Volume 1 – Arco 2
Capítulo 17: Armagedom
No alto de uma montanha, um homem de cabelos e olhos dourados, cujo semblante carregava feições angelicais, estava ao lado de um pequeno e simples Raizel.
— Antes de ir embora, há algo que eu quero te entregar — disse o homem; a voz era suave e carregava um certo pesar pelo garoto ao seu lado. — Eu espero que faça bom uso dela. É importante que a guarde
Uma espada longa, em uma bainha prateada com entalhes dourados, se formou na mão do indivíduo. A guarda da arma era semelhante às asas de um querubim: duas asas viradas para o cabo e duas voltadas para a lâmina.
Divina, na definição mais plena da palavra.
— Agora ela é uma espada sem nome — disse para o pequeno. — Nomeie-a como desejar.
Por alguma razão, o garoto hesitou em pegar aquela arma. Um certo sentimento de angústia inundou seu coração. Ele sabia bem para o que ela era.
— Você sabe que eu não conseguiria usar essa coisa — disse o pequeno, enquanto olhava pesadamente para a arma. — E ninguém vai gostar que ela seja minha.
— A maior parte das habilidades dela foram seladas. — Assim, mesmo jovem, Raizel conseguiria empunhá-la. — Ao menos, até o dia em que o novo portador consiga usá-la em seu potencial máximo.
Aquilo só poderia ser brincadeira. Dentre tantos anjos poderosos e "justos", aquele cara realmente iria entregar aquela espada para alguém tão impuro quanto um nefilim?
— Use-a somente quando necessário. — Segurou a espada na horizontal, com as duas mãos, e ofereceu ao garoto. — Empunhá-la por muito tempo é perigoso.
Raizel direcionou o olhar para baixo e depois para o relevo do novo mundo que o aguardava. Ele realmente poderia viver ali? Formaria a sua própria concepção sobre a sua existência? A resposta seria positiva?
— Imagino o que esteja pensando, mas não deixe que o seu passado se torne um fardo que tenha que carregar no presente, muito menos no futuro.
Vendo que sua resistência seria fútil e o quão valiosa era aquela arma, o garoto acabou por aceitar o presente.
— Manifeste-se... — Raizel estendeu sua mão direita para a arma que surgia rasgando o tecido do espaço.
Temor transbordou pelo peito da criatura. Imagens daquela espada apareceram involuntariamente na sua mente — nenhuma agradável.
Estava um pouco diferente, havia perdido sua coloração original e se tornado escura com entalhes vermelhos, mas ainda continuava a ser a mesma.
— Espada do Fim dos Tempos: Armagedom!
O nefilim reestruturou a base dos seus pés e realizou um corte descendente e limpo, dividindo e reconstruindo todo o espaço à sua frente.
Desesperado, o monstro se jogou para o lado, tão rápido quanto pôde, mas de nada valeu. Junto ao espaço, seu braço esquerdo foi decepado.
Logo as Cadeias de Abaddon surgiram, prenderam o membro cortado e o puxaram para longe, com um intenso apertado que o deformou.
— Você… ainda muito… o que melhorar. — Aproveitando-se de que o nefilim observava o estrago causado, o adversário pegou distância. — O Arcanjo cortava… toda… a realidade.
O buraco no peito de Raizel, por sua vez, já começava a se fechar. Como um ferimento causado por Nether, que deveria retardar efeitos de cura, poderia se curar de uma forma tão rápida?
Só então, ao observar uma pequena mecha roxa que surgiu no cabelo do garoto, o boss se deu conta de que aquele moleque possuía…
— Resistência a Nether?
Com um movimento vagaroso, Raizel desceu a ponta da arma, até que alcançasse o solo. Logo sua lâmina foi tomada por uma poderosa labareda de fogo, digna da arma de um Arcanjo.
— O que… é você?!
— A personificação do Pecado dos Anjos. — Com um único passo, o rapaz ficou frente a frente com a criatura, pronto para um ataque fatal. — O Nefilim Primordial.
Sem tempo para pensar direito, o boss se jogou para trás e, por puro instinto, escapou de ter seu pescoço decepado.
Buscou distância outra vez, mas o grande problema era que o braço cortado não estava se regenerando.
— Está sentindo falta dele, né? — Raizel sorriu como um sádico, deliciando-se no desespero alheio. — Vai ficar sem.
Jogou a Espada do Fim dos Tempos em direção ao braço do monstro, ainda preso pelas Cadeias de Abaddon. O membro pegou fogo e foi incinerado até não sobrar nada, nem mesmo as cinzas.
Aquela arma foi criada para acessar e queimar as informações da alma, independente do ferimento ser causado em um corpo físico ou espiritual.
As informações pertinentes àquele braço já não existiam mais. Nem mesmo poderiam ser recuperadas, ainda que o próprio tempo fosse retrocedido.
— Seu… maldito! — Tudo o que o monstro podia fazer naquele momento era ver a sua alma ser destruída pedaço por pedaço.
Pior que o Nether, aquela espada bloqueava a cura de seres abaixo do nível Arcanjo e desacelerava a de Bestas Sagradas; para os demais seres, cada ferimento era um dano para a vida toda.
— É verdadeiramente magnífica, chega a ser uma pena só poder usá-la por pouco tempo, na minha forma atual. — O nefilim estendeu sua mão, e a arma veio instantaneamente até ele. — Aproveite bem o que lhe resta de vida, falsificação.
Sem perder mais do seu precioso tempo, Raizel partiu para cima da criatura. Em um flash, a ponta da espada cortou o abdômen da imitação de Besta Sagrada.
O nefilim se preparou para mudar a direção do seu ataque e partir o seu oponente ao meio, mas o monstro apontou o braço restante na direção dele.
Espinhos de Nether se formaram da pele do boss e perfuraram o braço de Raizel, impedindo-o de concretizar o movimento.
Veloz, o Pseudoleviatã criou um novo tridente do seu corpo e atacou o pescoço do rapaz. Todavia, Raizel jogou a cabeça para o lado e desviou com folga.
O garoto removeu os espinhos de Nether do seu braço e contra-atacou, cortando desde o abdômen do boss até o seu peito.
Vendo-se encurralado, o Pseudoleviatã abriu uma fenda no espaço e se jogou entre as dimensões mais uma vez.
— Droga! Droga! Por que você… tinha que ter… essa arma? por que você… tinha que… existir?!
Cortes de energia vermelha surgiram dentro da fenda dimensional e encurralaram a criatura. Aquela espada já havia provado do seu sangue e da sua energia, tentar escapar dos seus ataques era inútil, independente de onde ele estivesse, fosse outra dimensão ou outro universo.
Restava para o boss o triste destino de ser cortado de todos os lados. Em um piscar de olhos, seu corpo parecia uma cachoeira de sangue sem fim; e apenas dor, uma dor indescritível surgiu daqueles ferimentos incuráveis.
— Ah! Ah! Ah!!! — Gritava e esperneava. Estava frustrado, revoltado… ardendo em ódio. — Eu vou te matar!! Você, todos e qualquer outro humano miserável que eu encontrar!! Eu vou matar!!!
Com um movimento brusco do seu braço, a criatura abriu um portal dimensional para retornar até o seu plano de origem e surgiu um pouco distante do oponente; caminhou vagarosamente na direção dele, rosnando.
— Olha só! — debochou o nefilim. — Saiu pra tomar um banho… de sangue?
O ar ao redor da aberração estava mais denso, e Raizel não tardou a perceber o que tinha acontecido e tudo ficou ainda mais claro quando a criatura abriu a boca.
— Independente do quão forte os humanos sejam, sempre há uma fraqueza a ser explorada.
"Ele tá falando de forma fluída?"
O excesso de confiança do rapaz caiu por terra ao ver uma esfera concentrada de Nether surgir perto dos seus amigos caídos.
Sem dúvidas, se aquilo os atingisse naquela situação, mesmo os domos de energia, que os protegiam, iriam ceder.
— Vocês valorizam demais a vida dos outros. — Estalando os dedos, o monstro gargalhou. — Morram todos.
O nefilim chegou rapidamente até os seus amigos. A distância nem era tão grande assim. Bastava usar a Absorção de Energia e estaria tudo bem; no entanto, hesitou no último momento. O seu íntimo se recusava a absorver Nether.
Maldita hesitação.
Tudo explodiu num devastador ciclone roxo que ascendeu aos céus disposto a levar consigo qualquer rastro de vida presente naquele lugar.
Nem mesmo os micro-organismos presentes ali escaparam de ser tragados pela técnica anti-vida quase absoluta.
Só ao baixar da poeira, foi possível ver Raizel junto dos seus companheiros. As asas dele envolviam os corpos caídos, protegendo-os.
Já as suas costas, estavam banhadas de sangue; e a sua camisa, só os trapos. Dado o tamanho do dano, era de se surpreender que ainda conseguisse se mover.
— Filho da puta! — O nefilim se levantou a fim de… A espada caiu da sua mão. — Quê? Sua mão estava carbonizada, das pontas dos dedos até o antebraço.
O tempo havia acabado. O preço por empunhar o armamento de nível arcanjo Espada do Fim dos Tempos era pesado demais.
"Eu devia ter mais tempo."
— Está acabado! — O monstro avançou, sedento pela vitória. Enfim acabaria com aquele ser odioso que lhe causou tanta humilhação. — Hahahahah!
Concentrou todo o Nether que podia na ponta do seu tridente. Daquela vez, miraria na cabeça dele e, com certeza… com certeza…
— Argh! — As costas do boss foram perfuradas. Sem que ele pudesse entender como aconteceu, o nefilim simplesmente apareceu atrás dele, como se tivesse sido teletransportado. — O… quê?
— Você não esperava por essa, não é?
— Mas… como? — Só então se deu conta de que Trevor havia acordado e estava com uma mão erguida em sua direção. — Hã?
O corpo do monstro endureceu e se tornou incapaz de se mover assim que a Espada do Fim dos Tempos traspassou-lhe as costas até o peito. Para fechar o pacote, as Cadeias de Abaddon selaram seus membros com intensidade.
— O que você fez?!
— Eu só precisava transferir a energia necessária pra que ele se soltasse do Pesadelo Eterno, entende? — explanou Raizel. — Você caiu direitinho, heim?
Então, bastou que Trevor o teletransportasse junto à espada até as costas do inimigo, bem no momento em que ele achou que estava com a vitória em mãos.
— Maldita Manipulação de… — O sangue subiu pela garganta da criatura e se derramou sobre a lâmina no seu peito. — Energia.
No fim, a nuvem de poeira causada pela explosão de Nether serviu apenas para dar ao garoto a oportunidade de usar a Transferência de Energia, sem ser visto.
— Mal… di… ção!
De repente, incontáveis pilares de fogo negro caíram do céu, e a temperatura aumentou drasticamente em um curto período de tempo dentro do portal.
Aquele desgraçado era um mau perdedor. Não aceitaria cair sem antes deixar um presentinho para os seus algozes — algo capaz de evaporar a umidade do ar.
— As correntes deveriam diminuir a energia dele! — gritou Trevor ao se erguer.
— E estão. — Raizel cerrou os dentes.
Embora quisesse fazer algumas perguntas, principalmente sobre a origem daquela maldita falsificação, o nefilim decidiu pôr um fim naquela situação de uma vez, antes que acabasse virando cinzas.
— Primeiro ato: — Chamas carmesins se espalharam por todo o corpo e alma da criatura, destruindo-a por completo. — Megido!
Em resposta, os Pilares de Fogo se expandiram por todo o lugar, causando uma verdadeira tempestade ardente.
Labaredas vermelhas e negras crepitaram enquanto dançavam e se misturavam com ferocidade umas às outras, até que uma delas, as vermelhas, prevalecesse.
Ao final, restou apenas o solo, ou melhor, o magma. Cada pedacinho de pedra que havia naquele lugar derreteu como gelo numa tarde de verão.
Cansados, feridos e com queimaduras em meio ao calor dos infernos — mas vivos — os dois nefilins se viram vitoriosos.
Assim, o portal para a saída e o núcleo negro do boss se revelaram.
Os outros três, que ainda estavam sob o efeito do Pesadelo Eterno, começaram a acordar. Todos pareciam relativamente bem, exceto…
— Eirin? — Klaus se direcionou para a garota. Ela não respondeu de imediato. — Eirin!
— Hã? — Voltou a si meio grogue. Logo à sua frente estava Klaus claramente preocupado. Baseado na técnica usada, o rapaz já imaginava com o que ela tinha sonhado. — Ah! Eu tô bem. Não… precisa se…
"Mentira!" Puxou o rosto dela contra seu peito. — Tá tudo bem. Eu tô aqui por você, tá bem?
— Uhum! — sussurrou. Enfim sua voz se mostrou abalada. — Eu… sei.
Eirin segurou a camisa do parceiro com força. Aqueles olhinhos rosa começaram a se encher de lágrimas. Ela só queria continuar um pouco, só mais um pouco, nos braços dele.
Trevor e Sophie não queriam atrapalhar o momento, então decidiram falar com Raizel, o qual estava recolhendo as suas asas e se despedindo da espada.
— Obrigado, companheira. Sem você aqui a gente teria se fudi… — As pernas do rapaz cederam. O seu corpo aqueceu a ponto de soltar fumaça, e o seu peito doía. — Monstro maldito, dando trabalho mesmo depois de morto.
Aquela sobrecarga de energia estava sendo ainda maior do que a recebida ao limpar o interior do portal com a supernova. Matar e absorver a energia dos defuntos contra a sua vontade, que sina horrível.
Infelizmente, ainda havia mais pessoas do outro lado do portal que precisavam morrer. A alma dele que se preparasse para receber ainda mais energia.
— Esse é de alta qualidade — disse Trevor, enquanto pegava o núcleo negro, que pairava no ar. — Me pergunto o quão poderosa será a Gema Espectral extraída dele?
Seria uma pena caso não achassem um usuário compatível. O coração doía só de imaginá-lo sendo usado apenas como fonte de energia; mas, no fim, aquilo era algo que cabia à Academia decidir.
Raizel se levantou do chão devagar. Ainda era possível sentir a ardência nos músculos. — Vocês podem levar isso para o Setor de Espólios.
— Por sinal, ficou tudo bem com a Petra? — indagou Trevor. — Você saiu feito louco pra ajudar ela.
— Ela está segura, mas eu ainda tenho o que fazer.
— Então quer dizer que… — Temeu Sophie. — Você já vai atrás daquelas pessoas? É mesmo o melhor momento?
— É preciso cortar a corda do arco antes que a flecha seja disparada. — Raizel se Aproximou dos dois enquanto as runas desapareciam do seu corpo. — Vocês já prepararam as provas falsas. Eu vou ficar bem.
— Não é isso que eu quero dizer — ressaltou a moça. — Eu pensei que você queria ver a Petra primeiro.
Aquela garota devia estar preocupada enquanto o aguardava em casa. Raizel mentiria se dissesse que não estava ansioso para vê-la de volta, mas garantir a segurança da sua parceira era prioridade, principalmente depois do incidente que aconteceu com o Joseph mais cedo.
— Sinto muito ter que solicitar mais um favor agora — pediu mesmo assim. — Você poderia fazer companhia a Petra e dizer a ela que eu vou chegar um pouco tarde em casa hoje, Sophie?
Mais ao longe, no meio da floresta que circundava a cidade de Oprantis, uma garota encapuzada observava, de cima de uma árvore, os duos saírem do portal.
— Sério mesmo? Tá todo mundo vivo? — A garota pulou da árvore após constatar a informação. — Aquele louco do doutor Arklev vai ficar puto quando souber do fracasso da criação dele.
O vento levantou a parte de baixo do sobretudo da garota, revelando o par de meias 7/8 e o short preto colado ao corpo.
— Eles são fortes. Nós já sabíamos disso — ressaltou uma outra garota, que estava esperando lá embaixo. — Vamos logo embora, antes que alguém acabe percebendo a gente.
— Mas já, Yuna? Eu quero me divertir um pouco mais. — Podia-se notar que se Yuna era "pé no chão" a sua companheira tinha a "cabeça nas nuvens". — Tudo o que a gente fez foi ficar observando a situação no meio desse monte de mosquito.
— Nós já cumprimos o nosso objetivo, e pare de me chamar pelo nome aqui, Luxúria.
— Ah, que sem graça. — Levou a ponta de um dedo até a sua boca enquanto lançava um olhar ousado para a outra. — Então, será que eu deveria adocicar esse coraçãozinho amargo com um pouco do meu amor… Inveja?