Volume 1 – Arco 2
Capítulo 12: Pseudo
Atrás de Trevor e Sophie, a cabeça do Leviatã surgiu através de uma imensa fenda dimensional. Nem seria necessário ouvir o som do seu devastador rugido, apenas o hálito quente das suas narinas já evidenciava o terror que se aproximava.
Como um ser oriundo dos primórdios da criação, as barreiras do espaço-tempo eram irrelevantes para o colossal. Até mesmo Trevor Foster — o renomado Designer Polivalente — se viu em apuros.
Sem desperdiçar tempo, o nefilim logo ativou sua Distorção Espacial, mas a criatura começou a envolver o espaço ao redor com o seu corpo, que continuava a sair, sem fim, da fenda dimensional.
Com o seu hálito de enxofre, o Leviatã começou a derreter o espaço ao redor dos dois, até que o vapor da sua boca tomou a forma de um ardente fogo negro, o Rugido Infernal.
Sophie tentou regredir o tempo da corrosão do espaço, mas o tecido do espaço-tempo estava se desgastando mais rápido do que ela conseguia reverter.
— Se continuar assim a gente vai derreter — comentou a moça, enquanto ela e o seu parceiro suavam e se esforçavam para conter o avanço do inimigo. — Trevor!
Até mesmo Klaus, que estava ao lado de Eirin em meio a uma chuva de raios provocada pela criatura, sabia que aquele Rugido Infernal rivalizava com o seu fogo divino de Uniel, com o risco de superá-lo.
— Veste Divina, Anjo do Espaço: Zariel. — A armadura de Trevor se formou em instantes. O garoto sabia que se recebesse aquele rugido sem a devida proteção, ele seria cremado até os ossos. — Argh!
Enfim a defesa do nefilim cedeu; ele e sua parceira foram atingidos pelas chamas; empurrados para baixo, a dupla colidiu contra o oceano em meio a vários monstros, que foram pulverizados pelas chamas do Leviatã em instantes.
O ataque simplesmente extinguiu qualquer rastro de vida existente no local e evaporou parte das águas infindáveis, levantando uma nuvem de vapor tão quente que se fazia letal por si só.
Nunca aqueles dois estiveram tão contentes de terem firmado contrato com um anjo; mas o inimigo deles já estava se esgueirando novamente entre as dimensões.
De onde ele surgiria agora?
Trevor e Sophie ficaram de costas um para o outro, observando tudo ao redor: água, monstros, vento, pingos de chuva…
Mais ao longe, Klaus e Eirin não se encontravam em uma situação muito melhor que a dos amigos deles.
A garota usou sua Habilidade Inata para congelar os raios que se espalharam como várias raízes de gelo, estendendo-se até o alto das nuvens escuras.
Em seguida, o parceiro dela atacou com o fogo, que se alastrou, destruindo de vez todas as nuvens daquela área. A tempestade cessou, ao menos por um pequeno momento.
Aqueles raios já eram problemáticos por si só; possuíam certa vantagem em passar pela proteção de metal das Vestes Divinas. Considerando o fato dos dois estarem molhados, só piorava a situação.
Não sendo o bastante, os ciclones da tempestade faziam os pingos de chuva baterem tão forte contra a pele dos jovens que mais parecia uma chuva de agulhas.
Junto às suas runas, marcas de queimaduras de raios, semelhantes a raízes, cobriam seus corpos, e seus cabelos estavam ouriçados por causa da eletricidade estática.
— Como que se derrota uma Besta Sagrada?! — indagou Eirin, vendo as nuvens negras se fechando novamente sobre sua cabeça. — Ah, meu Deus!
— É uma boa pergunta. — Vencer uma daquelas criaturas, abaixo do nível Arcanjo, era um tabu em qualquer universo que fosse possível imaginar. — Só Deus sabe.
Junto dos Arcanjos e dos Príncipes Infernais, as Quatro Bestas Sagradas eram os seres primordiais da criação. Todas as Habilidades Inatas existentes eram simples derivados dos poderes originais dessas entidades, apenas imitações.
— Nesse ritmo… — Temeu Eirin. O tempo limite do portal iria acabar, e todos aqueles monstros de Classe Destruição e Catástrofe sairiam e devastariam o mundo.
Só aquela massa quase infinita de água presente dentro do portal já seria o suficiente para inundar um continente inteiro e ainda sobraria.
— De que vale ter algum tempo sobrando se o que tá aqui dentro é praticamente invencível? — praguejou Klaus.
Um pouco mais abaixo, os amigos deles desviaram de uma fenda dimensional que se abriu logo acima das suas cabeças.
Por pouco, aqueles dois quase foram engolidos pelo Leviatã. Mas era evidente a pressão que os seus corpos receberam das rajadas de ar provocadas pela passagem do monstro, o qual retornava para as águas.
— Vamos logo! — exclamou Klaus; e tinham que sair dali antes daquela prisão de raios retornar, caso contrário, os seus amigos teriam que passar mais um bom tempo lidando com aquela aberração sozinhos.
A tempestade cessou de repente.
As gotas da chuva pararam no ar e se afinaram até virarem verdadeiras agulhas de água. Do oceano abaixo, várias lanças d’água se formaram, agudas ao extremo.
Todos os projéteis aquáticos foram lançados de uma vez, tanto de cima como de baixo. Diversos cortes surgiram pelas aberturas das armaduras dos dois duos, sem qualquer chance de defesa para eles.
Klaus e Eirin fizeram o possível para cobrir os seus olhos com os braços enquanto criavam uma zona de calor e frio ao redor, para congelar e evaporar a onda de ataques incessantes.
Então, tudo parou.
— O quê? — Mais abaixo, Eirin viu Sophie com as mãos brilhando em esferas verdes.
A loira havia parado o tempo ali dentro. Nenhum monstro ou ataque ousava se mexer; mas as expressões faciais da garota estavam longe de serem das melhores.
Assim como nos outros, sangue escorria pelas aberturas da sua armadura de Sophie. Ela estava pálida e suando frio por ter que conter tudo ao mesmo tempo, principalmente, o Imperador.
Sem perder tempo, Trevor distorceu o espaço e destruiu as lanças e as agulhas de água que os ameaçava; contudo, havia um certo local que se recusava a ser distorcido — o espaço ao redor do maldito boss. — Aquele desgraçado era simplesmente duro… demais.
— Quebra logo… de uma… vez! — Continuava a insistir, mas sem sucesso.
E a Paralisia Temporal? Durou pouco. O Boss quebrou as amarras da garota. Esgueirou-se pelas dimensões e engoliu a menina antes que ela pudesse reagir.
— So-Sophie! — Eirin preparou várias estacas de gelo para lançar contra a criatura que mergulhava com a sua amiga dentro da boca. — Seu filho de uma…
— Aqui. — Uma mão tocou o ombro da garota por trás, que deu um pulinho assustada. — Oi, Eirin.— Sophie estava logo atrás dela com um sorrisinho.
Um pouco mais distante, Trevor também sorria com o rosto voltado para o lado. Claro que ele salvaria a sua companheira daquele ataque, nunca tirou a sua atenção dela durante a luta toda. Logo também se teletransportou para próximo dos outros.
— Isso tá muito estranho — comentou Trevor.
— Esse portal tem uma Besta Sagrada como boss, meu amigo — ressaltou Klaus. — Estranho é pouco. A gente tá é lascado.
— A questão é que... — O outro procurou, sem sucesso, pelo colossal em meio às águas. — Um ser desse nível poderia ignorar as barreiras de uma dimensão sem problemas, inclusive as de um portal.
Manipulação de Clima, de Raios, de Fogo, de Espaço… De fato, alguém do plano físico possuir tantas Habilidades Inatas era algo impensável. No entanto, para um ser capaz de brincar com as leis e os conceitos da realidade, aquilo ainda era básico demais.
Ou o boss estava só brincando com eles, ou…
— Pera, você quer dizer que ele é falso? — indagou Eirin, lembrando-se de que aquela criatura quebrou uma prisão temporal e resistiu a um esmagamento espacial, ambos em nível de Veste Divina. — Aquilo... falso?! Tem certeza?!
— Torsamos para que si…
Um simples piscar de olhos foi suficiente para que os quatro fossem bombardeados por uma tempestade de raios.
Vapor e fumaça subiram dos seus corpos. Tanto a água incessante da chuva quanto a de seus corpos evaporou.
No fundo do oceano, a criatura sorriu.
As águas se multiplicaram e começaram a subir rapidamente até que não sobrasse nenhum lugar dentro daquele espaço que estivesse livre do domínio do Imperador dos Mares.
Os outros monstros avançaram sedentos, toda a ansiedade contida até então estourou de uma vez só.
Todas as criaturas estavam enlouquecidas para cravar seus dentes e estraçalhar a carne e os ossos daquelas presas saborosas, ou injetar seus ferrões nelas para derreter completamente os seus corpos com veneno.
— Fala sério! Aquele cara vai ficar vadiando até quando? — Uma garota de longos cabelos ondulados estava com as mãos na cintura. — Aquele vagabundo.
Junto a ela, alguns membros da Academia de Batalha, um pequeno grupo formado pelos duos mais fortes reunidos em Oprantis para decidir o que fazer quanto à negligência de Raizel e quem assumiria o portal no lugar dele.
Como o nefilim saiu sem dar muitas explicações, ele deveria ser denunciado para o Setor dos Portais e receber alguma punição por aquilo.
— Nesse caso, eu acho que você deveria assumir, Samantha — disse George Blake, do duo Top 5 Rank S. — Você provavelmente é a pessoa mais adequada para isso.
— Todos de acordo? — indagou a moça de cabelos ondulados.
— Sem objeções! — Todos os outros cinco falaram em uníssono.
Após algum tempo, a moça materializou sua arma astral — um grande machado. Ela estava preparada para entrar no portal e pôr um fim naquilo de uma vez. Ao lado dela, o seu parceiro Enzo Grace questionou:
— Você vai ficar bem sem mim lá?
— Claro! — Ele, dentre todos, era quem mais deveria conhecer o nível das habilidade dela. — Humph!
— Bem, é que… — Enzo estava preocupado, não por duvidar das habilidades da parceira, mas justamente por conhecer o comportamento dela em lutas solo. — Às vezes você se empolga.
— Hã? — Girou o machado e colocou a ponta do cabo no queixo do garoto. — Você disse algo?
Gentilmente, Enzo colocou um dedo sobre o cabo do machado e o desceu para baixo.
— Só vai com calma, tá, Mantha?
— Q-Que raios de apelido é esse?!
Agora sim, ele seria atingido pelo machado. No entanto, a jovem parou o movimento da arma ao reparar numa figura que surgiu atrás do seu parceiro.
— O vinho de Oprantis é mesmo o melhor — refletiu, em voz alta, o vagabundo.
— Huh? — Quando Enzo se virou, deparou-se com ele, o dito cujo, segurando uma taça de vinho, sem preocupação.
— Oh! Você quer beber um pouco?
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