Volume 1 – Arco 1

Capítulo 9.5: Incidente*

LEIA COM ATENÇÃO:

Caro leitor,

Este é um capítulo especial e opcional. Não é necessário lê-lo para seguir a história principal. Esses capítulos extras têm como objetivo aprofundar determinados temas como: personagens, grupos ou eventos, e em alguns casos, exploram histórias que não são cruciais para a trama central.

Neste capítulo (Capítulo 9*), você acompanhará a infância de Kenshiro Torison até o "Incidente dos Descendentes."

  • 1 - Infância em Aeterna
  • 2 - Família Waltz
  • 3 - Convidada
  • 4 - A Capital
  • 5 - Incidente

5 - Incidente

Ao completarem quinze anos, seus professores decidiram realizar uma aula prática. Eles iriam até um grupo de bandidos e os exterminariam, permitindo que os cadetes tivessem um vislumbre do que era uma verdadeira batalha.

Nada poderia dar errado, afinal, bandidos não eram páreo para um grupo de Heróis. Aquela aula prática seria o teste final para consolidar a formação dos cadetes.

Pouco antes da partida, alguém os aguardava nos portões. Era Oliver.

— O que faz aqui? — perguntou Kenshiro, ainda ressentido.

— Vim me despedir dos meus melhores amigos. O que mais poderia ser? — respondeu Oliver.

— Não tem outros amigos?

— Kenshiro, escute-o — pediu Anna.

— Sei que as coisas não saíram como planejamos... — começou Oliver, após lançar um olhar peculiar para Anna. — Tentamos não nos destacar, mas depois de salvarmos aquela garota, fomos trazidos à Capital. Prometemos sempre ficar juntos, mas acabamos em turmas diferentes. Porém, não vejo razão para deixarmos de ser amigos...

Oliver estendeu a mão para Kenshiro.

Kenshiro não apertou sua mão, mas o puxou para um abraço apertado.

— Seu desgraçado... — disse Kenshiro, com lágrimas nos olhos. — Nossos objetivos sempre foram diferentes... Íamos nos separar em algum momento.

Com a amizade enfim restaurada e os mal-entendidos resolvidos, Kenshiro se despediu com um último desejo:

— Espero ver você alcançar o topo!

E assim, a turma de Kenshiro partiu para sua atividade prática. Anna, por alguma razão, sentiu-se aliviada com o ocorrido.

***

Numa determinada noite, a turma se preparou para dormir. Cada cadete possuía sua própria barraca, enquanto os professores compartilhavam uma maior.

No meio da noite, Anna invadiu a barraca de Kenshiro, acordando-o.

— Anna? Está tudo bem? — perguntou Kenshiro, ainda sonolento. A escuridão era tão densa que ele só conseguia distinguir a silhueta de sua amiga.

— Para quem você manda suas cartas? — perguntou Anna.

Percebendo que Anna queria apenas conversar, como era de seu costume, Kenshiro respondeu tranquilamente:

— Para minha família. Como não posso mais passar aqueles dois dias com eles, nos comunicamos constantemente por cartas. Os falcões imperiais são mais rápidos do que eu viajando até lá.

— Mas... essa "Erina", ela não é aquela garota que salvamos?

Surpreso por ter sua privacidade invadida, Kenshiro tentou se levantar, mas Anna o empurrou com a ponta do pé, forçando-o a deitar novamente.

— É ela, não é? — reforçou Anna.

— Sim, é ela. Por que quer saber?

— Só fiquei curiosa... Não sabia que você tinha uma namorada.

— E-ela não é minha namorada! Somos apenas amigos... — respondeu Kenshiro, envergonhado.

— Tem certeza? A maneira como você escreve para ela é diferente da forma como escreve para sua família... Vejo tanta paixão em suas palavras e nas dela... Tem certeza que ela não é sua namorada?

— Sim! Tenho certeza!

— Nesse caso...

Anna se deitou sobre Kenshiro, segurando suas mãos e beijando seu pescoço.

— Espere! Cadê suas roupas?! — questionou Kenshiro, alarmado.

Kenshiro foi pego de surpresa quando Anna roubou seu primeiro beijo, enlaçando-o com a língua, que invadiu sua boca de maneira ousada. Ele sentiu algo a mais ser passado para sua boca, que acabou engolindo, sem compreender totalmente o que era.

Um formigamento percorreu seu corpo, despertando sensações que Kenshiro nunca havia experimentado. Ele começou a se render àquele sentimento, mesmo que uma parte de si resistisse.

— Pode imaginar que sou a Erina, se isso te agradar mais...

Essas palavras ecoaram em sua mente, e, naquele instante, Kenshiro se entregou por completo.

Com um gesto decidido, ele retirou suas roupas e segurou "Erina" pela cintura fina. O calor de seus corpos se entrelaçou, e eles se beijaram com uma intensidade que fez o mundo ao redor desaparecer. As mãos de ambos exploravam cada contorno, cada curva, em uma dança de desejo.

Entre beijos e mordidas suaves, gemidos abafados preenchiam o ar.

"Será assim que Erina gemeria?", perguntou-se Kenshiro, perdido na confusão de sensações.

Quando os hormônios de ambos atingiram o ápice, Kenshiro a deitou delicadamente, separando suas pernas. E assim, seus corpos se uniram em um só.

Naquela noite, foram mais que amigos; tornaram-se amantes, consumindo o desejo que os envolvia.

No dia seguinte, enquanto a turma marchava, Kenshiro e Anna caminhavam lado a lado, ambos mergulhados em um misto de vergonha e incerteza. Anna não conseguia entender o que a havia levado a agir daquela maneira na noite anterior e temia que Kenshiro estivesse planejando se afastar dela. No entanto, foi surpreendida quando ele silenciosamente tomou sua mão.

Com um sorriso simples, Kenshiro mostrou que compartilhava daquele mesmo sentimento, proporcionando a Anna uma felicidade que ela nunca havia experimentado antes.

Apesar disso, Kenshiro se via atormentado por dúvidas. Ele sabia que não amava Anna com a mesma intensidade que ela o amava, mas o que haviam feito na noite anterior era grande demais para ser ignorado. Decidiu, então, assumir a responsabilidade e ficar ao seu lado, mesmo que a incerteza ainda pairasse sobre ele.

***

Quando a noite caiu, finalmente chegaram à caverna dos bandidos. A turma foi separada em seis grupos, cada um liderado por um professor. Gideon, Anna e Kenshiro foram designados ao professor Arturo e seriam os últimos a entrar.

— De que adianta sermos os últimos?! Não vamos conseguir ver ou experimentar nada! — reclamou Gideon, irritado.

— Isso não foi por acaso — explicou Anna. — Estão seguindo a formação padrão do exército: os mais importantes ficam mais longe do combate, enquanto os menos experientes estão na linha de frente...

Gideon franziu o cenho e começou a observar os colegas que permaneceram com eles. Era verdade. Junto ao seu grupo estavam os alunos com as melhores notas e os próprios Descendentes.

— Isso é ridículo! Do que adianta sermos os melhores se somos os últimos a lutar? Os mais fortes deveriam proteger os mais fracos, e não o contrário! — exclamou Gideon, com uma fúria justificada.

Kenshiro e Anna, impressionados com o pensamento altruísta de Gideon, concluíram que ele era apenas um jovem incompreendido.

Enquanto avançavam pela caverna, Gideon resolveu abrir seu coração a Kenshiro, com Anna como testemunha.

— Kenshiro... Sinto muito pelo que fiz a você nos últimos anos.

— Não se preocupe, isso ficou no passado.

— Não, é sério. Sou dois anos mais velho que você e, mesmo assim, fui o mais infantil — disse Gideon, passando a mão pela testa em um gesto de nervosismo. — A verdade é que eu tinha ciúme de você e da sua família. Achei que você só se destacava por causa do seu nome, talvez até estivesse sendo favorecido pelos professores. Mas certa noite... Eu vi você estudando enquanto todos dormiam, e percebi a diferença entre nós dois...

Gideon confessou que ele e seu grupo utilizavam cola para manter as boas notas no início, mas com a chegada dos Herdeiros de Camelot, ele decidiu estudar de verdade. Suas notas caíram, e seu respeito por Kenshiro cresceu.

— Eu reprovei repetidamente porque estava ocupado demais brincando e fazendo besteiras — continuou Gideon. — Mas você... você tinha tantas dificuldades quanto eu, e ainda assim, se esforçava para aprender e se superar. Quando percebi isso, comecei a tentar ser mais como você... Então, obrigado, e... sinto muito mesmo.

— Nossa, Gideon, não precisa...

A conversa foi abruptamente interrompida por uma sequência de gritos horrendos, que ecoavam pela caverna como o som de uma batalha infernal.

Arturo ficou paralisado, suas pernas tremiam e ele parecia incapaz de se mover ou dar qualquer ordem. O medo dominava o ambiente.

E então, o responsável por aquele caos apareceu.

Um monstro.

Com uma forma humana distorcida, sua pele enegrecida e manchada com o sangue de suas vítimas, o rosto retorcido em um sorriso grotesco, feridas profundas e abertas que expunham carne e ossos, era impossível acreditar que aquele ser já fora um ser humano.

Mas o mais aterrorizante eram seus olhos, completamente negros, como buracos sem fundo que pareciam devorar a alma de quem ousasse olhar.

Com um avanço rápido e brutal, o monstro ergueu sua espada, uma lâmina danificada e quebrada que prometia um corte sujo e agonizante.

Arturo, em um ato desesperado e covarde, agarrou uma criança, tentando usá-la como escudo humano. Mas o monstro cortou a criança ao meio com facilidade. A lâmina penetrou profundamente no corpo de Arturo, deixando-o agonizando em seu próprio sangue.

Arturo, capitão dos Herdeiros de Camelot, morreu covardemente, sufocado em sangue.

O pânico se espalhou entre os cadetes, que começaram a correr em um frenesi desesperado para salvar suas vidas.

O monstro, deleitando-se com o desespero, avançou novamente. Anna, porém, foi rápida e o interceptou, desferindo um corte no joelho da criatura, que caiu ao chão com um riso maníaco.

O monstro, em um ato de puro sadismo, sorriu ainda mais ao virar seu rosto deformado para Anna, Gideon e Kenshiro. Para seu horror, viram as feridas da criatura se fecharem como se fossem apenas cortes superficiais.

Ele se levantou, contemplando as três crianças que ousaram desafiá-lo.

— Vamos realmente fazer isso? — perguntou Gideon, a voz trêmula de medo.

— Se fugirmos, ele nos matará, assim como fez com os outros — disse Kenshiro, com a tensão evidente.

— Fomos os melhores de nossa classe no combate... Temos uma chance de vencê-lo! — afirmou Anna, possuindo uma determinação inabalável.

A confiança de Anna acendeu uma chama nos corações dos garotos. Ela era a mais sensata dos três; se acreditava que poderiam vencer, então deveria haver uma esperança.

Os três avançaram juntos, para a surpresa do monstro. Com uma precisão desesperada, Gideon desferiu um golpe pesado contra o peito da criatura, enquanto Anna e Kenshiro atacaram seus joelhos, fazendo-o cambalear. A velha espada do monstro quebrou com o impacto, e a lâmina de Gideon penetrou profundamente em seu peito, criando um corte mortal.

O monstro ficou imóvel, parecendo derrotado.

Aliviados e surpresos, os três começaram a caminhar lentamente para a saída da caverna.

Mas, ao ouvirem novamente a risada macabra, viram o monstro se erguer mais uma vez, agora segurando apenas o cabo de sua espada quebrada, a lâmina reduzida a uma adaga grotesca.

Desta vez, ele avançou com uma fúria incontrolável. Com um soco, Gideon foi lançado contra a parede da caverna, batendo a cabeça e desmaiando.

Anna, ainda recuperando-se do choque, foi atacada antes que pudesse reagir. O monstro replicou o que fizeram com ele, cortando o joelho de Anna, que gritou de dor.

Kenshiro, tomado pela raiva e pelo medo, desferiu um golpe poderoso. Embora sua lâmina não tenha atingido o monstro diretamente, a força do golpe criou um vento cortante que lançou a criatura para o fundo da caverna, abrindo um corte profundo.

Sabendo que tinham apenas alguns instantes antes que o monstro retornasse, Kenshiro agiu rápido.

— Venha, Anna, suba nas minhas costas! — disse Kenshiro, ajoelhando-se.

— Não, Kenshiro. Leve Gideon primeiro. Se o deixarmos aqui, ele vai morrer — insistiu Anna, improvisando um curativo em seu ferimento.

— Mas e quanto a você?!

— Vou ficar bem! Fui pega de surpresa, mas isso não vai se repetir. Você pode tirar Gideon daqui e voltar para me buscar. Eu sei que você consegue...

— Mas, Anna...

Antes que pudesse argumentar mais, o monstro emergiu das sombras, rindo histericamente enquanto cortava sua própria carne e lambia o sangue que escorria.

— ISSO É UMA ORDEM! — gritou Anna, avançando contra o inimigo.

Percebendo a determinação de Anna, Kenshiro decidiu acreditar nela. Pegou Gideon e o carregou para fora da caverna, até onde as outras crianças sobreviventes poderiam ajudá-los.

— Anna... Onde está Anna? — perguntou Gideon, despertando.

— Eu vou buscá-la agor...

Mas Kenshiro ficou paralisado ao olhar a entrada da caverna. Gideon, ainda grogue, levou alguns instantes para compreender a visão que se desenrolava diante de seus olhos.

Sob a luz da lua, iluminando perfeitamente a cena, o monstro segurava Anna pelos cabelos, forçando-a a ajoelhar contra sua vontade.

O corpo de Anna estava coberto de feridas profundas e terríveis, seu sangue encharcando o chão.

Com uma expressão sádica, o monstro ergueu sua espada quebrada e começou a serrar o pescoço de Anna. Não com um único golpe, mas como se estivesse cortando um pedaço de pão, enquanto sua risada descontrolada ecoava pela noite.

Anna ainda estava viva, seus gritos de dor eram tão horripilantes que faziam o sangue gelar. Esses gritos terríveis só cessaram quando sua cabeça finalmente foi arrancada.

Com o corpo de Anna caindo no chão, e sua cabeça sendo levantada pelo monstro sádico, aquela seria uma cena que ficaria para sempre guardada nas memórias de Kenshiro e Gideon.

E aquele dia ficou lembrado como “O Incidente dos Descendentes.”

 



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