeça de Petra. — Onde você dormiu noite passada?
— Haha! — ria, ao passo que apontava para onde deveria ficar a sala. — Aquele sofá é bem confortável. Você já experimentou ele, afinal.
Dois dias após o surgimento do portal dourado, Klaus e Eirin sobrevoavam o céu de Oprantis e encaravam o prenúncio da devastação sem precedentes.
Cerca de cem duos de Rank A e dez duos de Rank S estavam preparados na cidade para lidar com a abertura do portal, que ocorreria nos próximos cinco dias, caso o duo Top 3 Rank S falhasse em matar o boss.
A cidade estava acabando de ser evacuada. Todos levavam consigo os seus bens mais preciosos. Apesar de toda a comoção, o silêncio reinava.
Um portal de Rank S surgindo no meio de uma cidade era um dos maiores medos que as pessoas tinham e, naquela hora, um daqueles sorria cruelmente para eles.
— Já tem um tempo desde que a gente encarou um portal dessas proporções, né? — indagou Eirin. — Vai dar um trabalhão.
— A gente dá conta.
Os dois entraram no portal sob o olhar daqueles que aguardavam o seu sucesso e ficariam sem vê-los novamente por no máximo cinco dias... se ainda estivessem vivos. Uma vez dentro do portal, a comunicação com o exterior seria cortada.
Quando o duo observou o portal fechando-se atrás deles, notaram os resquícios de um pequeno vórtice vermelho; mas o portal era dourado.
Logo abaixo, residia um enorme oceano. Os olhos do duo eram incapazes de alcançar o fim daquela massa infinita de água.
— Ah, só pode ser pegadinha — lamentou Eirin antes dos dois serem atingidos por um disparo de energia vindo das águas.
Um estrondo ensurdecedor tomou conta do lugar, acompanhado de uma explosão devastadora capaz de abalar todo o oceano e atiçar as criaturas que haviam dentro das águas, agora caóticas.
Após a notícia de que o portal dourado de Oprantis ficou vermelho ter chegado à Academia, os outros Top Rankings foram convocados pelo diretor para comparecer à sua sala o quanto antes.
Quando Raizel chegou, Trevor e Sophie já estavam aguardando junto a Kriven Stear Nosferatu, o diretor da Academia de Batalha Ziz.
— Há quanto tempo, meu jovem? — saudou o velho diretor.
Seu porte físico era bem musculoso para a sua idade. Aparentava ser um tanto velho, já com os cabelos e barba grisalhos, no entanto, esbanjava vigor de sobra.
— Você só me chama aqui quando a situação tá feia… vovô.
O homem de cabelos grisalhos soltou uma pequena risada. Embora os dois não tivessem laços de sangue, a família Nosferatu foi a responsável por cuidar da educação do pequeno nefilim no passado.
— Eu estou curioso para conhecer a menina dos Lavour com quem você fez o Pacto de Ressonância, meu jovem. Bem, isso é o que eu gostaria de dizer, mas...
Nosferatu juntou as mãos e apoiou os cotovelos sobre a mesa. O momento estava longe de ser o mais adequado para se trocar palavras de afeto.
— Como devem saber, nós estamos diante de um portal traiçoeiro.
Os portais irregulares, também chamados de “traiçoeiros”, se mostravam como ovelhas e quando alguém entrava neles, descobria-se que eram lobos devoradores.
Tratando-se de um portal de Rank S, onde já se apresentava como um lobo, o que seria a sua versão traiçoeira, então?
— Quantas pessoas a mais podem entrar neste portal? — Raizel foi direto ao ponto.
Uma das características dos portais irregulares era que eles permitiam a entrada de mais alguém após a mudança de cor. Contudo, nunca houve registro da entrada de mais do que quatro pessoas adicionais.
— Três — respondeu o diretor. — Em outras palavras, vocês terão que auxiliar na conclusão.
Ao passo que o Nosferatu concluía sua fala, alguém bateu na porta da sala, interrompendo o restante da explicação.
O assistente do diretor entrou na sala, desculpando-se pela inconveniência. Mas um outro rapaz o empurrou para o lado e entrou logo em seguida, quase quebrando o pobre assistente na parede.
— Ficou feliz que possa me receber, nobre diretor — proclamou o jovem intruso. — Também ficaria feliz se o senhor me ajudasse a encontrar a minha noiva foragida, que está nesta Academia de Batalha.
Todos os presentes observaram a reação do diretor diante do comportamento inadequado do intruso. Dado as vestimentas do indivíduo, ele era um membro da Academia.
— Joseph August, da família August, certo? Um dos nossos novos ingressantes de Rank S. — O diretor o apresentou. — O que o leva a crer que pode entrar nessa sala a bel-prazer?
— Isso vem ao caso, diretor? — enfatizou o jovem. — Eu estou atrás da minha noiva, Petra Lavour. O senhor deve ter registro dela.
"Noiva?" Um tanto quanto surpreso, Raizel observou Joseph de canto de olho. — Oh! Por qual motivo ela teria fugido? — Meneou a cabeça para o lado. — Nem imagino o porquê.
— Como?! — O intruso se virou para o seu interrogador. Quem ousava se referir a ele com tamanho descaso? — O que você quer dizer, nefilim?
— Você deveria procurar ela nos Achados e Perdidos. — Fez um pequeno gesto de deboche com a mão. — Esta sala é pra coisas mais importantes… Alecrim Dourado.
— Você… — O autoproclamado noivo estendeu a mão para invocar sua arma astral, contudo, uma aura cinza envolveu seu corpo e o levou ao chão.
— Senhor August — enfatizou Nosferatu com uma voz pesada — você tem três segundos para colocar os pés fora desta sala… Entendeu?
— Si-Sim, senhor diretor.
Encarar o diretor de uma das Academias de Batalha era o mesmo que colocar o pescoço em uma guilhotina. Uma pena que demorou um pouco para ele entender algo tão óbvio.
Já no corredor, Joseph bufava pelas narinas, e pensava: "Seus desgraçados!", enquanto, na sala do diretor, Nosferatu voltou seus olhos para Raizel.
— O que está aprontando, meu jovem? — Apesar da sua personalidade problemática, aquele garoto nunca foi de procurar confusão gratuitamente.
Raizel, por sua vez, apenas respondeu com um olhar. Havia assuntos mais importantes a serem tratados no momento, certo?
— Diretor, nós podemos entrar no portal daqui a dois dias? — indagou Trevor, de forma mais cortês do que os outros antes dele. — Se possível, gostaríamos de ir o quanto antes.
Dois dias, o tempo necessário para o portal liberar a entrada de mais pessoas. Todavia, isso significava que teriam apenas três dias para finalizá-lo agora.
Isso estava longe de importar tanto para o grupo. Enquanto seus amigos estivessem lá dentro, nunca hesitariam em pular de cabeça.
— Vejo que são um belo exemplo de companheirismo — elogiou o diretor com um largo sorriso. — Podem fazer como desejarem.
Com isso, os três despediram-se adequadamente e se retiraram da sala logo em seguida.
Já no corredor, Sophie comentou:
— Parece que aquele tal de Joseph não gostou muito de você.
— Então vocês estão fazendo um ótimo trabalho. — Raizel sorriu e olhou para a garota de uma forma um tanto quanto assustadora. — Quanto tempo até que eu possa entrar em ação?