O Jardim de Po Brasileira

Autor(a): Dramaboy


Volume 1

Capítulo 21: Anis-Estrelado, Palavras e Temeridade

Pude sentir os dedos de Po afundando em meu pulso mais uma vez. Contive a respiração. A criança devia ter percebido aquilo. O que faríamos agora? O que Margareth seria obrigada a dar em troca?

— Está tudo bem? — perguntou a garota ao ver a expressão de espanto em meu rosto. Confusa, olhou ao nosso redor antes de insistir— Solano?

— Por que você fez isso? — murmurei.

— Já estava no chão, eu só peguei…

Fiquei em pé. Não demoraria para mais alguma coisa ocorrer. Tínhamos que sair dali o quanto antes. Mas adiantaria de alguma coisa? Levei minha outra mão ao pulso, tremendo. Margareth encarou o anis-estrelado.

— Não há frutos assim em meu mundo — disse, deslizando a ponta do dedo pelas seis pontas da fruta em forma de estrela. — Acho que você come a semente e não a polpa.

Em um gesto cuidadoso, a garota estalou uma das extremidades da fruta. Uma grande semente marrom emergiu da casca. Eu me limitei a observar imóvel. O que podia fazer? A infração já tinha ocorrido. Seria pior caso comêssemos o fruto? Alonguei o braço sobre a fogueira e segurei o pulso de Margareth.

— Você não vai querer fazer isso.

— Utilizei um feitiço quando a recolhi. Não é venenosa. 

— Não é isso que me preocupa. É proibido arrancar ou comer qualquer uma das plantas do jardim. 

— Ela já estava no chão. 

Neguei com a cabeça. Não podia permitir que um simples descuido piorasse nossa situação. Já tínhamos problemas demais. E não saberia como lidar com a planta quando nos reclamasse algo em troca após ser consumida. Mesmo assim… 

A memória de Amélia me fez duvidar. Ela tinha arrancado dois frutos e só havia consumido um deles até onde sabia. A maçã caída na grama apenas desapareceu.  Talvez se deixássemos o fruto onde Margareth o tinha encontrado, nada aconteceria.

— E o que vamos comer? — me surpreendeu ela.

Frustrado, dei de ombros. 

— Não tenho como utilizar minha magia se não me alimento. Meu corpo híbrido aguentaria, mas não meus feitiços. E você não parece contar com forças de sobra. 

— Mas então teríamos que sacrificar…

— Não comermos já é um sacrifício. 

Os olhos da garota fitaram os meus e, por um instante, todo o medo que sentia desapareceu. Tudo o que importava naquele momento era manter o brilho daqueles olhos e a magia de sua proprietária. Ela nos protegeria e tudo sairia bem. 

— Faremos isto ao mesmo tempo — explicou ela colocando a semente na palma da minha mão.

Voltei a me sentar. A luz das brasas verdes da fogueira lambia meus olhos. Encarei Margareth. Ela já tirava outra semente do fruto. Acenou com a cabeça. Meu corpo voltava a tremer. Por quê estava fazendo aquilo? Mesmo não querendo, algo me impelia a insistir no impulso que tinha encontrado nas pupilas da garota. A calidez do meu sangue contrastava com o suor frio que havia começado a escorrer de minha testa. Faria aquilo. Mesmo sabendo que não era nossa melhor opção…Por quê?

Fechei os olhos e abri a boca. Joguei a semente contra meu palato. Sua  casca lisa deslizou por minha língua.

Engoli.





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