Volume 1
Capítulo 2: A Rotina
— Valentim? — chamou Symon.
O ruivo sabia que haviam chamado seu nome, mas ignorou. Suas mãos, que estavam nos bolsos, estavam praticamente pingando de suor. Depois de ser chamado uma segunda vez, cedeu. Piscou os olhos e virou-se para Symon.
— Estou captando vários símbolos no local — continuou Symon, enquanto um pequeno quadrado brilhando em cinza contornava sua mão. — Poderia me dizer quais são?
Valentim desenhou um quadrado cortado por vários riscos e enfiou a mão na entrada da forma desenhada. Seus olhos se tornaram vinho e ele parecia ter a visão distante.
— Kathari Alitheia, Siopi, Apodynamono, Kinisi, Thanatos e... Grafo — disse, e seus olhos voltaram ao normal e o símbolo desaparecera. — Os cinco primeiros foram utilizados em um curto período de tempo, já o último... foi feito cerca de dez a vinte segundos depois do Thanatos.
Valentim não mentiu, de fato o símbolo de escrita foi utilizado no tempo citado, mas travou no meio da fala porque ele ainda estava ali, mesmo trinta, quarenta segundos depois de assassinar o homem.
Ele tinha duas ideias: ou o símbolo foi feito enquanto ele ainda estava ali, ou alguém muito habilidoso mudara o tempo do Grafo. Considerando que a pessoa foi habilidosa o suficiente para encontrá-lo, a segunda opção seria a mais plausível.
— Kathari Alitheia... o nome não me parece estranho — comentou Clinton.
— É um símbolo proibido, que nem Thanatos — disse Symon. — Aquele que for afetado por ele é incapaz de mentir.
Clinton colocou a mão no queixo e começou a discursar:
— Primeiro, a vítima foi atingida pelo Kathari, e então o assassino limitou o som do local com Siopi para não alertar a vizinhança... — disse ele, ajeitando os óculos. — Apodynamono provavelmente foi a resistência da vítima, que foi redirecionada com Kinisi. O resto vocês já sabem...
— Muito bem observado, Clinton — disse Symon, agachando-se próximo à vítima. — Não é muito diferente dos casos anteriores. Me deem alguns segundos, vou checar quem era.
— Qual sua opinião sobre a escrita, senhor? — perguntou Clinton à Valentim. — Vejo que está bem focado...
— Ah. — Valentim novamente virou-se para o muro. — Não dá pra saber exatamente. Não houve nenhuma mensagem como essa nos outros casos.
Clinton encarou-o com o rosto amarrado.
— Mas, se eu fosse de fato opinar… — Valentim sorriu. — Diria que foi uma mensagem do assassino à suas vítimas. “Nos veremos em breve”... significa que ele irá falecer em pouco tempo.
— É o que eu também pensei — assentiu Clinton. — Pode ter várias respostas, mas essa deve ser a mais plausível.
Um vento gelado passou, fazendo Clinton encolher os ombros.
— Acabei — disse Symon, pegando um caderninho e uma caneta enquanto se levantava. — Vejamos... Seu nome é Louis Wacotta, cinquenta e dois anos. Trabalhava no Departamento de Relíquias e Itens Encantados do Governo Simbolista.
A testa de Symon enrugou-se.
— E só. — Symon guardou seu caderno de volta ao bolso. — É um saco o fato de as pessoas do Governo terem tanta informação protegida. Vamos ter que falar com eles para descobrirmos mais.
Sempre foi assim. Foram poucas as vezes em que o Governo cooperou com o Departamento. Por mais que muitos desenhistas trabalhem lá, era um local muito recluso. Valentim conhecia uma ou outra pessoa de lá, mas não as vê há anos, na verdade, não tem uma visita há muito tempo.
Ele não se importava, assim tinha mais tempo para estudar e descansar. A rotina dele sempre foi assim, até o momento em que descobriu que é o herdeiro do Medalhão de Alícia. Enfim, os pensamentos foram espantados, a mensagem voltou a pairar na sua cabeça. Não conseguiu focar-se no trabalho apropriadamente, teria sérios problemas para o relatório que teria que fazer futuramente.
— Clinton, tire as fotos. Nosso tempo já está acabando. — Symon apontou para o oficial que hipnotizara anteriormente. Estava meio abalado, sentado na guia. — O símbolo já vai perder efeito.
O recruta rapidamente sacou uma máquina fotográfica e tirou várias fotos, do cadáver, da rua e da mensagem. Quando tudo se finalizou, partiram dali em passos apressados, voltando ao carro. Symon suspirou.
— Valentim, semana que vem a minha filha vai apresentar um musical no teatro da cidade. Que tal um leve descanso nesse dia?
O ruivo o fitou por alguns segundos, achou que era piada, mas seu parceiro falava sério. Pensou enquanto sentava-se no banco traseiro, ao lado de Clinton.
— Tá, não custa nada. Vamos precisar de uma folga de qualquer forma.
— Ah, é isso aí! Você vai curtir, pode apostar.
O carro então voltou até a prefeitura. Lá, Clinton se separou deles, dizendo que ia acompanhar outra dupla. Symon e Valentim cumprimentaram o porteiro do Departamento, o sr. Meros, um velhinho pequeno e bigodudo que sempre vinha para a prefeitura com a sua lambreta. Trabalhava como o “ancião do xérox” na prefeitura, mas na verdade era o cuidador da entrada do Departamento há muitos anos. Deixou os detetives passarem.
O local onde trabalhavam não tinha nada demais, tratava-se de uma construção com corredores estreitos, com vários escritórios e salas. Symon foi até a salinha do café sozinho, visto que Valentim recusou. O ruivo pegou as chaves no bolso, e achou estranho que, mesmo que existam símbolos para tudo que se existe, ainda tem que utilizar uma ridícula chave de metal para destrancar a porta de seu escritório. Suspirando, adentrou.
Era um local grande — vantagem de ser uma dupla de detetives seniores —, havia duas mesas de madeira, ambas cheias de gavetas. A de Valentim ficava na parede ao lado direito da porta, a de Symon ficava no fundo da sala. Tinha também janelas — obviamente falsas, feitas com um símbolo de ilusão, eram necessárias para não causar nenhum tipo de claustrofobia. O departamento ficava num local secreto dentro da prefeitura, por isso ter janelas era inviável. Pessoas comuns se perguntariam qual local é aquele, que nem sequer existe na prefeitura e que ninguém sabe chegar.
Depois que Symon voltou, trabalharam. Symon contatou o Governo e ficou vermelho de ódio quando a ligação acabou.
— Que desgraça. Só poderemos retornar em alguns dias, uma ova! Pessoas estão morrendo e eles ainda atrasam esse tipo de coisa.
Valentim não conseguiu produzir relatório algum. A máquina de escrever mal foi tocada.
— Ainda não me cai a ficha que você prefere isso ao invés de um computador.
— Fui criado assim, minha família é bem tradicional.
Enfim, o expediente chegou ao fim. Valentim reclamou de Symon pegar um segundo copo de café antes de ir embora. Sentando-se em seu carro, ele seguiu até sua casa.