O Jardim de Po Brasileira

Autor(a): Dramaboy


Volume 1

Capítulo 27: Jornada, Bosque e Confronto

Aquele seria o último dia. Meses pareciam ter passado desde que iniciamos a viagem até o sul do jardim. Meus joelhos ardiam a cada passo que dávamos. O suor tinha se transformado em outra veste da qual não podíamos nos livrar.

Não estávamos acordados a muito tempo. Os raios solares ainda eram fracos. No entanto, achei melhor começarmos a andar o mais rápido possível. Aquilo impediria que encarasse a garota. Por algum motivo, vergonha borbulhava em meu interior toda vez que olhava para ela. Não queria parecer ingrato, ao contrário, mas meus olhos fugiam toda vez que se deparavam com sua figura. Por sorte, ela não demonstrou desconforto algum. Talvez sequer tivesse percebido a mudança em meu comportamento...

Seria isso mesmo possível? Levámos convivendo apenas alguns dias, mas sentia que a visitante era capaz de ver através de minha pele. Como o fizera na noite anterior... Ela me conhecia. Não era questão de tempo, mas de intensidade. Como seria voltar ao armazém sozinho? Tinha me acostumado a tê-la ao meu lado. Novamente, a solidão pulsou em meu peito. Por que todos os caminhos pareciam me levar a ela?

Mato-fantasma balançava próximo ao caminho.

— O que vai fazer depois de salvar sua irmã? — perguntei, de repente.

Não queria encará-la, mas queria estar com ela. Sua presença me causava angústia, mas temia perder essa sensação. O que estava acontecendo comigo?

Margareth meditou antes de responder.

— Acho que tentaremos unir novamente o povo. Tornar nosso reino um lar novamente.

— É uma boa ideia — murmurei sem jeito. — Um lar...

— Sim. Um lar. Como o jardim é para você.

Torci a boca. Nunca tinha parado para pensar aquilo.

— É... Acho que é mesmo meu lar...

Alguma coisa não estava certa.

Deslizei meu olhar a paisagem a nossa frente. No horizonte, uma coluna de árvores sem folhagem se desenhava contra o céu. Chegaríamos após o pôr do Sol. Logo atrás daquele pequeno bosque, o campo de mandrágoras nos esperava. Ainda faltava muito caminho...

Ou isso eu pensava.

Por algum motivo, o tempo escorreu entre a visitante e eu. Era como se não tivesse mais paciência para nos ouvir. Estava apressado para nos separar. Apenas conseguimos conversar. Enquanto comíamos o ruido de nossas bocas mastigando foi o único a flutuar no ar.

Aquele sentimento de constrangimento fervia em minhas bochechas toda vez que tentava iniciar alguma conversa. Quando não, uma saudade atroz berrava em minhas entranhas. Sentimentos estranhos. Estranhamente bons e ruins ao mesmo tempo.

Suspirei aliviado quando alcançamos as árvores banhadas em luz laranja. Teríamos algum motivo não-estranho pelo qual conversar... Por que de repente tudo era assim?

Limpei a garganta.

— Salgueiros-lutadores — expliquei, apontando para o conjunto de árvores sem folha de tronco grosso à nossa frente. — Temos que ter cuidado para não os acordar.

— O que vai acontecer caso acordem? — inquiriu a garota.

— Espero que você não descubra. Quanto da sua magia consegue usar?

— Muito pouca. A comida daqui não tem tanta energia quanto a do meu mundo. Acho que somente em caso de emergência...

— Tudo bem. Vamos rezar para não termos nenhuma emergência...

Levei o dedo aos lábios e apontei para o caminho que serpenteava entre as árvores. Era um bom trecho o que teríamos que atravessar de lá até a planície onde encontraríamos a raiz que procurávamos. Me aproximei cauteloso da entrada do bosque.

Olhei para Margareth.

Fechei os olhos.

Dei um pulo para dentro do arvoredo.

Um calafrio percorreu minha nuca.

Nada.

Abri os olhos e gesticulei para a visitante me acompanhar.

A garota estendeu a mão em minha direção. Fogo pareceu lamber minha pele quando meus dedos envolveram os dela. Aquilo me surpreendeu. Com a outra mão, a visitante dobrou o vestido aproximando-o de seus joelhos. Não podia correr o risco de fazer barulho ao arrastá-lo pelo chão.

Margareth acenou com a cabeça em minha direção, confirmando que estava pronta para continuar.

Aquilo esquentou meu rosto. Desviei a atenção da garota e me preocupei com o caminho que ainda tínhamos que percorrer.

Devagar começamos a nos adentrar entre os salgueiros-lutadores. As planícies repletas de mato-fantasma desapareceram atrás de troncos grossos repletos de arrugas. A diferença dos salgueiros do outro lado do jardim, estes pareciam secos e desgastados. Não havia rastro de água em suas cascas. Mesmo sendo salgueiros, a umidade não os acompanhava. Ao contrário, pó flutuava ao nosso redor. Um silêncio inóspito pairava pelo lugar.

Estávamos nos adentrando na zona mais perigosa do jardim. Aquele bosque, era um portal para a pior flora que cobria aquele solo. Tínhamos sorte de as mandrágoras crescerem perto dali.

A cautela empapava nossos passos.

Lentamente, as sombras dos salgueiros deitaram sobre nós. A noite estava prestes a cobrir o céu. A visitante fez um gesto com a mão: uma luz esverdeada se projetou de sua palma.

Aquilo a faria utilizar a pouca magia que tinha consigo. No entanto, era emergencial saber onde pisávamos caso não quiséssemos fazer barulho. Margareth alumiou a terra batida à minha frente. Após comprovar que não havia galhos ou pedras que pudessem causar ruido continuei a andar. Sempre atento. Cuidadoso.

Mesmo quando a penumbra engoliu o bosque continuamos nosso caminho sem fazer som. Boa parte do arvoredo tinha ficado para trás quando a silhueta emergiu a nossa frente. Era pequena, esguia...E não parecia satisfeita.

Po nos fitava, seus olhos vermelhos brilhando.

Senti minha pele enrijecer. O que estava fazendo lá? E por que aquela expressão? Os lábios fechados, as sobrancelhas arqueadas, as pupilas vazias... Era desprezo o que jogava em nossa direção?

Por algum motivo, sabia o que ia acontecer.

Devagar, sacudi a cabeça.

Ele não queria me dar resposta alguma...

Soltei Margareth e balancei os braços.

Ele não se atreveria a trapacear...

A criança me mostrou os dentes em um sorriso sem emoção.

Vazio.

Ele chutou a terra batida a sua frente.

Uma nuvem de pó se levantou. Lágrimas foram socorrer meus olhos. Cobri meu nariz com as mãos para evitar o espirro.

Ele não trapacearia, mas faria tudo o possível para dificultar meu caminho.

Pisquei diversas vezes para tirar o ardor dos olhos.

Tentei dissipar o que restava da nuvem com os braços.

No entanto...

Atchim!

A visitante não tinha conseguido cobrir o nariz a tempo.



Comentários