O Mestre da Masmorra Brasileira

Autor(a): Eduardo Goétia


Volume 1 – Arco 2

Capítulo 32: O Hobgoblin no Comando (2)

Continuei correndo até sair da floresta e voltar a ver o laguinho. Se eu pudesse colocar em uma lista as coisas que eu tinha medo, em primeiro estaria o mestre, em segundo estaria a morte, e em terceiro estaria a Anna.

Conseguia lidar com quase todos os servos da masmorra. Desde o mais arrogante, até o mais subserviente, porém Anna era um caso complicado.

A meia-orc andava por onde queria e fazia o que queria. Nunca atrapalhou ninguém, nunca fez nada que lhe pudesse trazer desconfiança; ela era simplesmente uma pedra no meu sapato — principalmente quando se tratava da sua irmã.

Urf... — Não pude deixar de suspirar.

Reergui a cabeça e voltei à minha caminhada, recuperando um pouco do fôlego perdido. Logo, vi uma pequena equipe se aproximar.

Na frente do grupo estava o pequeno duende correndo apressado com suas pequeninas pernas.

— Senhor Gleen, este duende trouxe reforço! O senhor encontrou a senhorita Anna?

Sorri levemente e passei pelo duende, passando uma mão no seu ombro.

Obedecendo minhas ordens, ele trouxe um grande grupo. Havia alguns goblins caçadores, o soldado de ossos, meia dúzia de goblins elite e o gigantesco ogro.

— Encontrei eles. Podem retornar as suas funções — alertei e dei novas instruções para eles. — Ogro, você continua comigo.

Ele concordou com a cabeça e ficou logo atrás de mim. Os goblins saíram para suas funções e o esqueleto também, mas não antes de me cumprimentar abaixando a cabeça estranhamente; depois ele também partiu.

— O duende gostaria de saber o que aconteceu na floresta.

— O que aconteceu? — Lembrei-me do coelho, daquela aura sombria e do poder destrutivo. — O mestre ganhou uma nova força poderosa.

O duende fez uma expressão confusa, mas pareceu não se importar com os detalhes. 

— Senhor Gleen, o duende avisa que o senhor precisa ir até o segundo andar. Aparentemente ocorreu um “incidente”.

Hm. Então outro acha que pode mandar. Vamos lá. 

O “incidente” era como um código. Alguém estava tramando alguma confusão para assumir o controle que o mestre me deu.

Alguns goblins recém evoluídos começavam a ter esse tipo de ideia na cabeça.

Por que eu deveria escutar o que aquele goblin fracote tem a dizer? 

Pensamentos idiotas, obviamente. Contudo eu precisava demonstrar que eu ainda tinha poder. 

O mestre contou que futuramente eu não teria de me preocupar tanto com isso. Seríamos mais organizados e todos os tipos de força seriam levados a sério.

Porém eu não poderia me permitir ser derrotado. Eu era um simples Hobgoblin e logo outros servos surgiriam. Pessoas mais inteligentes e fortes do que eu. Acabarei perdendo meu lugar com isso.

Por conta disso, eu jamais poderia fracassar em manter meu cargo de comando. Claro, desejo o crescimento do mestre e da masmorra com todo o meu ser, mas ainda quero estar ao lado dele até o fim.

Pode ser em um cargo menor, longe de ser seu braço direito, mas ainda próximo a ele. Desejo vê-lo sentado no topo, acima de qualquer outro e abaixo de ninguém.

Ficava boquiaberto e com olhos brilhantes apenas de imaginar...

Logo alcançamos o objetivo. Uma grande multidão se encontrava em uma espécie de praça que se formou no meio do vilarejo goblin.

Havia mais de cem cabeças reunidas no lugar. Alguns rostos nervosos, outros curiosos e também havia aqueles olhares que, assim que cheguei, viraram-se para mim com um certo sentimento de satisfação.

Olhos de urubus, carniceiros — não querendo ofender meu até que colega ghoul, o Orates — mas eles claramente desejavam me devorar, porém não tinham a coragem ou força para isso, então se contentavam em observar, aguardar e ficar com os restos.

Eu odeio esse tipo de gente.

— Ogro, tome controle da situação.

Assim que falei, o gigante ogro bateu com os pés no chão. A garganta se inflou com veias aparentes e ele soltou um poderoso grito de guerra.

Árvores chegaram a tremer ao longe. Dúzias de goblins jogaram-se ao chão, com mãos colocadas aos ouvidos e com suas bundas trêmulas.

Terminado de chamar a atenção de todos, coloquei-me à frente, colocando a cara a tapa.

— Qual a razão dessa aglomeração? Espero que tenha uma boa razão, senão terei que mandar a todos que trabalhem dobrado hoje.

Silêncio. Rondei os olhos na multidão, expressão séria, olhares rápidos de olhos em olhos, que logo se desviavam ao encontrar-se com os meus. Porém, em um instante, vi o problema.

Ele estava no meio deles. O único que não desviou os olhos quando o olhei e era óbvio que havia evoluído. Era mais alto que eu, esguio, com porte atlético, mas ainda possuía o rosto feioso de um goblin.

Contudo estava quieto. Trocava olhares rápidos entre mim e o ogro e rangia os dentes.

Medo dele, né? 

Era ultrajante ter um covarde tentando assumir meu posto. Quase como um tapa na minha cara. Isto não ficaria assim.

— Soube que um de vocês deseja ter o meu posto, não é? — Comecei a caminhar, indo na direção da multidão. — Alguém se acha capaz de mandar em tudo, acha que é capaz de seguir cada uma das ordens do mestre e estar no comando? Eu sou o hobgoblin no comando e até que apareça alguém melhor que eu, continuarei sendo.

Olhei diretamente para o sujeito. Ele estalou a língua e cuspiu no chão.

— Então, quem é que se acha melhor que eu? Vamos, covarde! — provoquei enquanto circulava um grupo aleatório de goblins assustados.

— O covarde aqui é você! — Ele se levantou, apertando os punhos e fazendo subir poeira. — Se escondendo atrás daquele grandalhão ali. Me enfrente sozinho e vou mostrar quem é o melhor aqui.

— Urgh! — expressei meu desgosto. — Ogro, não interfira na luta, entendeu? Sente-se bem aí.

O ogro deu um pulo e sentou-se pernas cruzadas no chão e de cabeça baixa.

— Era isso que você queria, não é? Ele não vai se meter. Se você ganhar, eu mesmo me mato e você se entende com o mestre. Pode dizer para ele que eu sou um fracassado, um lixo e assuma meu lugar.

— E se você ganhar?

— Nada. Você continua com sua vidinha medíocre.

Os cantos dos lábios dele subiram em um pequeno sorriso.

— Nós somos goblins e já estamos cansados — começou a falar enquanto vinha em minha direção. — Cansei de ter de pedir permissão, cansei de sair para caçar e ter que obedecer a você. Eu sou mais forte e eu deveria mandar. Comigo no comando as coisas serão diferentes...

— Cale a boca e vamos logo, goblin! — Joguei os panos velhos que usava de blusa na terra e estalei meu pescoço enquanto dava pulinhos no chão de terra. 

Ele expressou raiva no seu rosto. Deu outra larga cuspida no chão e correu na minha direção. Não definimos regras, mas eu estava de mãos vazias e ele também, então aquilo era uma briga de mãos limpas.

Uma vozinha tocava na minha cabeça e a frase: “briga de rua” parecia ressoar.

Uma briga de rua.

Então ele correu e eu também. Meus pés descalços, sentiram a terra voar e nós dois nós chocamos palma a palma em um conflito de força.

Levantei a cabeça e nossos olhos se encontram. Os meus cheios de ódio e os dele confusos.

— Achou que eu ficava o dia inteiro sentado mandando, não é? — zombei dele.

Toda a noite, durante pelo menos duas horas, eu treinava até cansar; até cair no chão suando litros. Havia um limite; sim, mas eu alcancei ele por meio de esforço.

[Estatísticas]

Força: 19/19 | Velocidade 12/18 | Vigor 10/19

Destreza: 10/21 | Inteligência 15/26 | Mana 14/22

Vendo que nosso poder bruto, estava páreo a páreo, ele tentou se soltar. Puxou suas mãos para trás, mas eu? O deixaria partir? Jamais! Não sem uma boa troca de golpes.

Quando tentou se desenroscar de mim, segurei firmemente ambos os seus punhos com meus dedos. Usei o seu peso de apoio e joguei-o de lado.

Nós dois caímos na terra e nos enroscamos no chão sujo. Começamos um troca massiva de golpes.

Ele estava por baixo e eu por cima, direcionando soco após soco na suas costelas enquanto ele devolvia empurrões, golpes desconexos e socos e arranhões na minha face.

Eu, entretanto, apenas socava um mesmo ponto entre suas costelas; vários e vários socos. Um seguido do outro até que escutei um estalo.

— ARGH! — O berro de dor soou como música nos meus ouvidos.

Ele me empurrou com um chute e uma cotovelada para trás e eu cuspi um pouco de sangue. Arrastou-se então para trás e ficou de pé com dificuldade.

— Eu quebrei. Se você não se tratar logo, vai morrer de hemorragia — disse enquanto limpava com o punho o sangue que escorria do meu nariz.

Seus olhos me encararam, a respiração pesada, a boca entreaberta soltando golpe após golpe de ar para dentro e para fora, muitos deles recheados de sangue.

— Não vou me repetir. Ou você se rende, ou morre.

— Droga, seu merdinha. Eu... eu que deveria!  

O goblin arrancou veloz em minha direção, provavelmente usando uma habilidade ativa, e eu outra vez, recebi-o diretamente.

Meus braços tremeram com o impacto poderoso e precisei dar passos para trás, mas eu segurei firmemente os seus punhos mais uma outra vez.

— Desiste de uma vez.

— Não!

Tentou, assim como no começo do combate, soltar-se dos meus punhos. Desta vez, deixei que partisse. Enquanto ele deu dois passos para trás, arremessei meus punhos para frente.

Claramente ele me devolveu golpes também, mas no tempo de um ataque dele, eu lhe presenteava com outros dois.

— Desiste, desiste, desiste, desiste logo!

— Senhor Gleen! — Um grito me tirou do transe. Era o pequeno duende. — Ele já desistiu.

Finalmente tive uma visão do goblin. Meus punhos vermelhos de sangue, e ele todo ensanguentado, chorando e sem alguns dentes, suplicando:

— P-por... f-favor... eu desisto... eu desisto.

Imediatamente soltei meu aperto do pescoço dele. Dei dois passos para trás boquiaberto.

Eu perdi o controle...

Uma dor de cabeça tremenda assaltou minha cabeça. Como flash, o espaço ao redor se modificava. Ficava viajando entre o real e outra coisa.

Era um beco escuro entre dois prédios, o goblin se tornava um moleque qualquer que estava no mesmo estado, chorando e sangrando. Meus punhos agora sem garras e de uma cor diferente ainda sangravam.

Sangue lavando sangue.

Balancei a cabeça de um lado para o outro e a ilusão desapareceu.

Eu tomei porradas demais na cabeça.

Tomando controle do meu corpo, me acalmei. Primeiro agradeci o duende por não me deixar passar do limite, logo retomei meu cetro de madeira e fiquei no centro de todos.

— Vocês acham que é somente com a força que se comanda? Como podem ver, a força é capaz disso aí. 

Apontei na direção do goblin que ainda se tremia inteiro na terra.

— Para assumir meu papel, vocês precisam de responsabilidade, precisam ter a consciência de quem em suas mãos há vidas. A força é importante, mas não é tudo. E, somente, quando um de vocês entender isso, e, somente, quando isso ocorrer, é que, afinal, alguém vai assumir minha posição. Enquanto isso não acontecer, e enquanto o mestre não ordenar, quero deixar bem claro que quem está no comando sou eu, Gleen! Eu sou o Hobgoblin no Comando! 

Por um instante, tudo parou. As dezenas de olhares rondaram entre mim e o choroso goblin no chão. Nem um som foi feito.

Silêncio... apenas um silêncio sem fim.

❂❂❂

— Argh! — exclamei enquanto limpava meu punho ensanguentado. — Droga. Eu não posso perder o controle desse jeito de novo.

A visão do goblin no chão ainda voltava na minha mente. O seu corpo sujo de vermelho e os seus olhos cheios de medo. Além disso, também havia aquela imagem.

O beco escuro, o céu noturno, as nuvens de chuva naquela paisagem que poderia descrever apenas como o pesadelo de uma criança.  

De repente, escutei um som por detrás. 

— Argh...! Argh...! — Eram ossos batendo.

— Aaron, o que deseja? — Ainda estava virado, concentrado na minha tarefa.

— C-cris... Cristal... 

— Cristal? — Eu me virei de imediato. — O que tem a Cristal? Tome esse papel; sei que você está aprendendo ainda, mas é melhor que nada.

O soldado de ossos agarrou o papel e, com um pedaço de carvão, ele escreveu com letras enormes.

CRISTAL SOZINHA FERIDA SEM MESTRE!!!!!!!!

Desesperadamente ele batia no pedaço de papel. 

Eu fiquei paralisado. Lembrei-me daquela sensação ruim que tive ao amanhecer. Aquele sentimento dentro do meu peito de que havia algo de errado.

— Algo aconteceu com o mestre... Onde está Cristal?!

Eu e ele saímos correndo. 



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