O Meu Caminho Brasileira

Autor(a): Rafael AS

Revisão: Rafael-AS


Volume 1

Capítulo 51: Sozinho

A equipe insurgente, que parecia tão unida e pronta para a batalha, se separou em menos de uma hora. A primeira a se distanciar foi Aithne.

Ainda na arena, ela ajeitou os óculos, olhou para o chão numa expressão cansada e disse que precisava adiantar pelo menos uma semana da pesquisa com Tokewater, já que amanhã começa a missão da floresta. Seus olhos, quase fechando, carregavam olheiras de noites sem dormir direito.

Enquanto nós cinco caminhávamos sem ela pelos campos verdes da Academia, rodeados por diversos prédios e instalações que eu ainda não tinha explorado, Hikaru se curvou, falou que precisava resolver alguns assuntos pessoais e sumiu das nossas vistas por uma das estradas pavimentadas. Eu, Violette, Guinevere e Dolgan nos entreolhamos, como se nos perguntássemos o que iríamos fazer.

Foi então que meus olhos brilharam encarando o rosto de cada um. Éramos um quarteto perfeito. Se enfrentássemos um grupo de inimigos, Dolgan assumiria o papel de tanque e Guinevere o curaria, abrindo espaço para que Violette se esgueirasse pelas costas dos adversários. Não tenho um papel específico, mas poderia ajudar a atrair a atenção deles para auxiliar na ocultação da Violette.

Éramos um quarteto perfeito... Quase perfeito, com exceção de que, na verdade, se tratava de um trio perfeito e um companheiro que, se servia para algo, era como isca.

Na mesma velocidade que ficara animado, minha face perdeu o brilho.

Violette pareceu perceber minha mudança de humor, porque seus dedos se entrelaçaram nos meus. Fitei a face dela com surpresa, e o que recebi foi um sorrisinho gentil.

Minha vontade de enchê-la de beijos só se multiplicou no peito. Enquanto imaginava como recompensar o carinho dela, Guinevere falou:

— Então...

Minha atenção voltou à jovem loira. Ela estava de costas, seu rabo-de-cavalo esticado balançando ao vento. A coluna estava ereta e os ombros, largos. Uma pose de força que não combinava com a doce e cristalina Guinevere que eu tinha nas memórias, a que havia me chamado de avoado com um sorriso brincalhão no meu primeiro dia aqui...

— Preciso adiantar as tarefas do meu estágio também — disse ela sem hesitar.

Guinevere se virou uma última vez para nós, abriu um sorriso rápido, meio constrangido, mas ainda carregando um resquício do ar gentil que a marcava, e tornou a andar. Seus passos a levaram para a direção da Torre dos Professores.

Não sabia o que se passava com ela, porém a garota estava diferente. Tinha um ar mais maduro e sóbrio. Um pouco distante. Mais séria.

Enquanto víamos ela se distanciando, a mão de Violette apertou a minha com firmeza. Tentei ler a expressão da jovem, procurando saber como interpretar o aperto, mas não consegui captar nada do seu rosto inexpressivo. Era como se houvesse erguido uma muralha em volta de seus verdadeiros sentimentos. A única coisa que seus olhos perdidos na Guinevere me contavam era que... sentia algo complicado.

De repente, Dolgan pigarreou. Assustei-me, nem me lembrava mais dele ali.

Com um sorriso tranquilo, ele apertou a minha mão, se distanciou e, quando parecia ir embora, andou até mim num pulo e me deu um abraço tão apertado que parecia ter a força de um urso. Ele exalava um cheiro forte de terra molhada, mas não era ruim. Era como se carregasse a força da terra consigo.

— Senti sua falta, cara... — A mão dele bateu nas minhas costas. — Vê se não some de novo, tá? Todo mundo tá sentindo sua falta... — Entendi que fazia referência ao grupo dele, com Tannivh, Melissa e Benkei.  

Sorri e retribuí o tapa nas costas, feliz por tê-lo. No fim, o Dolgan sempre só queria me ajudar... Até quando o Cyle me espancou no meu primeiro dia aqui, foi ele quem me socorreu e se atreveu a bater no rosto do nobre, correndo o risco de destruir a estadia dele na Academia.

— Desculpa por ter estado meio ausente. Eu... precisei de um tempo para mim — falei, deixando meu coração guiar cada palavra. Ele merecia. — Prometo que vou passar mais tempo com vocês. Você é gente boa para caramba, e todos lá são divertidos.

— Eles são engraçados. — Dolgan riu e se afastou de mim. Os olhos dele caíram sobre a Violette ao meu lado. A face dele se fez séria, considerando o que fazer, e simplesmente a ignorou, virando-se de costas sem se despedir dela.

— Nos vemos em breve. — Ele levantou a mão e caminhou pelo gramado, nos deixando a sós.

Ele era um companheiro confiável e engraçado. Ainda assim, nem sempre a confiança e a intimidade progridem na mesma proporção. Só quando fiquei a sós com a Violette que relaxei, me sentindo como se estivesse em casa.

Dei um longo suspiro, jogando para fora o estresse do corpo, e encarei a Violette com um sorriso bagunçado, esperando encontrar seu sorriso também. Contudo, o que vi foi um rosto apreensivo, as sobrancelhas unidas.

— O que foi? 

Em vez de me responder, a garota andou até mim com passos arqueados e cautelosos e olhos que examinavam os arredores atentos, como uma gata que cuidadosamente rastreia o ambiente. Quando ficou na minha frente, abraçou-me e escondeu o rosto no meu peito. O cheiro de terra foi substituído por... cheiro de uvas negras?

Não sabia bem o cheiro, mas isso não era o mais relevante. Meu coração doeu por não a ver feliz como usual. Será que alguma coisa aconteceu?...

 Acariciei seu cabelo, tentando a cada toque dizer que estava tudo bem.

— Você está inseguro — disse ela, a voz abafada pelo tecido da minha camisa.

— Estou... inseguro?

— Sim. Seu coração costuma bater mais lento. E o brilho que tinha no rosto foi se perdendo a cada despedida. Estava planejado fazer um treinamento em grupo, não era?

As palavras dela foram tão diretas que meu coração vibrou, como se me acertasse um soco no peito. Mas eu não concordei que o treino em equipe era meramente por estar inseguro. Fazia sentido querer investir meu tempo para treinar juntos...

— Sabe... — tentei convencê-la. — Se aparecer um outro monstro super forte, será muito arriscado qualquer um enfrentá-lo sozinho. Em vez de cada um treinar por si, teremos mais segurança se formarmos uma equipe sólida e treinarmos a formação de combate.

A cada som que saía da minha boca, ela permanecia me segurando imóvel, escondida no peito. Eu sabia que ela me escutava, palavra por palavra.

— Se você treinar e ficar mais forte sozinho, como é uma parte do grupo, o grupo todo ficará mais forte — respondeu ela. — Se aprender um feitiço novo hoje, teremos mais possibilidades de batalha amanhã. Essa é a verdadeira razão pela qual parece estar desmotivado e ansioso por não poder treinar em equipe?

Aquela pergunta, quase como que me pegando na minha própria mentira — que eu nem sabia que fazia —, foi um outro soco no peito, ainda mais profundo que o anterior. 

Meu primeiro instinto foi abrir a boca e reforçar o quão racional era treinar em conjunto:

— Viol, você sabe que... que...

Mas as palavras não saíram.

Encarei a garota que silenciosamente me abraçava e em nada se alterava pela nossa conversa. A vulnerabilidade dela, que me mostrava tantas vezes o quão profundos eram seus tormentos, me fazia querer confessar meus sentimentos também. Ela merecia ver também meu coração... Mas o que, afinal, estava escondido no meu peito, até de mim mesmo?

Engoli em seco e mordi os lábios. Quanto mais minha mente vagava pelos meus sentimentos, mais via que, talvez, a maior razão de querer treinar em grupo era que assim o tempo que eu gastasse daria mais resultado para nós, que era melhor eu ajudar o grupo a ser forte que me ajudar. Era...

— No fundo, você só quer ser útil — proclamou ela com palavras firmes.

Se antes as palavras dela eram socos, agora se tornaram navalhas. Elas expuseram algo que eu não queria saber de mim mesmo, que eu não estava preparado para ouvir, e ainda mostravam que o meu defeito é conhecido pelos outros.

— Acha que ajudando os outros será menos inútil — continuou Violette, sem me dar ao luxo de refletir por mais tempo. — Além disso, não tem confiança na sua capacidade de se proteger e nem na de contribuir para a equipe. Ficar nas costas das pessoas as servindo, é isso que quer para si?

Meus dedos pararam de acariciar a cabeça dela. Fiquei confuso e o sangue subiu à cabeça. O mundo ficou pesado. Naquele instante, lembrei o quão inútil fui por anos para meus pais, trancado dentro de casa. Como não passei no vestibular e o quanto tempo demorei para me adaptar a esse mundo.

Mas, no fundo, estava me sentindo melhor comigo mesmo. Estava dando tudo de mim, diferente de todos esses últimos anos. Estava treinando dia e noite e só parei para aproveitar um dia com a Violette, antes de sofrer o acidente com o último monstro. Ao longo desse mês aqui, superei cada problema meu. Até na nossa última luta superei problemas...

Não me sentia mais tão culpado e nem envergonhado. Começava a ter orgulho de mim. Então por quê...

— Você é fofo. — Ela riu, se empurrou de mim e rodopiou, os cabelos a envolvendo no giro como se fossem fitas de uma dançarina. Parou de costas para mim, não me possibilitando ver a face dela. — Mas ainda tem muito a aprender. As pessoas não são como você imagina. Nem você é. Imagina os outros...

Ela estava longe de mim. De costas, inacessível. Inacessível também no coração. As palavras usadas faziam-na parecer infalivelmente sábia, e qualquer argumento que eu pudesse trazer seria visto como uma filosofia infantil, de quem “não conhece as pessoas”.

Não havia conversa possível. Porém, quanto mais eu percebi a impossibilidade de falar algo, de expressar a minha visão, mais meu peito ardeu. Uma parte de mim quis ser ouvida, entendida. Quis ser válida e suficiente, em vez de tola e infantil. Era eu. Minha história de vida. Era meu direito.

As chamas do peito se alastraram e queimaram para fora da garganta através de palavras:

— Aceito que estou inseguro, sim. É verdade. — Sorri, num misto de euforia e ansiedade que crescia à medida que nossas opiniões se confrontavam mais. — Mas que sentido há na vida se ela não tocar a de outrem, de alguma forma?

“Pense na flor. Veja o quão colorido é esse gramado, e tudo por causa dela. Qual seria o sentido da flor, se não tornasse mais belo o mundo? Se não nos agraciasse com seu perfume? Até depois da morte, depois de ceifadas, elas ainda deixam seu cheiro, e não é isso a sua beleza? Não é isso uma vida bem-vivida, aquela que deixa um legado positivo, que, mesmo depois da morte, ainda deixa seu cheiro, sua imortalidade?”

Abri os braços, cada mão demonstrando o esplendor da natureza à nossa volta. Contudo, a resposta de Violette foi direta e quase instantânea:

— E por acaso a flor sofre? Por acaso ela ri e chora? Ela sangra e amarra uma corda na própria garganta?

Ela se virou e me encarou com olhos afiados, confrontados.

Naquele momento, uma resposta cortante me veio à mente. Olhei fundo naqueles olhos. Eu a machucaria se falasse aquilo, se falasse a minha verdade. Contudo, se ela se importa mais consigo mesma que com os outros, então não se incomodaria se eu fizesse o mesmo...

— Por acaso, se eu agisse dessa forma egoísta, você teria vivido todas essas lágrimas e crises com um abraço para te confortar? Se eu agisse assim, teria havido qualquer beleza entre nós? Você espera o quê? Que eu te use e te descarte, quando podemos nos ajudar, ser o porto seguro um do outro? Será que... é assim que você vai me tratar, no fim?

Minha mente ardia em chamas, mas, à medida que eu percebi o que falei, arrependimento começou a crescer no peito. Conflitos são imprevisíveis, as respostas mais ainda, e as reações no momento da raiva podem escalar a níveis inimagináveis. Podem destruir em segundos tudo que se construiu; às vezes, até a vida de alguém...

Como eu mais temia, ela não me respondeu. Ficou em silêncio. De costas para mim, não sabia se tinha raiva, se estava fria, se carregava aquele rosto morto...

Era um assunto besta, só uma perspectiva filosófica, e o tópico de antes era simplesmente apenas sobre um defeito meu que ela queria me alertar sobre. Não tinha por que sermos assim... Em um momento vão como aquele, a infinitude que vivemos nos se colocou em risco de nunca mais acontecer e pertencer apenas ao reino das memórias.

Os ombros dela tensionaram e seus pés começaram a caminhar adiante, para longe de mim. Era como se eu assistisse novamente a cena da sala de aula, quando ela me deixou sem hesitar, rápida e fria. Só que...

Diferente de antes, eu a conhecia muito melhor. Sabia que tinha seus tormentos e que minhas palavras dilaceraram tanto quanto as dela. Sabia que ela tinha problemas consigo nesse assunto. Era vívida a memória de como ficou perturbada ao saber que quase me sacrifiquei por um menino desconhecido. Ela não era orgulhosa sobre viver apenas por si mesma. E, mesmo assim, afundei o dedo com sal na ferida dela...

Não queria me humilhar e não me sujeitaria a isso. Se ela ficasse com raiva de mim e fosse me evitar, que seja, mesmo que fosse doer. Entretanto, a partir do momento em que escolhi falar aquilo, carrego a responsabilidade pelos meus atos. E...

Eu não queria machucar aquela menina do coração triste com os sorrisos mais lindos e sinceros que o mundo já viu. Ela merecia mais paz... Ela se abriu para mim, talvez eu fosse a única pessoa que viu além da máscara fria dela, então as minhas palavras, mais do que a de qualquer pessoa, cortavam igual navalhas. Igual as dela...

Caminhei mais rápido que ela e, quando estávamos do lado um do outro, falei sem olhar no rosto:

— Desculpa. Levei isso longe demais...

Ela cessou os passos. Com a face virada ao chão, os cabelos escondiam os olhos dela. Não teve coragem de me encarar.

Um breve silêncio reinou entre nós. Meu coração bateu mais rápido, com medo do que viria. Então, com uma voz pesada, Violette disse:

— Então era assim que você se sentia quando falei aquilo de você...

Meu peito apertou de novo. Não mais de raiva, revolta ou desespero, mas de... piedade. De piedade e de empatia. Não pude me conter e sorri um pouco.

— Talvez você esteja certa. Ainda penso demais nos outros.

Era a verdade, e isso merecia uma investigação minha mais profunda. Minhas palavras não foram só de fachada.

O abismo em seu rosto exibiu um sorriso pequeno, incerto, amargo e paradoxal, difícil de entender e decifrar.

— Talvez seja. E... Flamel...

Ela agarrou a gola da minha camisa e me puxou para perto de si, de uma forma brusca e meio violenta. Encarou-me nos olhos com uma face que não sabia se era fria, raivosa ou quente.

— Não importa o que aconteça. Viva. — Suas palavras tinham um tom de ordem. — Mostre o quão forte se tornou. Sobreviva...

O som da voz dela se fez mais amenos e fraco. Instantaneamente meu coração se apertou. Antes que pudesse fazer qualquer coisa, ela se virou e tornou a andar. A forma com que andava com força, sem balançar os quadris, me fez achar que seria melhor lhe dar espaço. De longe, apenas falei:

—  Eu prometo! Vou te mostrar, Violette. Sobreviverei, e você também!

Ela parou de andar. Não se virou, e falou numa voz neutra:

— Aliás, uma lança combinaria com seu estilo.

E então os passos dela não vacilaram mais. Deixaram-me lá, sozinho. Entretanto, dessa vez eu tinha uma esperança. Mesmo que estivéssemos brigados, não sentia que estávamos tão mal assim. Ela ainda se preocupava comigo. Foi apenas um... pequeno contratempo.

Suspirei fundo, como se isso pudesse ajudar em algo a acalmar a confusão de sentimentos do coração.

No gramado, perto da praça que desembocava no prédio das aulas e da biblioteca, sentei-me escorado numa árvore. Encarei as nuvens do céu e, por tempo suficiente para perceber que elas haviam movido bastante, as nossas falas ficaram se repetindo na minha cabeça.

Percebi o quão diferente poderia ter conduzido tudo. Minhas palavras poderiam ter sido menos cortantes. Deveria ter me acalmado mais, ter dito pro meu peito que ela só queria me ajudar ao dizer que estava inseguro, que não deveria pegar fogo por causa disso...

Havia tantas opções, e escolhi uma das piores...

O tempo continuou a passar. Eventualmente, me distraí com outros pensamentos. Lembrei-me até de uma piada que uma vez ouvi sobre relacionamentos. Uma piada que, se contasse para a Violette, talvez a fizesse rir e eu ouviria aquela voz deliciosa. Uma piada que, sozinho, não era tão engraçada assim...

Na verdade, qualquer coisa era melhor com ela do lado. Senti-me estranho ao imaginar como seriam meus dias se não a tivesse mais. Ela me instigava tanto, me fazia ficar envergonhado, emocionado, orgulhoso, complexo, complicado... Era como se a vida fosse um dia ensolarado, e ela, como uma brisa, me refrescava por inteiro, me fazia senti r leve e feliz. Mas, sem ela...

Assim como cada um da equipe, a minha brisa de vento refrescante, chamada Violette, me deixou sozinho, contra o Sol escaldante da vida. Sozinho, por conta própria...

Relembrando as palavras dela, encarei minha própria mão. Será que eu deveria mesmo me importar mais comigo mesmo? O que ela quis dizer que as pessoas não são como imagino?

Sozinho...

No fim, a equipe não durou mais de uma hora. Cada um foi resolver seus próprios problemas. Alguns nem tentaram dar uma desculpa convincente. Só... abandonaram. Eu estava entusiasmado para ajudar um grupo desses a treinar?

Talvez eu não pudesse contar com mais ninguém. Até para me proteger. Era possível que encontrasse um monstro enquanto estivesse em equipe, mas o que me garantiria que nenhum me caçaria justo no momento em que eu ficasse isolado?

Preciso ter mais força. Só ter motivação e determinação para se viver melhor não basta. Preciso ter coragem e atitude. Preciso viver a minha própria vida. Não protegerei minha vida pensando na dos outros...

Olhando para o Sol que não tardaria a se pôr, comecei a planejar o que eu faria naquele dia, como usaria meu tempo, talvez tentando só manter a cabeça ocupada.

A realidade era que eu tinha pouco tempo para aprender algo poderoso. Enquanto eu andava com a equipe agora há pouco, eles me contaram que a missão começa meio-dia. Não dava tempo para dominar uma runa muito complexa. Até poderia aprender bem, mas, em um combate, se ela não tiver dominada e falhar em um instante crítico, poderei morrer...

Cocei a cabeça, insatisfeito. O que eu deveria fazer nesse meio-tempo? Preparar algumas poções para a equipe? Na última semana, estudei mais sobre a alquimia, revi alguns catalisadores, algumas combinações elementais. Seria muito melhor para a eficiência do grupo do que se eu focasse em aprender um só feitiço. Mas...

Não faria isso. Era a minha vida em risco, ainda mais que as dele. Preciso ficar mais forte o tanto que puder.

Ficar mais forte... Foi então que me lembrei da lança que a Violette me recomendou. Será que valeria a pena experimentá-la?

Havia tantas armas de combate corporal que eu já havia me perdido sobre qual escolher. Porém, como disse um gato peculiar uma vez, para quem está perdido, qualquer caminho serve. Se eu não gostar de lança, saberei o porquê, e isso me levará a uma arma melhor.

Só que, com meu condicionamento físico ainda incipiente, não vou aguentar ficar horas aprendendo artes marciais... O melhor seria revezar entre treinamentos de mana, de feitiços, de artes marciais etc. Só...

Em algumas aulas, os professores comentaram sobre o sistema de avaliação e sempre focaram no quão importante era a Missão da Floresta.

Até havia a Torre de Treinamento, que simulava uma realidade alternativa para treinar contra monstros de forma segura, mas essa só avaliava o desempenho individual. Enquanto magos, teremos que trabalhar em equipe, pois contra monstros poderosos e desconhecidos qualquer erro pode ser fatal, então ter diversidade de funções para equilibrar as fraquezas é essencial. A Missão da Floresta era o teste mais reconhecido para avaliar o potencial de alguém de contribuir para uma futura equipe de magos. 

Eu não tinha ideia de como foi o resultado do Flamel ano passado, já que todo ano se repete esse teste, embora com monstros e missões diferentes para cada turma. Provavelmente ele foi mal. Era minha chance de mudar meu título de “inútil” e mostrar o quanto evoluí para todos.

Porém, não importava o quanto eu refletisse, era impossível me tornar mais forte com seis horas de treino. Duas horas praticando lança só me tornaria um iniciante repleto de falhas...

Massageei o pescoço, um pouco frustrado. A verdade era que, se eu tivesse usado o tempo com a Violette para treinar, eu teria conseguido me desenvolver muito mais para esse desafio. Meus últimos dias pouco tinham contribuído para meus objetivos e conquistas desse mundo.

Encheram-me de carinho, de paz e de amor. Vivi as intensidades da Violette, me senti nas nuvens. Mas... foi só isso. Não que fosse um desperdício, foram só dois dias. Mas isso poderia ter me dado um feitiço a mais, uma técnica a mais. Eu deveria ter balanceado nosso tempo melhor, talvez até treinado juntos...

Nosso momento tão pequeno, mas também tão grande... Tão especial, mas tão pouco relevante ao que verdadeiramente preciso. Mas o que preciso, afinal?...

Olhei para minha mão de novo. A mão que tenho usado para explorar o corpo da Violette. A mão com que cravei a adaga na parede do quarto, que torrei os olhos do monstro que deceparia a Aithne, que eletrocutei a besta diante de mim na floresta. Essa mão que nunca foi capaz de frear a violência do Cyle. Essa mão que segurou a da Violette e criou o nosso calor...

Apesar disso, no fundo não me arrependia. Preferiria morrer tendo visto essas cores que a vida pode me trazer, tendo vivido o amor, do que sobreviver num mundo frio e egoísta por mais anos.

Mas agora era hora de ser mais individualista e de usar essas mãos para fins mais úteis.

Era quatro horas da tarde. Ainda tinha tempo para me preparar em algo para o dia seguinte. Antes feito que o perfeito, afinal.

Estiquei os braços para cima e sorri. Meus primeiros passos seriam pegar o Livro no quarto, pegar uma das lanças de treino da Academia emprestada e me reunir atrás do dormitório, onde era meu cantinho especial.

Meu cantinho do crescimento.



Comentários