O Jardim de Po Brasileira

Autor(a): Dramaboy


Volume 1

Capítulo 26: Mato-fantasma, Escuridão e Luz

Cruzamos o campo de caládios em silêncio. Manchas cor de rosa se desenhavam no verde-escuro das longas folhas que se projetavam dos arbustos a ambos lados do caminho. Minha atenção deslizava de planta em planta, analisando minuciosamente cada galho ao nosso redor. Era fácil. Me mantinha ocupado. Evitava que outros pensamentos nublassem a minha mente. 

Funcionou.

Pelo menos até emergirmos em uma planície coberta de grama cinzenta. Mato-fantasma. Estávamos nos adentrando na parte do jardim onde somente plantas de raízes poderosas e resistentes poderiam crescer. O mato-fantasma drenava toda a água e nutrientes do solo, deixando-o praticamente inabitável. Não veríamos nenhuma árvore durante boa parte do caminho que nos restava. 

Decidi dirigir minha atenção ao horizonte sem cor. Lembrei da paisagem cinzenta fora da casa onde tinha conhecido a criatura. Tentei focar na grama: lembrei dos espíritos no campo de cicuta. Levantei o rosto para o céu: a memória do dia em que conheci Amélia golpeou minhas pupilas. 

Parei.

Ali mesmo.

Rodeado de mato-fantasma.

Sozinho.

O calor dos dedos de Margareth envolveu minha mão. A encarei.

A garota levou um dedo aos lábios e sacudiu a cabeça. Não precisávamos conversar, não se eu não quisesse, mas ela continuava ali. Do meu lado. Comigo.

Nossos dedos se entrelaçaram.

Ela esboçou um sorriso, não de felicidade, mas de compreensão. Pena pendia de seus olhos.Tentei retribuir o gesto e fiz uma careta. A garota negou com a cabeça. Continuamos nossa jornada em silêncio.

***

A comida apareceu mais tarde do que de costume. O Sol já estava se pondo, derramando a cor laranja no céu sobre nossas cabeças. Batatas, arroz, frutas… Po parecia ter eliminado a carne do cardápio. Bom. Não a comeria de todas formas.

Sentamos e colocamos os pratos em nossos colos. Nossas roupas estavam grudentas devido ao suor.

— Obrigado — disse, antes de enfiar o primeiro pedaço de batata na boca.

Aquilo surpreendeu a visitante.

— Quando soube que minha irmã tinha caído vítima das febres, fiz a mesma coisa. Todos precisamos de um momento a sós com nós mesmos.

Sacudi a cabeça.

— Eu não quero ficar só. Não quero que pareça isso, ou que estou bravo com alguém…

— E não está?

Respirei fundo.

— Não. Estou com medo. Com medo e triste. Como se estivesse caindo em um poço e não tivesse onde me segurar. E toda vez que o chão parece próximo, ele some. Mas eu sei que ele existe, que vou encontrar ele em algum momento… Eu estou com a impressão de que quanto mais sei sobre o jardim, maior é a queda. E não tem ninguém para parar ela. Ou para cair comigo. Eu…

Um soluço cortou minhas palavras. O calor líquido das lágrimas escorria por minhas bochechas.Queria berrar, gritar, tirar todo aquele medo e dúvida do meu peito. Por que estava ali? O que era aquele lugar? Quem era Po? E por que, de repente, tudo parecia tão solitário?

Margareth puxou meu macacão e afundou meu rosto em seus seios. Derrubei a comida no caminho de terra batida. Meus braços aferram-se ao seu vestido. Chorei. Envolto naquele abraço, naquele gesto amoroso que não sabia que precisava… Chorei empapando a roupa da visitante. Margareth se limitou a acariciar meus cabelos e a sussurrar em meus ouvidos. Tudo daria certo, eu não estava sozinho… Tínhamos um ao outro…

Não sei durante quanto tempo solucei, nem se falei alguma outra coisa enquanto berrava contra a garota, mas sei que terminamos deitados no chão. A comida espalhada ao nosso redor, o céu escuro nos fitando… E o mato-fantasma brilhando. Um manto de luz esbranquiçada deitava sobre a planície. Belo e delicado, parecia disposto a levar luz ao mundo inteiro. A acabar com toda a escuridão.

— Quanto mais profundo for o poço no qual você cair — disse a garota, de repente— Mais forte brilharão as estrelas. 

Depois disso ficamos em silêncio. O suave brilho do mato-fantasma flutuando no ar enquanto encarávamos a escuridão da noite. Não lembro o momento em que adormeci, mas tenho certeza de que não houveram pesadelos durante o sono.



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