Volume 1 – Arco 2
Capítulo 33: O Verdadeiro Melhor do Mundo
A multidão ruidosa se moveu inteira na mesma direção pelo amplo salão vermelho. Caminhavam para o lugar de onde vim: as escadarias.
Mantive um perfil baixo, misturando-me no meio da multidão, o que não foi muito difícil pela alta estatura de todos.
Escutei então algumas conversas que se desenrolavam.
— Você ouviu? — perguntou um mestre homem-lagarto com um companheiro ao lado; este um gato antropomórfico.
— Ouvi o quê? Miau. — Os bigodes do felino entregavam todos os seus sentimentos ao balançarem ao primeiro sinal de fofoca.
Cheguei mais perto dos dois, caminhando com passos lentos atrás deles. Agora era uma ótima oportunidade para saber usar furtividade, mas eu não sabia usar essa habilidade.
— Dizem que eles vão se reunir esse ano, por isso o leilão deste ano é no Abismo.
— Impossível... Miau. Os Reis Celestiais olham apenas para os próprios rabos. Eles nunca conseguiriam ficar lado a lado.
— Fale baixo. Não quer perder a cabeça por falar mal deles, não é? Há olhos e ouvidos por todos os lugares. — O homem-lagarto era bem medroso.
Senti medo que a conversa terminasse nesse ponto, mas o felino me salvou.
— Vai, conte-me mais. Miau.
— Faça silêncio então. Uma vez vi um mestre cair morto apenas por olhar um dos Reis Celestiais de maneira estranha. Ele literalmente caiu morto no chão após uma única troca de olhares.
— Deixe de inventar coisas.
— Aparentemente ocorreu um acordo entre eles. Não sei do que se trata e mais nenhuma informação, mas é certo. Vai haver uma reunião.
— Miau. Que interessante. O que nesse mundo poderia fazer aqueles seres entrarem em acordo?
— Nada me passa pela mente — a língua do homem-lagarto sibilou —, mas teremos mudanças muito em breve.
❂❂❂
Captei tudo que poderia dos dois indivíduos e logo me afastei no momento que os bigodes do felino começaram a se virar na minha direção.
Anotei tudo de relevante na minha cabeça. Havia algo de especial envolvendo o abismo.
Celine havia me informado disso. Todos os anos uma masmorra diferente era escolhida como o local do leilão dos mestres.
No leilão anterior, inclusive, havia sido a masmorra de um guia do emblema Élfico que tinha um estranho gosto por insetos.
Durante o leilão, porém, várias salas eram conectadas dimensionalmente, assim como o bar da medusa que fazia parte da masmorra da Celine.
A única coisa que Celine contou sobre o abismo é que seu líder era o mais forte entre os Reis Celestiais. Ela não me disse seu nome, raça ou título.
Falou-me para ver com meus próprios olhos. Nas suas palavras “o limiar da onipotência”. Esperava que realmente cumprisse com as expectativas, ou não.
Logo cheguei ao destino. Já havia milhares reunidos no salão. Eram tantos monstros que nem meus olhos poderiam contar.
Uma imensidão de criaturas. Por um instante apenas, senti-me de novo em Vanglória, cercado do meu gigantesco exército de monstros.
Porém foi um instante apenas.
Isso passou e eu estou aqui. Apenas mais um na multidão.
Quando cheguei ao salão, notei também uma súbita mudança no ambiente. Ele estava uma dúzia de vezes maior e havia plataformas flutuantes.
Brevemente, mestres foram subindo nessas plataformas. No total, eram cem delas, atendendo a minha suposição.
— Cem emblemas para cem mestres.
As plataformas estavam bem alto no céu, flutuando a mais de dez metros do chão. Eram todas brancas por baixo e havia cadeiras visivelmente confortáveis e mesas lotadas das guloseimas mais exóticas do mundo.
Um verdadeiro luxos para os melhores.
Com aquela entrada, que eu não poderia chamar de outra coisa além de mágica, os guias foram aparecendo um a um nas suas respectivas plataformas.
Escutei um bater de asas poderoso e um vento forte quase me jogar contra o chão. Uma energia sagrada poderosa se espalhou logo acima de mim, ressoando com a minha própria energia ainda oculta.
Um par de asas negras gloriosas sobrevoaram minha cabeça num brilho de fogo escarlate. Asas escuras tanto quanto o próprio abismo em que eu estava.
Para ter tal poder, imediatamente supus quem era o dono daquele par de asas.
O Rei Celestial da Agonia, Azazel, o Serafim Decaído.
Graças a sua resplendente aparição, o poder sagrado dentro do meu corpo se atiçou na presença dele, porém os batimentos cardíacos do coração de dragão logo acalmaram a tempestade que se formava.
Investiguei o Serafim com os olhos. Ele era simplesmente gigantesco, parecia até um pequeno gigante.
Apesar de ter apenas um único par de asas negras, as dele já tinham mais do que o dobro do tamanho das daquela anjo com que havia encontrado na sala branca vazia.
Além de tudo, o corpo dele era rodeado de um brilho flamejante intenso que impossibilitava qualquer tentativa de ver sua aparência.
Numa outra plataforma um pouco distante, minha atenção foi atraída por sons de impacto poderosos. Como se o espaço rachasse, um portal vermelho, recheado de raios e nuvens de trovão cor de sangue, surgiu.
Dele começou a sair duas mãos que agarraram as pontas do portal, como se estivesse se forçando para fora, tentando escapar da boca de um monstro.
As mãos possuíam garras afiadas de cor negra e os punhos pareciam revestidos de um exoesqueleto negro.
Logo o corpo começou a sair do portal, uma perna de cada vez. Era um jovem saído do portal.
Tinha cabelo negro curto penteado para frente, um par de chifres brancos que partiam detrás da orelhas de ambos os lados da cabeça e se curvavam para cima na altura dos olhos. Olhos estes vermelhos e com finas pupilas douradas.
Nas costas, havia uma longa e fina cauda que balançava freneticamente de um lado ao outro. Era parecido, mas ainda diferente da minha. Ele usava um terno branco elegante com uma gravata preta. A sua pele era vermelha como as nuvens de tempestade do portal.
O Rei Celestial da Desordem, Baal, o Grande Príncipe do Inferno.
Hoje era realmente o dia de ver os monstros mais aterrorizantes do mundo, pois logo senti aquele terror intrínseco me assolar de novo.
Diferente dos outros dois, ele escalou uma escadaria negra, construída de energia negra e morcegos, silenciosa e calmamente, arrepiando a espinha de qualquer um que olhasse-o.
Os morcegos da escadaria pareciam chiar sofrendo em uma dor mortal.
O Rei Celestial do Medo, Amadeus, o Vampiro Primordial.
Depois dessas três grandes aparições, o ambiente se acalmou um pouco. Alguns mestres tentavam fazer entradas gloriosas, porém nada se comparava àqueles três.
Procurei Celine com olhos, mas não a encontrava em lugar algum. Sete das cem plataformas estavam vazias.
Dum instante ao outro, senti o meu corpo pesar, como se a gravidade dobrasse. Minha respiração prendeu e meus instintos se afiaram.
Eu estava no meio da floresta, um pequeno mamífero comendo da grama e das frutas que caíram das árvores.
Olhos piscando, orelhas afastando insetos e uma sensação de terror iminente, porém inevitável.
Havia um predador atrás de mim e eu precisava profundamente fugir, senão morreria indefeso.
E não era somente eu.
Olhando para os arredores, percebi que todos olhavam uma mesma direção, engoliam seco, suor escorria do rosto e as bocas tremulavam; eles olhavam para cima.
Guardas extremamente altas, como se realmente estivessem num campo de batalha, lutando por suas vidas e então...!
Rá-Tim-Bum! Rá-Tim-Bum! Rá-Tim-Bum!
Rá-Tim-Bum!
Do céu, ressoaram os tambores do apocalipse.
Eles soavam num estrondo potente que poderia partir os céus e eu fiquei boquiaberto quando aconteceu.
Nuvens negras cobriram toda a escuridão infinita que havia acima. Rodopiaram com raios e trovões. Todo o mundo parecia rachar com o poder daqueles raios.
E as nuvens rodaram no céu. Rápido e mais rápido! Criando um vórtice para cima, aliviando o peso da gravidade e puxando o ar. Dentre os raios e os trovões, barbatanas azuis e cheias de cicatrizes surgiram de cabeça para baixo. Eram como os dentes do monstro.
Cristal tremeu, enfiando-se no meio das minhas pernas e eu não poderia apaziguar o seu medo, pois eu mesmo tremia com pesar no coração.
No momento crítico do seu embalo de pé proporções bíblicas, o momento auge daquela força que surgiu nos céus para varrer o mundo, um feixe de luz o cortou e iluminou o salão enegrecido pela tempestade.
Os trovões passaram a soar como os gritos de dor da criatura e aos poucos o vórtice foi sucumbindo perante a luz que passava por ele.
As nuvens foram perdendo a ameaçadora cor e formando um tranquilo círculo ao redor do brilho.
Brilho este da cor do mais puro ouro, dourado como se fosse as lágrimas de Deus. Calmamente, a luz foi deixando clara a imagem de uma escadaria dourada que descia dos céus até a maior das plataformas no centro de todas as outras.
Meus olhos acompanharam tudo. Cada milésimo de segundo daquela aparição estava gravada na minha alma.
Os Reis Celestiais moveram suas plataformas para o centro, ficando lado a lado. E então olharam para cima.
Finalmente, ele surgiu no ponto mais alto, no topo, acima de qualquer outro e abaixo de ninguém. Com a luz dourada caindo sobre o corpo, ele caminhou.
Sua presença calou todos os sons. Os únicos que ousavam se mexer eram os Reis Celestiais. Eles se ajoelharam na base das escadas.
O ser surgido começou a descer lentamente.
O peito desnudo, a pele vermelha, com tatuagens negras que se entrelaçavam como as raízes de uma sólida árvore.
Ele não era a maior das criaturas, possuía pouco mais de dois metros, porém, ao longe, parecia tão imenso quanto uma montanha.
Como uma ilusão de ótica, seu único rosto as vezes tornava-se mais três, os olhos completamente dourados, com finas pupilas, e um pingente dourado na testa. Seu rosto era anormalmente humano, causando-me até surpresa.
Um leve tecido flutuava atrás do seu pescoço, caindo sob os ombros, quase como se tentasse tocar a pele, no entanto não pudesse tocá-la.
Observando um pouco mais de perto conforme ele descia, descobrir se tratar na verdade de chamas vivas que tremulavam com seu comando.
E, por fim, vi os três gigantescos pares de braços. A capacidade de agarrar o mundo e o destruir com puro poder bruto pousavam naqueles membros.
Nas costas, carregava um arco de madeira e uma espada de ferro posava do lado da cintura. Suas pernas eram decoradas com argolas dois pares de argolas douradas de cada lado.
Um monstro acima dos deuses.
Um Ashura.
Quando Celine me disse que eu saberia quem era o último Rei Celestial quando o visse, ela não estava exagerando.
Ele era realmente...
— O Verdadeiro Melhor do Mundo...
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