O Mestre da Masmorra Brasileira

Autor(a): Eduardo Goétia


Volume 1 – Arco 2

Capítulo 34: O Mestre entre os Mestres

Logo a aura pesada causada pela aparição, digamos espalhafatosa, do mestre ashura cessou e o salão se acalmou. Muitos mestres começaram a conversar e o clima ficou mais leve. Ainda assim, continuei observando o que acontecia acima. E não era somente eu.

Primeiro os outros Reis Celestiais foram ao encontro do último. De longe, não conseguia escutar nada do que diziam, mesmo com minhas estatísticas aprimoradas.

A cena que se desenrolou foi simples e até um pouco esquisita. Eles chegaram perto do Ashura. Primeiro foi Baal que literalmente foi erguido e abraçado pelo anfitrião.

Em seguida, ele tentou dar um aperto de mãos em Azazel, mas este o ignorou por completo. Por último, ele tentou dar outro abraço em Amadeus, mas o rosto de ódio do vampiro frustrou suas expectativas.

— O que está acontecendo ali? 

Não consegui observar mais, pois a multidão se concentrava mais e mais. Eu queria ver o desenrolar das coisas, porém era empurrada para longe por criaturas de muito mais força.

Pude apenas abaixar a cabeça e me distanciar. 

— Cristal, vamos desistir. 

Após mais uma dúzia de tentativas, me rendi e aceitei. Tomei distância da concentração de pessoas. Aquilo apenas provava que eles estavam distantes demais — em todos os sentidos da coisa.

Brevemente, esperei no salão até que a apresentação começasse. Minutos depois, uma mudança ocorreu.

Lá em cima, todas as plataformas brancas se fundiram, criando uma espécie de área privada. Energias de luz douradas criaram escadas até a parte debaixo do salão.

Um a um os mestres acima foram convidando alguns outros para participarem. Cerca de dois ou três por cabeça.

Eu não tinha nenhuma expectativa de ser escolhido. Ter contatos parecia ser extremamente importante até nesse mundo. Até mesmo o vampiro primordial chamou sua serva e o elfo arrogante para subirem.

Quando estava para perder qualquer mísera esperança de ser chamado, escutei uma voz: 

— Esse é o talento que você disse ter encontrado, mestra? Esse sujeitinho maltrapilho? Baixinho desse jeito?

Não reconheci essa voz, mas a que veio em seguida sim.

— Ele tem talento. Você vai ver e ele também tem um lobo branco, assim como você. Agora deixe de ser chata e o cumprimente.

Virei-me e dei de cara com dois rostos. Um eu reconhecia e o outro nem tanto. Celine era uma delas e a outra uma jovem com não mais de 19 anos.

Era como uma versão mais nova de Celine, até mesmo o corte de cabelo com as duas mechas trançadas caindo de lado na cabeça. Seu corpo era menor, menos desenvolvido, mas ela ainda tinha um bom carisma.

Sua aura não era tão poderosa. Parecia a de um gato irritado se comparado ao tigre no topo da montanha que era a aura de Celine. Batia com o pé no chão e o rabo felpudo vermelho balançava bravamente de um lado ao outro, enquanto me lançava um olhar julgador.

Seus olhos subiam e desciam em direção ao meu corpo. E, o principal, ela era bem mais alta que eu.

Todos nesse mundo são gigantescos? 

Decidi continuar ignorando isso, pelo menos por agora.

— Quem você chamou de tampinha?

— Urgh! Você só pode levar duas pessoas contigo e quer ele? Logo ele? Uma quimera — insistiu ela.

— Alina, você está me contrariando?

— Não..  quer dizer. — Celine lhe encarou irritada e a garota abaixou as orelhas. — Desculpa.

Terminado a discussão, Celine se aproximou.

— Mestre Kayn, gostaria te convidá-lo a nos acompanhar. Você quer conhecer os peixes grandes, não? — disse ela, dando uma piscadinha.

Eu pensei por um instante. Era perigoso, ainda mais com meu objetivo de manter um perfil baixo para não ter problemas. Porém ainda era uma oportunidade que eu não poderia perder.

— Adoraria. 

Ela assentiu e uma escada surgiu na nossa frente. A garota ainda me encarava com raiva e com os braços cruzadas. Somente agora notei que havia um lobo branco junto dela.

Cristal e o povo ficaram lado a lado. Notei que ela era um pouco maior que o lobo da Alina. Quase quis debochar disso, mas fiquei calado pela expressão de raiva da jovem.

Assim, alcançamos a enorme plataforma. O que se seguiu foi uma série de cumprimentos. Celine tomou a dianteira, conversou com alguns mestres, nos apresentou rapidamente e continuou.

Muitos se aproximavam apenas para falar com ela e nem mesmo dava um mínimo de atenção para conosco. O que eu achava ótimo, apesar de ficar um tanto irritado.

Alina também não parecia se importar.

Após mais algum tempo, as luzes do salão voltaram-se para o Ashura. 

Ele estava em cima de outra plataforma que se soltou e voou. Logo atrás dele, estavam os três reis celestiais ordenados por Azazel, Amadeus e Baal. Um clima distante pairava entre eles.

— Mestres, eu sou o anfitrião desse leilão. A maioria me conhece, mas aqueles que ainda não saibe meu nome, deixe-me me apresentar. Eu sou Asuras Azaias, o último Ashura. Vocês também podem me conhecer por outro nome. O Rei Celestial da Guerra, Azaias, o Ashura de Sangue.

Quando ele declarou seu nome, todos os pelos do meu corpo se arrepiaram. Na minha visão, ele era grandioso. Com os braços abertos, parecia invencível.

— No último ano que passou, viajei por todo o mundo e pessoalmente visitei os Reis Celestiais. Tive conflitos e discordâncias difíceis. Todos que são próximos de mim, sabem do meu ódio pelos autoproclamados “deuses”. Eles regem o certo e o errado e controlam todos com religiões pagãs ridículas. Como mestre da masmorra e seguidor do grande criador, eu me nego a aceitar isso. 

 Ele bateu com força no próprio peito. O impacto tremendo reverberou pelo salão com ondas de choque brutais. 

— Há somente um verdadeiro Deus, o criador. Todos esses milênios somos colocados abaixo das calamidades, imperadores e deuses, porém isso há de acabar. Cinco dos sete Reis Celestiais concordaram e...

De repente, o tempo parou. Eu conseguia escutar minha própria respiração e os meus batimentos cardíacos. Um tambor rítmico e poderoso. 

Rapidamente busquei saber se era a mente serena tentando tomar controle outra vez, mas não. Aquilo não era somente comigo. Todos no salão estavam mudos.

Estávamos vendo algo naquele instante. Eu estava presenciando a história. Estava vendo o surgimento de uma nova era.

— ... estou neste momento assumindo o papel de liderança. Nossa instituição nunca teve um líder. Sempre fomos autônomos, mas isto chegou ao fim. A partir deste momento, eu sou o Mestre entre os Mestres e aqueles de vocês que discordarem pagarão com suas vidas. Hoje, eu lhes trago a mudança!

Naquele dia, Azaias, o Ashura de Sangue, tornou-se o Rei dos Mestres. 

Eu odeio Reis...

❂❂❂

Depois do discurso, uma onda de aplausos reverberou. Muitos pareciam surpresos e até grande parte não aceitava o que ocorria, porém ele sozinho já era absoluto; com apoio ainda por cima, ele simplesmente era brutal.

Celine bateu palmas leves e tinha um rosto sereno. Provavelmente já sabia de tudo o que ocorreria. Por isso ela me chamou aqui? Ela queria que eu visse isso? Por quê?

Eu não gostava da ideia de ser ordenado por aquele homem a entrar em uma guerra que não era minha. Além disso, eles eram quatro reis celestiais, quem era o quinto?

Quem era o quinto rei que concordou com isso?

— Mestra — falou Alina, tirando-me dos meus pensamentos e atraindo meu olhar para Celine — ele não vai se incomodar por você não o ter acompanhado?

— Não. Ele gosta de mim e eu não suporto ser o centro das atenção como aquele fanfarrão. Entretanto acho que vou fazer o ar da graça de aparecer.

Como em um passe de mágica, uma engrenagem se encaixou na minha cabeça. 

As pernas de Celine dobraram de tamanho quando ela se agachou. E então, com um impacto poderoso, ela saltou como um míssil na direção da plataforma acima da nossa.

— Ei, garota.

— Garota? — Alina se virou pra mim irritada. — Não me chame de garota, tampinha. O que quer?

— A Celine... Quem ela é?

Alina riu de mim.

— Você está andando para cima e para baixo com ela o dia inteiro e não sabe? Pois deixe-me apresentar minha mestra. A única mulher entre os Reis Celestiais, a Rainha Celestial das Bestas, Cecília Mael, a Fenrir Vermelha. E não a chame de Celine, só eu posso chamar a mestra assim. Ei, você está me ouvindo, tampinha?

Eu engasguei. Poderia cuspir sangue naquele momento. Estava caminhando o dia inteiro com uma das criaturas mais poderosas da face do planeta e nem tinha conhecimento disso.

❂❂❂

[Habilidade Mente Serena subiu de Nível]

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A voz no meu ouvido gritava incessante, ao ponto da habilidade mente serena até subir de nível. Eu respirei fundo e me acalmei, mas não consegui deixar de apertar meu punho tão forte que até sangrou.

— Sim, eu ouvi muito bem.



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