O Jardim de Po Brasileira

Autor(a): Dramaboy


Volume 1

Capítulo 16: Solano, Po e O Jardim

Uma enorme estrutura de ferro esbranquiçado se eleva à nossa frente. Três cúpulas coroavam a estufa de rosas ao oeste do jardim. A luz da lua se desunia em um emaranhado de fios azulados ao atravessar as paredes de cristal da construção delimitando o contorno das plantas que repousavam no seu interior.

Po tinha me arrastado para lá logo após dizer que o jardim também entraria em nosso acordo. No entanto, não abriu a boca durante todo o caminho. Seria ali onde encontraria o visitante ao qual deveria ajudar? O quê exatamente ele queria dizer com aquilo do jardim formar parte de nosso acordo? Uma enorme porta de vidro polido se abriu sozinha a nossa frente. O hálito quente da estufa nos envolveu enquanto entramos no lugar. Em poucos instantes lá dentro pude notar a roupa grudando em minha pele.

A criança levantou uma mão. Um caminho de pontos luminosos desenhou-se diante de nós. Aquilo me surpreendeu. Não lembrava que a estufa tivesse iluminação própria. Tinha ido ali somente um par de vezes, mas estava seguro daquilo. Não havia como…

Encarei a fonte de luz. Pequenos cogumelos dispostos em fila emanavam poderosos halos esverdeados. Mesmo sabendo da presença daqueles fungos lá, desconhecida o fato de que eram capazes de fazer aquilo.

Segui Po pelo caminho luminoso até chegarmos a um conjunto de vasos onde roseiras cresciam. De diferentes cores e tamanhos, as flores repletas de espinhos escalavam uma coluna esbranquiçada em direção ao teto. O menino se aproximou de uma flor grande o suficiente para me servir como travesseiro. Deslizou um dedo pelas pétalas da planta antes de levá-lo à boca.

Respirou fundo.

— Tem certeza de que é isso que você quer? — disse de repente.

Engoli saliva antes de responder.

— Certeza.

A criança se agachou, seus olhos escudrinhando cada centímetro da vegetação diante de nós. Por mais medo que pudesse ter do menino, naquele momento estava decidido a aprender mais sobre o jardim. Estava decidido a obter respostas.

— Achei! — aplaudiu Po satisfeito.

O sussurro do estalar de um caule partindo-se escorreu para meus ouvidos. Olhei para Po, mas sua postura impedia com que visse o que suas mãos estavam fazendo. Outro estalar, quase um murmuro no silêncio da noite.

Estaria o menino infringindo suas próprias regras? Estaria ele…

Po se incorporou sorridente e estendeu uma rosa para mim. Era um botão pequeno, não muito maior que o meu polegar. Segurei a respiração.

— Pode pegar. Não morde, ainda — brincou.

Com cuidado envolvi o caule da flor entre meus dedos. Pequenos espinhos arranharam minhas gemas, acomodando-se em minha pele enquanto ameaçavam perfurá-la caso sustivesse a rosa com muita força. Po levantou então outra flor, de pétalas tão pequena e de pétalas tão vermelhas quanto a minha. Cheirou o botão. Deixando cair a cabeça a um lado de prazer.

— A planta com melhor cheiro de todo o jardim! — exclamou maravilhado. Ato seguido me encarou — Está pronto?

Concordei com a cabeça, mesmo sem entender exatamente o que ele queria dizer.

— Sabe o que é um compromisso Solano? — perguntou — Regras de comum acordo entre dois ou mais indivíduos que não podem ser infringidas de nenhuma forma. Caso não sejam respeitadas pelas partes envolvidas uma delas, a infratora, é castigada. Regras surgem para melhorar as relações entre as pessoas. Para tornar a vida em conjunto mais agradável. Um compromisso é só uma forma de dizer que nossa existência coletiva seja boa. Feliz. Que ambos sabemos o que temos que fazer para que tudo continue assim. — A criança aproximou a rosa dos lábios. — Eu me comprometo a responder a pergunta de Solano caso ele se comprometa a ajudar sozinho a próxima vigilante e a desistir de fazer mais perguntas caso não consiga ajudá-la. É uma promessa.

Uma pequena auréola vermelha flutuou sobre a planta.

Então Po enfiou o botão na boca e o mordeu, mastigou e engoliu.

A criança deixou o caule cair no chão.

— Sua vez — apontou.

Encarei a flor em minha mão. Lutei para não gaguejar.

— Eu me comprometo… Eu me comprometo a ajudar a próxima visitante que chegar ao jardim sem a ajuda de Po. Caso consiga ajudá-la ele vai responder minha pergunta sem mentir ou omitir nada. Mas se eu não conseguir ajudar a visitante, eu nunca mais vou fazer nenhuma pergunta sobre o jardim. É uma promessa.

Fechei os olhos e enfiei a planta na boca. O sabor adocicado da rosa deslizou por minha língua antes que a engolisse. Tossi. Mesmo assim, consegui manter o botão dentro de mim.

— Acordo feito — confirmou a criança entusiasmada — Agora é só você voltar ao armazém e descansar. A própria visitante irá buscá-lo amanhã de manhã.

Po esticou os braço sobre a cabeça e bocejou.

— Boa noite!

— Espera — o interrompi. Não podia permitir que sumisse sem antes me explicar o que tínhamos acabo de fazer — Por quê engolimos essas rosas? — apontei para o caule ainda em minha mão.

— Porque fizemos um acordo — explicou ele.

— Tá, mas por quê precisamos das flores? — insisti.

— Para ter certeza.

— De que?

— De que ambas partes vão cumprir o acordo.

Sabia que não queria ouvir a resposta do que viria a resposta do que viria a seguir, mas precisava perguntar.

— O que acontece se um de nós não cumprir o prometido. Se você ou eu quebrarmos o acordo…

— Ah… Não importa. Você não vai fazer isso.

— Mas…

O sorriso em seu rosto deu passo a aborrecimento.

— Você não vai fazer isso — me interrompeu.

Em um abrir e piscar de olhos, a criança desapareceu. Os cogumelos deixaram de brilhar. E eu fiquei ali.

Sozinho.

Parado.

Envolto pela escuridão.

E de repente, podia jurar que alguma coisa tinha começado a se mover em minha barriga.



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