Volume 1

Capítulo 8: O Sequestro

— Chegamos.

Valentim tirou o cinto, ajeitou o cabelo e se virou para o banco de trás. Apontou o dedo para o teto do carro e começou a desenhar um símbolo.

— Ei. — Juliette, deitada, observou o ato de Valentim de canto de olho. — O que você tá fazendo, cara?

— Sou mais velho, tenha respeito. 

Assim que terminou o símbolo, o interior do veículo brilhou brevemente. Valentim então saiu do carro e bateu a porta rapidamente.

Nhé, nhé. Mais respeito... — caçoou Juliette. 

Ela ergueu-se e tentou abrir a porta. Não conseguiu. Tentou uma segunda vez e falhou também. Trancada. Tentou puxar o pino, mas não teve força. Enfim, respirou fundo.

ABRE ESSA PORTA! 

Do lado de fora, Valentim riu.

— Eu te trouxe até aqui, esse era o trato. Não disse nada sobre você participar. — Virou-se e observou o galpão mórbido. — Volto logo.

Juliette explodiu em um grito, o que fez o ruivo espremer os olhos. Se tinha algo que ela sabia fazer bem, era assassinar os tímpanos alheios. Por precaução, desenhou um segundo símbolo. Este fez todo o som de dentro do carro cessar. Para ele, Juliette estava ridiculamente com a boca aberta. Depois de encará-la, seguiu até a entrada do galpão.

A garota deu socos na janela, tentou puxar o pino com os dentes, bateu a cabeça no banco da frente. Tentou todas as quatro portas, nenhuma delas mostrou fraqueza alguma. Depois de tanto suar, desistiu e deitou-se no banco novamente.

— Desgraça!

Ergueu-se uma segunda vez. Olhou aborrecida para fora e para o galpão. A segunda Juliette apareceu e ficaram cara-a-cara.

A-do-le-tá…

*

Valentim batia o pé loucamente no galpão, ecoando por todos os lados. Seus braços estavam cruzados e seu pescoço imóvel.

— Relaxe, Valentim. Ela disse que ia vir direto do trabalho pra cá — disse Mármore, que estava à sua frente. — Já deve estar chegando.

— Se ela não aparecer em 5 minutos, vou embora. Atraso é uma das poucas coisas que não tolero.

Poucas, né?, pensou Mármore.

O silêncio estranho pairou por minutos. Valentim manteve a cabeça para o alto, não aguentando aguardar. Até chegou a ver um vulto, mas assumiu ser coisa da sua cabeça, já que estava começando a ficar com raiva. Olhou para seu relógio de pulso, desencostou da estante e disse:

— Até mais.

Mármore não comentou. Ficou observando o ruivo se distanciar lentamente, mas ao ouvirem a voz de Loreley, Valentim parou.

— Vocês dois! Estão aí?! Se preparem, pois vou chegar trazendo um peixão!

Valentim se virou. A voz vinha de um livro empoeirado nas estantes, ele flutuou no ar enquanto abria e fechava várias vezes, imitando os lábios da garota, até espatifar-se no chão.

— Espero muito que essa idiota não tenha feito nenhuma merda. — Valentim caminhou de volta até a estante que estava encostado.

Segundos depois, a porta do galpão se abriu com força, fazendo o som de metal batendo ecoar pelos corredores de estantes. A voz de Loreley estava ao fundo, reclamando com alguém, ao mesmo tempo que esse alguém soltava grunhidos ofegantes. Mármore e o ruivo seguiram ao seu encontro.

Lá, viram Loreley se esforçando para manter um estranho de terno quieto, ele estava amordaçado e lutava fortemente para sair das mãos da garota.

— Fica quieto! Ô, olá querido! Olá, Valentim! Eu falei que peguei um dos grandes! — disse enquanto gargalhava.

— Retardada, não fale meu nome! — Valentim esticou o braço rapidamente para a estante, e sem saber o que estava pegando, colocou na frente de seu rosto. Era um pequeno rádio, que agora servia de máscara.

— Não se mova... — Mármore se aproximou do estranho e desenhou cautelosamente um símbolo demorado. Depois de ativar seu efeito, o sequestrado ficou completamente imóvel, e Loreley o deixou sentado no chão, com as costas apoiada na parede empoeirada.

— Ufa! — exclamou Loreley. — Não tive tempo pra lançar isso. Nunca imaginei que eu seria uma sequestradora, chega até ser emocionante. E você não precisa esconder o rosto, Faísca! Vamos apagar a memória dele logo depois.

— Você sabe que se investigarem, vão achar tudo isso, não é? Não existe um símbolo que apague completamente a memória, se juntarem os resquícios, vão ver exatamente o que aconteceu aqui!

— Ah, mas como vão investigar se ele nem vai lembrar que isso aconteceu? — disse Loreley, sentando-se numa cadeira, cansada e ofegante.

— Não temos muito tempo, vamos fazer as perguntas — disse Mármore. — Quem é ele?

— Robert Strings, vice-presidente do governo — respondeu Loreley.

Valentim olhou para o sequestrado uma segunda vez. Era de fato Strings. A escuridão e a pressa de se esconder o impediram de reconhecê-lo. E pensar que ele o conheceu pessoalmente hoje mais cedo.

— Uau. Impressionante, querida. Como você conseguiu?

— Chamei ele pra jantar. Aí fomos no meu carro e... bang. Aparentemente ele tá solteiro.

Mármore retirou a fita da boca de Strings e desenhou mais um símbolo que permitiu apenas a fala do homem, e ele imediatamente começou: 

— O que vocês querem? Loreley, você trabalha no setor de segurança! Como... como pôde fazer isso?!

— Escuta tio, posso trabalhar lá, mas não quer dizer que eu seja uma santa justiceira.

— Mas..., mas!

— Vamos ao papo. Queremos informações sobre duas coisas. Você deve saber que tem um assassino por aí atrás do Medalhão, não sabe? Então, é esse cara aqui. — Mármore apontou para Valentim. — Se não nos contar, ele vai te matar.

Strings encarou Valentim por um momento, focando-se em seu cabelo.

— Valentim?! Você?! Você é o detetive! O que está acontecendo aqui?!

— Parabéns, Loreley. Se vasculharem a memória dele, estamos mortos — disse Valentim, colocando rádio de volta na estante.

— Se vocês pensam que eu vou falar algo... nem pensar! Vocês são escória, prefiro a morte!

— Pois bem, então.

Valentim caminhou com passos fortes até Strings, desenhando o símbolo da morte com sua mão e deixou-o pairando sobre ele.

— Valentim! — gritou Loreley, se levantando. O ruivo lançou um olhar à garota e ela cruzou os braços.

Ficou ali por alguns segundos. Strings respirava forte, mas não deixou de encarar Valentim um segundo sequer. Sabendo que não ia ceder, desfez o símbolo. Nesse instante, algo caiu de uma das estantes atrás. Fez um barulho alto de coisas desmoronando e um leve grito feminino que aparentemente apenas o ruivo percebeu.

— Fiquem aí. Mármore, tente forçá-lo a falar. Eu vou ver o que aconteceu. — Valentim partiu na direção do som.

Andando, observava a poeira pairando no local do ocorrido. Chegando lá, viu o que mais temia. Juliette se recompondo da queda.

— Aí... que dor... — Juliette tinha a mão no joelho, que tinha um machucado. Ao perceber Valentim, rapidamente se recompôs.— Ah! Olá... como vai você...?

— Como você saiu?

Bluh. Eu tenho as memórias da mamãe, ou seja, sei um símbolo ou outro. Só demorei pra lembrar. E pra fazer. Ainda sou criança, não levo jeito pra coisa. Ano que vem eu entro em Tressmol, aí você vai ver. — Limpou a poeira do vestido e ajeitou a fita em seu cabelo. — Aliás, eu ouvi tu-di-nho. Você, o cara que o papai tá procurando? Sério, inacreditável...

Valentim sentia que qualquer um na rua agora sabe os atos que ele cometeu.

— Não se preocupe... não vou contar nada pro papai.

— Bom mesmo, senão...

— Com uma condição, é claro — sorriu. — Que você me deixe acompanhar de perto isso aí. Se tem algo que eu curto, é um mistério... ah, será que você conseguirá pôr as mãos no Medalhão? 

— Se você vai acompanhar de perto, vai ser cúmplice.

— É só eu não participar! Só vou ser uma observadora, sabe.

— Valentim! Tá tudo bem por aí? Você tá vivo? — gritou Loreley.

— Já estou voltando! — respondeu. — Escute, Juliette. Você vai me ajudar com uma coisa. Se fizer tudo certo, não vou questioná-la de nada que você fizer como observadora.

Há. E o que você vai fazer?

— Você conhece a Louise, sua parceira de apresentação, não conhece?

Juliette olhou para Valentim com dúvida e a mão na cintura. No fim, acenou com a cabeça, concordando.



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