Volume 1 – Arco 2
Capítulo 11: O Imperador dos Mares
Trevor e Sophie desviavam em pleno ar dos incessantes jatos de água pressurizada da criatura grotesca e dos seus tentáculos envolvidos por mucosa, o que os tornava ainda mais bizarros.
Quem visse o monstro de longe o confundiria com uma espécie de minhoca gigante que possuía vários dentes na sua boca circular, dez olhos vermelhos ao redor da sua cabeça e tentáculos que saíam das laterais do seu corpo e das suas costas, como se fossem asas.
Asas? Sim, a criatura que se ergueu das águas sobrevoava o oceano azul como se o céu fosse o seu domínio natural. A capacidade de usar telecinese para deslocar-se fora da água era proveniente dos tentáculos da aberração.
Classe Apocalypsis: Caríbdis
Em meio a uma tentativa de esquiva, Trevor foi atingido por um dos ataques do Caríbdis e quase caiu dentro da água mais uma vez. Por sorte, conseguiu utilizar um pequeno Portal Dimensional para escapar.
Ainda que Sophie tentasse usar sua Aceleração Temporal, para potencializar a velocidade dos movimentos do seu parceiro, as habilidades dele estavam funcionando aquém do habitual.
Trevor ficava cada vez mais lento.
Sophie estava em melhores condições, uma vez que não tinha sido vítima da água daquele oceano. Com sua velocidade superior à do inimigo, ela desviava e mirava suas flechas nos olhos e na boca da criatura medonha.
Por mais que o monstro tentasse escapar dos ataques, estava sendo muito difícil. Era isso o que significava enfrentar a visão afiada de uma arqueira como Sophie.
Três dos dez olhos do Caríbdis já estavam feridos. Um líquido verde e pegajoso escorria deles. O corpo também estava com alguns buracos. Ainda assim, o monstro seguiu implacável em suas investidas.
Quando a aberração se preparou para condensar mais uma esfera de água na sua boca, uma lança em chamas atingiu ela, causando uma explosão que levantou muita fumaça e um calor intenso ao redor.
Do meio da destruição, um feixe de água brilhante foi disparado, mas ele já não focava mais em Trevor ou Sophie, e sim, nos intrusos ao longe.
Klaus e Eirin desviaram por um triz. Assim como Trevor, os dois estavam mais lentos do que o habitual. Quando olharam para trás, ficaram felizes por terem desviado.
O feixe de água havia dividido o oceano em dois e atingido a torre azul-marinho logo atrás. A torre permaneceu inabalável àquele ataque devastador; ao contrário das criaturas marítimas, divididas ao meio.
— Meu caro Trevor, você escolheu o pior lugar pra tomar banho aqui, sabe?! — gritou Klaus ao longe depois de ver o amigo todo molhado. — Essa água…
— Enfraquece o uso de energia espiritual. — Trevor examinou bem o estado dos seus companheiros e o colossal que os perseguia. — Parece que vocês estão em uma situação tão ruim quanto.
— Fatalidades da vid… — Tentáculos saíram das águas e atingiram as costas de Klaus, terminando de rasgar sua camisa e jogando-o dentro do oceano cheio de monstros.
Dentro do oceano, o sangue de Klaus manchou a água aos poucos e despertou os instintos de caça de cada uma das criaturas marinhas que ali habitavam.
O garoto concentrou sua aura para curar os ferimentos nas costas e tentou sair dali antes que o Kraken o alcançasse.
"Maldito zé-costinha! Juro que eu vou fazer churrasco de polvo, lula ou seja lá o que diabos esse desgraçado for!"
Os planos do nefilim de sair dali falharam miseravelmente quando um grande tubarão — um Megalodonte — se jogou contra ele.
Klaus se viu sem escolhas, exceto colocar sua lança entre os dentes do tubarão para impedi-lo de fechar a poderosa mandíbula.
O peso da mordida do Megalodonte foi tamanho que a água ao redor desequilibrou o corpo do garoto. Por sorte, conseguiu se manter agarrado à arma.
O animal entrou em agonia quando a arma do nefilim começou a aquecer. Ainda que estivesse rodeado por aquela água estranha, com a ajuda da sua Gema Espectral, ele podia ao menos dar uma esquentadinha na lança.
Foi quando uma forte pressão puxou Klaus para trás, junto do Megalodonte e dos demais monstros, deixando aquele embate sem uma conclusão definitiva. A pressão monstruosa os puxava diretamente para a boca do colossal Kraken.
O garoto se desvencilhou do peixão, arrancando alguns dos seus dentes no processo, mas não foi suficiente para escapar do ataque do Classe Apocalypsis.
Quando estava a ponto de ser engolido, Klaus fincou a ponta da sua arma entre os dentes do inimigo, numa tentativa de evitar que acabasse virando um lanchinho, como as criaturas, que nem a que bateu nele enquanto era puxada, fazendo-o ser ser engolido pelo Kraken também.
"Que… merda!"
Fora da água, os outros três enfrentavam o Caríbdis. Tudo estava indo relativamente bem até que o seu inimigo expeliu uma chuva de gosma para o alto.
De início parecia que as bolotas nojentas iriam afundar ao cair no oceano, até que elas tomaram forma e se transformaram em monstros que possuíam asas.
— Nem vem com essa! — praguejou Eirin. — Cê só pode tá de brincadeira!
Com um Kraken e um Caríbdis vivendo no mesmo território era inevitável que aquele lugar fosse tomado pelos mais diversos tipos de monstros.
Aqueles dois monstros possuíam a capacidade de criar subordinados de no mínimo Rank A, com potencial para evoluir para a Classe Destruição, ou ainda, para a Classe Catástrofe.
Quem diria que aquelas criaturas poderiam se adaptar tão rápido? Principalmente, como dois Classe Apocalypsis poderiam habitar o mesmo território?
"O que a gente pode fazer?", pensou Trevor, enquanto criava alguns pequenos portais ao redor das asas das criações do Caríbdis e os fechava, cortando-as.
A água em seu corpo insistia em não secar. Enquanto aquele cenário se mantivesse, eles estariam fadados ao fracasso inevitável do tempo.
Os tentáculos do monstro emanaram um forte brilho branco enquanto ele se contorcia. Em instantes, os três foram presos por uma prisão de água em formato de domo, que se conectava ao oceano.
Diversas pontas, como se fossem estacas, começaram a surgir nas paredes da prisão de água. Para piorar, o restante das criaturas aladas estava lá dentro.
Naquele instante, um pilar de fogo dourado se ergueu das águas. O seu calor foi forte o suficiente para afastar os monstros mais próximos; a água deles evaporou.
O Cavalheiro das Chamas estava de volta, equipado com uma armadura prateada que possuía detalhes em amarelo-claro, a mesma cor do manto em sua cintura.
— Por que ninguém foi me ajudar? Eu fui engolido viv… — A indignação do nefilim foi pelos ares ao ver os monstros voadores e as estacas de água. — Que hora pra voltar. — Era saindo de uma enrascada e entrando direto em outra.
— Como você conseguiu usar a sua energia espiri…? — indagou sua parceira. — Divina…?
— Klaus você é um gênio — ovacionou Sophie.
— Ah, claro que eu sou — vangloriou-se o rapaz. — Mas o que foi que eu fiz?
A iminente chuva de flechas foi disparada em uma velocidade tão rápida que os projéteis zumbiram ao rasgar o ar.
Todos entraram em posição de defesa. Eirin colocou os braços na frente do rosto e fechou os olhos.
As flechas se aproximavam mais e mais, a ponto de ficarem a apenas alguns milímetros dos alvos.
Sentindo a falta da dor, Eirin abriu os olhos devagar. A um espaço mínimo de si, as estacas de água estavam paralisadas e envoltas por uma aura verde, a mesma aura que brilhava nas mãos de Sophie.
O uniforme da garota também irradiava um tom de verde-esmeralda, ao passo que uma armadura com entalhes verdes tomava forma no corpo dela, junto a luvas, grevas de metal e um manto verde ao redor da cintura.
— Veste Divina, Anjo do Tempo: Graniel.
Naquele instante, os corpos dos companheiros dela começaram a retornar para um momento antes de terem as suas habilidades enfraquecidas pela água.
Veste Divina, a manifestação máxima da divindade de um nefilim e dos conectados às almas deles, além de ser o único meio de utilizar uma das duas energias primordiais em alto nível, sem riscos ao seu corpo e mente — a energia divina.
— Uhull! — Eirin deu um pulinho e um soco no ar em comemoração.
Caríbdis e Kraken, por outro lado, não estavam nem um pouco felizes. O ódio era nítido mesmo naquelas feições bestiais. E que não aproveitar daquele ódio?
— Klaus, prepare a sua melhor lança. — Trevor estava com um sorriso impossível de conter em sua face. Depois de tanto sofrer, enfim, havia chegado o turno dele. — Vamos dar o nosso xeque-mate.
— Ah! Como eu esperei por essa hora! — Ergueu avidamente sua lança para o alto. Se Sophie estava disposta a usar o seu maior recurso, então ele tinha que corresponder à altura. — Vamos, Anjo do Fogo: Uniel!
Caríbdis avançou em fúria contra o rapaz. Aquele show de Vestes Divinas já estava na hora de acabar. Mas… um Portal Dimensional o engoliu. O seu destino? A cabeça do Kraken.
Com o impacto do Caríbdis contra o Kraken, o instinto de soberania alfa foi ativado, levando-os a se atacarem com ferocidade, em prol do domínio territorial.
Com as criaturas brigando entre si e juntas num só lugar, Klaus teve tempo suficiente para preparar a sua técnica e pegar os dois de uma vez.
— Queimem como o núcleo de uma estrela! — O calor das chamas da sua lança poderia ser sentido a quilômetros de distância, e ainda seria escaldante. — Chama… da Glória!
O impacto da técnica gerou uma enorme nuvem de calor em formato de cogumelo, semelhante à explosão de uma bomba nuclear. Mas compará-la a uma bomba não passava de puro eufemismo.
As ondas de choque geraram vários tsunamis que cobriram a torre azul-marinho com facilidade e empurraram os monstros sobreviventes para longe.
Ao baixar da devastação, tudo o que sobrou dos dois monstros da Classe Apocalypsis foi simplesmente… nada.
Por pouco os dois duos quase foram molhados novamente, mas a Distorção Espacial os salvou a tempo.
— Todo mundo usando Veste Divina. Eu também quero usar a minha — disse Eirin enquanto uma armadura com entalhes rosa começava a se formar em seu corpo. — Veste Divina, Anjo do Gelo: Haniel.
Trevor levou uma mão ao rosto. Para usar esse poder por um motivo tão fútil tinha que ser aquela garota. E ela já estava usando uma Gema Espectral.
— Humph! Nem vem com essa carinha aí, Trevor — reclamou a garota, enquanto descia para as águas. — Se tá no jogo é pra usar.
Ao tocar da ponta do seu pé no oceano, a água ao redor começou a congelar rapidamente.
— Agora eu consigo afetar você.
Em resposta ao congelamento de Eirin, todo o oceano começou a tremer; mais ondas começaram a se formar, só que daquela vez…
— Hã? — Sophie olhou para trás. Ao longe a torre azul-marinho estava vibrando tão forte a ponto de provocar ondas ao seu redor.
Todos os monstros remanescentes, nas proximidades, viraram-se em direção a ela e, em ato de submissão, pararam e abaixaram suas cabeças, enquanto a torre começava a se abrir.
— Esse seria…?
— O boss.
Um corpo negro feito de escamas escuras como o mais bruto metal e mais resistentes do que poderosos escudos, sobrepostas de tal modo que nem mesmo o ar poderia passar por elas.
Seus olhos brilhavam como o resplandecer da luz do Sol e das suas narinas saía uma fumaça negra.
Magníficas barbatanas que cortavam a água e o ar adornavam seu corpo, e o seu rosto expressava o terror da morte.
Ao ecoar do seu poderoso rugido, nuvens negras com raios e trovões começaram a se formar no céu.
Furacões, trombas d'água e redemoinhos tomaram posse do ambiente. Uma tempestade impetuosa se formou, um verdadeiro caos tomou conta do lugar.
Aquela imponente serpente marinha só poderia ser…
— O Imperador dos Mares? — comentou Sophie, admirada por poder observá-lo, temerosa por ter que enfrentá-lo.
— Imperador? — disseram Klaus e Eirin ao se lembrarem do conteúdo do monólito presente no jardim da torre:
Aquele que habita nas profundezas,
O Poderoso dos Mares, o Soberano,
Quem pode se opor ao seu domínio?
Quem pode ir contra a sua vontade?
Quem ousaria perturbar o seu descanso?
O Imperador dos Mares, o abissal e colossal…
— …Leviatã?!