O Nefilim Primordial Brasileira

Autor(a): Ghoustter


Volume 1 – Arco 1

Capítulo 3: Batalha de Admissão

A Seção de Batalha 7 aparentava ser maior que as demais construções ao redor. Contudo, o seu interior superava em muito as expectativas. Era uma verdadeira arena de batalha semelhante a um Coliseu.

O campo reservado para a luta ocupava o centro. As arquibancadas que o cercavam em círculo ficavam mais acima, com quatro enormes monitores feitos de energia, alocados nos cantos das paredes.

Embora houvesse apenas vinte participantes, quase todos os assentos estavam ocupados por membros da Academia, por jornalistas e pelo público em geral.

Os únicos que se destacavam em meio àquela multidão eram um garoto de cabelos e olhos azul-escuros e uma moça de olhos verde-claros e resplandecentes cabelos loiros, os responsáveis pela seção e que dividiam um púlpito em uma área separada dos demais.

— Eu sou Trevor Foster, e esta é a minha parceira, Sophie Alvarez. — Embora o jovem estivesse falando em tom normal, todos podiam ouvi-lo perfeitamente bem, devido às propriedades do espaço que ele mesmo modelou.

— O Designer Polivalente e a Imperatriz Chronos — comentou um homem-coelho na plateia para uma mulher-coruja ao seu lado, dois repórteres. — Foi muito bom termos vindo para a Seção de Batalha deles.

Seria incrível caso conseguissem uma pequena entrevista com os dois. Qualquer um adoraria ter alguns minutos com o duo Top 2 Rank S da Academia de Batalha Ziz.

Era uma pena que os membros em questão, principalmente Trevor, não gostassem de se expor nos meios de informação pública.

— Como todos devem saber — continuou o presidente da seção — essas lutas avaliam o desempenho e as habilidades dos participantes, e não quem vence ou perde.

A Academia de Batalha Ziz tinha uma política seletiva quanto ao comportamento dos seus membros. Como o maior símbolo de poder bélico do norte do continente, a conduta dos seus duos era algo que impactava muito na imagem da instituição.

— Claro, a gestão da Academia também está analisando todas as lutas da forma mais justa possível.

A eloquência das palavras do rapaz tornava o seu discurso em uma excelente apresentação, digna dos elogios dos mais experientes oradores e palestrantes.

— É, bem — complementou Sophie. — A partir desse momento, os combatentes serão selecionados aleatoriamente pelo sistema.

Nos cantos das paredes, os monitores aguardavam ansiosamente para apresentar os nomes e as fotos dos participantes daquele evento.

— Eu estarei torcendo por cada um de vocês. — Sophie comentava de um jeito suave, um tom que transmitia mais carisma do que o parceiro dela. — Que venham ao combate os primeiros selecionados!

Toda a plateia manteve os olhares fixos nos telões dos monitores. O silêncio provocado por aqueles nomes aleatórios que giravam incessantemente estava a ponto de se tornar audível. Até que os nomes finalmente... pararam.

Petra Lavour vs Raizel Stiger

A imagem de uma garota de cabelos prateados e gentis olhos azuis se destacava ao lado de um rapaz de olhos e cabelos vermelhos. Se uma imagem emanava carisma; a outra, frieza.

Todos os presentes ficaram confusos e começaram a cochichar entre si. Em meio àquela confusão de sussurros, a fala de uma pessoa se destacou:

— O Primordial? O que ele faz aqui?

Petra, que estava ao lado dos seus colegas sem entender nada, perguntou-lhes o motivo de todo aquele rebuliço.

— Esse daí é encrenca. — Valentina ainda observava atônita o resultado apresentado nos monitores. — Por que tinha que ser logo esse maníaco?

— Eu sei que todos estão confusos. — Vendo o caos que havia se instaurado, Trevor se impôs. — Esse foi o membro selecionado para a roleta russa dessa seção.

A roleta russa foi sugerida por alguns dos membros de alto rank que foram convidados para auxiliar na organização do evento, mas parecia que eles tinham escolhido a pessoa errada para aquela Seção de Batalha.

— Eu espero que vocês apreciem o nosso Top 1 Rank S em ação — complementou Sophie. — Ele vai ser bem moderado hoje. — Então completou em pensamento: “Eu espero”.

— O "Top 1 Rank S"? — Petra olhou abruptamente para os seus companheiros, que estavam ao seu lado. — É ele?!

— É melhor evitar essa luta — sugeriu Andrew, correspondendo friamente o olhar da garota. — Esse cara é mais do que forte, ele é uma aberração em forma de gente.

Não era por menos que Raizel se tornou o único em todas as quatro Academias de Batalha a ter permissão para realizar missões solo e ainda ocupava a posição de Top 1 Rank S, mesmo com Trevor e Sophie sendo um dos duo da Ziz.

— Eu concordo com o Andrew — enfatizou Valentina. — Um teste com aquele louco, onde já se viu? Esse povo ficou doido?!

Bastava observar a reação da plateia e qualquer um ficaria tenso, principalmente aqueles que conheciam a fama do nefilim.

Petra hesitou quando estava para se levantar. Hesitou? Não! Ela estava em posição de hesitar? De dar sequer um passo para trás?

— Eu... Eu vou enfrentar ele. — Levantou-se e limpou sua mente de qualquer preocupação enquanto observava piamente a arena logo abaixo.

— Quê?! Cê tá doida, mulher?! — Quase que Valentina se levantou no susto.

— Até mais. — Petra esboçou um pequeno sorriso de confiança para confortar a sua amiga e se pôs a sair.

— Petra, espe...

Valentina estendeu a mão em um ato falho de segurar a garota, que já estava de costas para ela e usava o círculo de transporte para ir direto ao centro da arena.

Logo após a chegada da Petra, outro círculo apareceu à frente dela, e o seu adversário saiu de dentro dele.

Ao ver o indivíduo diante de si a garota, teve a certeza de que estava cara a cara com uma pessoa incomum.

Irreverente, até mesmo a atmosfera ao redor parecia se render a Raizel.

Uma barreira foi levantada ao redor da arena para proteger a plateia de eventuais danos provenientes das lutas.

— Obrigada por ser o meu avaliador nesse teste — cumprimentou a moça.

Com o olhar baixo, o rapaz manteve-se calado por um instante, como se encarasse a face do vazio existencial.

— Eu só tenho uma dívida a pagar. Faça a sua parte. — Levando as mãos aos bolsos, o nefilim continuou como se a adversária nem mesmo estivesse ali. — Eu faço a minha, e acabamos com isso rápido.

Aquela forma de falar. O tratamento que dava à situação. Independente da forma que olhasse, Raizel estava sendo desrespeitoso com os sentimentos de todos os participantes.

Petra tentou olhar diretamente nos olhos dele, mas o garoto continuava com aquela expressão distante. Talvez, por perceber a insistência da garota, Raizel falou:

— Pode te faltar força, mas você até que tem coragem. Vou te dar um ponto por isso. — O nefilim esboçou um sorriso de canto, enquanto erguia um pouco o queixo. — Os outros nem pisariam nesta arena.

— Huh? — Petra começava a se sentir incomodada com aquele cara, ela nem era de ficar com raiva dos outros. — Arrogante…

— Eu apenas sei qual é o meu lugar no mundo. — E isso era essencial para todos os seres vivos, fossem daquele planeta ou de qualquer outro. — Mas você veio aqui por outro motivo, estou certo?

A garota estendeu uma mão para uma espada longa que surgia no ar, uma espada astral manifestada a partir da energia da sua própria alma.

— Sim, eu estou. — Pronta para a luta, a garota se pôs em posição de batalha e liberou sua aura, um belo brilho prateado que envolveu o seu corpo.

Os olhares de todos foram sequestrados por aquele brilho, até mesmo o seu oponente levantou levemente o rosto na direção dela.

Com a espada erguida ao alto, o primeiro movimento da luta foi...

— Ascensão… Divina!

Um corte direto de energia espiritual foi lançado em direção ao nefilim, pronto para parti-lo, porém... o ataque foi simplesmente absorvido quando ele ergueu uma mão.

— Que?! — Por um instante, Petra ficou sem reação, mas logo decidiu o seu próximo movimento. — Nesse caso...

A moça avançou em uma investida direta. Mudou sua posição rapidamente e atacou de diversas direções, com tentativas de cortes e perfurações falhas. Cada um dos seus ataques foram bloqueados por uma espécie de parede invisível.

O adversário, por sua vez, manteve-se imóvel, observando-a como se ela fosse um mosquito irritante. Fazia barulho e insistia em incomodá-lo.

“Tanto a sua força quanto os seus movimentos deixam a desejar" refletiu Raizel. “Estranho.” Ele tinha certeza de que o nome Lavour pertencia a uma família nobre. “Que falta de preparo é essa?”

Aquela garota já deveria ter reparado que vencê-lo em um embate direto de forças seria inútil. Além disso, ela nem mesmo estava utilizando a sua Habilidade Inata.

“Se ela ao menos tentasse me enganar para que eu desfizesse a minha proteção e, assim, ter uma oportunidade para perfurar o meu coração...”

A luta se prolongou por um momento até que o nefilim proferiu:

— Mais do que força, te falta muita experiência… menina nobre.

Um brilho vermelho misturado com um preto profundo começou a emergir do corpo de Raizel. Logo, sua aura explodiu em uma poderosa onda de choque que arremessou a garota ferozmente contra a barreira da arena, causando um estrondo pesado e deixando-a levemente trincada.

Uma dor intensa tomou conta de cada parte do corpo de Petra. Aos poucos sua mente começou a ficar escura. Os seus membros pareciam ter perdido as forças, e os seus braços e pernas nem reagiam.

Isso com uma simples explosão de aura.

"Um… dois… três."  Ao fim da contagem, a garota ainda continuava no chão. — Desista disso e tente ano que vem. — Sem sequer olhar para a sua oponente, Raizel deu as costas e começou a se retirar.

A reação das pessoas presentes na arquibancada foi dos mais diversos tipos:

— Era um resultado mais que previsto.

— Esse cara não sabe pegar leve nem com uma menininha iniciante?!

— Isso já estava mais do que na hora de acabar.

— Não estava mais aguentando ver essa cena triste. Pobre garota.

Junto a isso, os responsáveis pela Seção de Batalha também teceram seus próprios comentários entre si:

— O que foi — observou Trevor. — Ela nem usou a uma Habilidade Inata dela.

— Bem... — Sophie levou um dedo próximo aos lábios. — É só uma possibilidade, mas e se...?

— Fora de cogitação. — O parceiro dela já imaginava qual seria a sua suposição. As pessoas descobriram que possuíam uma Habilidade Inata ainda quando crianças. — Com essa quantidade de energia espiritual, ela definitivamente tem que ter uma.

Valentina, por sua vez, estava com os olhos arregalados e suando frio. Andrew tentava consolá-la, mas estava sendo pouco efetivo em sua tarefa.

Como ela poderia ser consolada? A sua amiga poderia morrer contra aquele indivíduo ou ficar com sérias lesões.

Realmente, tudo o que falavam sobre Raizel era verdade: uma aberração sem o mínimo de humanidade.

Ainda que com certa dificuldade, Petra começou a se levantar enquanto escutava os comentários da plateia.

— Eu não... posso voltar pra aquele lugar... eu não quero... voltar — expressou, embora a dor insistisse em prender as palavras em sua boca. — Um poder incrível… Um poder pra alcançar… qualquer objetivo.

— Hã? — Raizel se virou para a frágil garota. No lugar dela, a imagem de um pequeno garoto de cabelos roxos, acompanhado por uma densa névoa, o encarava. — Fala sério.

Mesmo com todo esse poder, você conseguiu o que queria? indagou a criança enquanto desaparecia como névoa. Sem essa, né? De que vale desejar algo sendo um Nefilim Primordial, né?

“Hahaha! É uma garota tola.” Raizel ria mentalmente, mas a vontade era de levar uma mão até o rosto e gargalhar alto de si mesmo.  — “Poder” você diz? Pra que você quer poder? Pra se sobrepor aos outros? Conquistar fama? Dinheiro...?

— Liberdade — respondeu a garota, opondo-se àquela enxurrada de palavras afiadas como facas. — Só liberdade.

A sua resposta, por alguma razão, deixou Raizel em silêncio. Após refletir um pouco, ele indagou: — E o que é a sua liberdade?

— A capacidade de… decidir o meu destino. Eu me recuso... — As imagens daquelas pessoas vieram à sua mente. — A seguir as ordens deles! Nem que eu tenha que dar a minha vida por isso.

Aquelas palavras teriam alguma credibilidade, se não estivessem saindo da boca de uma garota que caiu miseravelmente por causa de uma simples explosão de aura.

No entanto, Raizel já havia escutado aquelas palavras antes e desejava nunca mais ter que ouvi-las de novo. Ter um objetivo que valesse mais do que a própria vida, ele jamais saberia o que era aquilo.

"Ela é mesmo uma garota tola, ainda assim…" Um sorriso tênue formou-se em seu rosto e, pela primeira vez, o nefilim encarou a menina nos olhos. — Desconsidere o que eu disse até aqui. Vamos reiniciar o teste, tudo bem?

— Uhum! — Petra assentiu com dificuldade.

O adversário estendeu a sua mão direita com a palma voltada para baixo, para receber a sua própria arma astral.

— Manifeste-se, Espada do Princípio: Gênesis.

Logo a katana negra com marcas vermelhas e um guarda-mão em formato hexagonal se materializou em sua mão.

Tanto Petra quanto a plateia observou atentamente aquela espada — um céu noturno banhado em sangue.

— Você ainda tem energia pra mais um ataque, certo?

— Uhum!

— Então venha com tudo o que tiver. — Raizel ergueu a Espada do Princípio. — E coloque a sua vida nisso, Petra Lavour.

A garota replicou a ação do adversário e ergueu sua espada. Logo duas colunas de energia espiritual ascenderam ao céu, um pilar prateado e um vórtice rubro.

Na plateia, ninguém ousava piscar, as mentes de todos estavam perdidas em meio à iminência da disputa direta entre dois ataques carregados.

— Ascensão...

— Primeiro Ato: ...

— ...Divina!

— ...Prelúdio.

As duas massas de energia avançaram, e a colisão entre os ataques fez todo o ambiente estremecer. Várias ondas de choque se espalharam pela arena, arrancando pedaços do chão e tencionando a barreira de proteção.

Como esperado, o ataque de Petra — lentamente — começou a ser devorado pelo Prelúdio, uma técnica projetada para dissipar energia espiritual.

— Depois daquela conversa toda, é só isso o que consegue fazer?! — Em resposta à provocação do seu adversário, a garota apertou o cabo da espada com todas as forças que ainda lhe restavam.

— Não… ainda não… Eu posso mais… mais! — A quantidade de energia fluindo pela sua arma aumentou drasticamente e empurrou o Prelúdio de Raizel para trás.

Os cabelos do garoto rodopiaram e quase agrediram seus olhos. Aos poucos, ele começava a sentir o peso da técnica daquela garota frágil o pressionar.

— Interessante — sussurrou Sophie com brilho nos olhos. — O Gabriel estava falando sério quando disse que aquela garota tinha potencial.

— Mas por quanto tempo ela vai aguentar? — Sem tirar os olhos da arena, que ficava cada vez mais caótica, era óbvio para quem Trevor estava torcendo.

A concentração de energia dentro da barreira crescia e crescia. O chão já estava com rachaduras profundas. Naquele ritmo, o cenário ficaria aos pedaços antes da segunda luta começar.

— Esse é o espírito, Petra! —  Raizel aumentou ainda mais a potência do vórtice de energia e empurrou a Ascensão Divina para trás, junto ao corpo da garota.

— A-Ah… Resista… Resista!

Petra curvou um pouco os joelhos para que seu corpo leve não fosse lançado para longe pelas rajadas de vento, que superavam de longe a potência de um furacão. Em resposta, uma cratera se formou aos seus pés.

Vendo que o Prelúdio estava cada vez mais próximo de si, vendo que ela perderia ali, as mãos cansadas da garota começaram a fraquejar.

— Só mais um pouco… por favor… só mais um…

“Minha pequena criança, seja forte e corajosa. Não desanime, nem tenha medo. A mamãe sempre estará torcendo por você.” Aquelas palavras que ela ouviu há tanto tempo atrás…

— Um pouco mais…! — Ainda um pouco mais, a Ascensão Divina voltou a se opor ao Prelúdio. — Vamos…!

— Isso já tá ficando perigoso. — Trevor estava a ponto de interromper a luta. Se aquela garota recebesse o Prelúdio de frente, quem saberia se ela sobreviveria?

— Ainda assim… — Sophie comentava para que o seu parceiro não interferisse. — Confie nele. Confie nela também.

Petra soltou um grito que foi abafado pelo ruído da colisão das técnicas. Ela podia sentir os seus ossos trincarem e a ardência dos seus músculos rasgando.

Várias rachaduras começaram a se espalhar pela sua espada e, logo em seguida, o inevitável aconteceu: ela se despedaçou em migalhas de metal.

A garota arregalou os olhos, mas tudo o que restava naquele momento era uma massa de energia carmesim que vinha caótica e sedenta para cima dela.

Um forte estrondo foi seguido de uma enorme quantidade de poeira e pedaços da arena, que voaram para todos os lados.

Ao baixar da catástrofe, o que restava era uma barreira à beira do colapso, e uma garota caída, inconsciente no chão.

Todos foram tragados pela mesma reação: o mais profundo silêncio.

Valentina foi ao chão, incapaz de observar mais daquilo. Andrew também estava perdido. O que ele poderia fazer?

Enquanto isso, Raizel aproximou-se da adversária e a tomou em seus braços. O olhar que ele direcionou para a perdedora carregava um certo pesar em vez do orgulho pela vitória.

“Veja, quem torceu por você? Quem acreditou na sua vitória? Ninguém."

— O que você pensa que tá fazendo?! — Uma voz masculina ecoou logo atrás. Os integrantes do corpo médico já haviam chegado para levar a garota.

— Creio que seja óbvio. Vou levar ela comigo. Eu mesmo cuidarei dos ferimentos que causei.  — O nefilim ergueu seu rosto em direção a Trevor e Sophie. — Alguma oposição a isso, presidentes da seção?

— Oposição nenhuma.

Assim, o rapaz usou um círculo de transporte e desapareceu com a garota sem dar mais satisfações para ninguém.

— As coisas meio que saíram do controle — lamentou Trevor, com um suspiro que carregava um misto de preocupação e alívio. — Mas tudo aconteceu como deveria, no fim. Que bom.


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